quinta-feira, setembro 30, 2004

A ressaca do paraíso

Quero um milhão de amigos
Quero irmãos e irmãs
Deve de ser cisma minha
Mas a única maneira ainda
De imaginar a minha vida
É vê-la como um musical dos anos trinta
E no meio de uma depressão
Te ver e ter desejo e fantasia.
Vamos fazer um filme
renato russo
A sensação é a de estar chegando no final de uma festa, bem no finalzinho. Tudo o que tinha que acontecer já ocorreu, o pessoal já dançou, comeu, bebeu. Teve gente que passou mal, que se arrumou, que já foi embora. Já cantaram os “Parabéns” e o bolo já foi cortado. Fim de festa.

No começo desta semana estive em São Paulo para devolver os livros que comprei com o dinheiro da reserva técnica. Além do martírio burocrático (pegar várias assinaturas, conferir notas fiscais e redigir documentos) tive que contornar a dificuldade que foi entregar os livros para a biblioteca da Faculdade. A idéia é boa e empolgante, mas a despedida foi melancólica. Acostumei com eles e já conhecia bem algumas de suas páginas. Entreguei tudo, assinei a papelada e quase derreti no Sol que eu tomava enquanto esperava um ônibus.

Terça paguei a conta do analista (igual aos versos do Cazuza). Meses de terapia e consegui um bom resultado, pois hoje sei mais dos meus limites, das minhas virtudes e dos meus desejos. Sei que ainda preciso de muito tempo, de muitos amigos, muitos toques, beijos, festas, carinhos e madrugadas. E isto não foi o terapeuta que me ajudou a descobrir.

Quanto tempo ainda? Este ano foi terrível, de muito esforço, muita despedida e pouca contemplação, celebração e alegria. Não se trata apenas de um sentimento de participar de uma festa decadente, mas sim de estar assentado numa ressaca do paraíso, preso em uma eterna véspera, sempre esperando, esperando, esperando... Quanto tempo ainda?

domingo, setembro 26, 2004

Coisas inteligentes

Calor. Está muito quente.

Meu escritório está uma bagunça. Tento lembrar de uma desordem parecida e não encontro. Um amontoado de papéis, revistas, fotos, livros e um computador parceiro, tudo embalado por um ventilador chinês.

Confesso, sou o idiota completo. Meu antigo blog, bem anterior a este, consagrava esta minha condição: O IDIOTA – AS INVASÕES BÁRBARAS CONTINUAM. A certeza disto voltou nesta tarde quente quando sorri com a idéia do “intelectual nos Trópicos”. Sorriso pequeno, de canto de boca, sem muito entusiasmo. Mas era sorriso mesmo, sem falsidade, sem cinismo. Depois veio a cacetada: não sou merda nenhuma em Trópico algum. E dá-lhe cachaça!

Café e uma batelada de sedativos fitoterápicos. Muita calma nessa hora. Adoniran Barbosa, velas pra São Jorge guerreiro, jornal O Estado de São Paulo. Busco um porta-retratos amigo com os olhos. Novamente sorrio.

Ontem assisti Amarelo Manga. Adorei.

Hoje fiquei arrumando uma papelada burocrática da FAPESP, corrigindo uns textos antigos e despachando muitos papéis que estavam acumulados na minha mesinha. Encontrei duas cartas que escrevi faz muito tempo. Já perderam o valor e não dizem nada. Esquecidas no fundo da gaveta.

Estou cansado demais para escrever coisas inteligentes.

quarta-feira, setembro 22, 2004

Dom Casmurro

(Da célebre série “Curtindo um som de madrugada”)

Tentei falar com você ontem e hoje, mas o telefone chamava sem resposta. Em qual parte do planeta você se enfiou? Maputo ou Barcelona? São Paulo ou Curitiba?

(Sei onde você está, mas gosto de lhe imaginar em novas possibilidades.)

Rio quando lembro de sua voz fina reclamando da minha barba cerrada, do escritório desorganizado e das roupas acumuladas encima da poltrona. Sinto muito prazer em recordar destas pequenas coisas, cotidianas, diárias, nossas. Sinto prazer em lembrar de como era viver com você por perto.

Liguei para dizer que estou atordoado. Precisava desesperadamente que você me possuísse, me tomasse em seu corpo e deixasse meu sabor se misturar com o seu. A noite passada foi muito quente e me excitei em recordar o cheiro do seu suor. Esta noite também será quente e igualmente solitária. Até nisto eu me repito.

Separei uns livros que desejo me desfazer, mas antes preciso vasculhar bem cada um deles. Ainda hoje me surpreendo com bilhetes seus deixados em páginas fechadas.

Amanhã tentarei levantar cedo para comprar algumas frutas. A casa toda está vazia e eu não gosto de ficar zanzando por ela sem encontrar nada para beliscar. Arrumei a trilha sonora do filme Lost in Translation e imagino o quanto você amaria todas as músicas.

(De repente me dou conta, novamente, que só posso imaginar.)

Engordei um pouco, mas não mudei muita coisa. Por vezes sinto que não mudei nada e que o tempo está congelado, que estou vivendo o mesmo dia durante esses últimos anos. Desisti de tantas paixões que eram significativas, tanta capitulação, tanta desilusão que não posso me culpar por estar exausto. Abrir mão de planos é a mesma coisa que se exaurir de sonhos, dá na mesma.

terça-feira, setembro 21, 2004

Cama Elástica

A tarde precipita sua cor
cai, no começo
no princípio da noite
e o que ainda aqui resiste
meio fera, ao precipício
ficou na beira da taça
que não suporta mais
sequer um riso
pois todo cristal está sempre
na iminência, um minuto antes
de partir.
3 X 4
armando freitas filho
Estou terminando um relatório acadêmico, o último do mestrado. Falta pouca coisa, uma página, pouco mesmo. Só que pra mim sempre foi mais difícil terminar do que começar, e isto em tudo. Difícil fechar um texto, concluir uma conferência, terminar um show, encerrar uma amizade e ter que desistir de um amor. Difícil terminar, não começar.

Meu trabalho de pesquisa está terminando mais por força das instituições do que por meu desejo ou consciência. Sei que posso ir mais longe com ele, ler mais, escrever mais, só que agora chegou o momento de finalizar, refletir e, de alguma forma que eu ainda não descobri, colocar um ponto final no texto.

Penso que esta dificuldade encontra sua lógica no seguinte raciocínio: quando vamos iniciar algo sempre lidamos com o novo, com expectativas, com sonhos, com desejos. Quando vamos terminar algo, por mais que ela tenha sido positiva, temos que nos reencontrar com o que deu errado e pensar os motivos disto.

Mas isto não é bom? Esta reflexão não é necessária?

Acredito que sim. Na verdade meu problema não está em refletir meus acertos e erros, e sim em observar o tipo de homem que estou me tornando com todos estes começos e fins. Hoje sou o cidadão do fim, enfrentando uma fase da vida em que tenho que estruturar muita coisa (até sentimentos) e tomar decisões para preparar um terreno futuro. O problema é que a gente nunca sabe muita coisa desta palavra futuro! É mergulhar no incerto torcendo pra existir uma cama elástica em nossa direção.

Segunda passada eu estava em São Paulo. Por uma pancada de motivos estava atordoado, inseguro e assustado, sentimentos que senti poucas vezes naquela cidade. Sampa consegue roubar um pouco das minhas angústias e acabo relaxando; mas desta vez não conseguia espaço ou lugar para descansar, desabar os ombros e esquecer do que seria saudável esquecer. No meio da manhã tudo o que eu procurava era um abraço apertado e um silêncio de grandes amigos, estar com alguém e conseguir festejar o encontro sem ter que dizer, fazer ou pedir nada. Acabei no café da Letras, pois lá fica ligado um televisor passando desenhos animados.
Agora procuro coragem para terminar o relatório. Imprimir, entregar para FAPESP e lidar com todos os processos burocráticos de uma prestação de contas. Ainda há tanto para fazer...

Mais tarde descolo um tempo e escolho um cd bem bacana. Apago a luz, ligo o som, afundo na cama e recomeço a sonhar. Vou em frente.

domingo, setembro 19, 2004

Fragmentos, intenções, discursos e saudades

Eu tive fora uns dias
Numa onda diferente
E provei tantas frutas
Que te deixariam tonta
Eu nem te falei
Da vertigem que se sente
Uns Dias
herbert vianna
Voltei. Passei duas semanas correndo e experimentando muita coisa. Coisas boas, coisas ruins. Voltei cansado, barbudo e com sono. Meu estômago também não ajuda!

(Fico pensando o quanto gastei com bebidas nestes dias. Não vou fazer as contas.)

(Quase 100 e-mail´s me esperando em minha caixa-postal. Apenas dois eram pra mim.)

Fiquei uma semana em Campinas, participando de um congresso na Unicamp. Tive problemas com vaidades sortidas, com o calor e com a solidão. Também fiquei intimidado com pessoas inteligentes, mas vazias de coração. Não vou ficar insistindo muito nisto, tudo superado. O que devo – e quero – registrar é que encontrei com a Ana e a Maria! Cervejas e carinhos durante três noites, um verdadeiro tesouro! A Cris apareceu, mas ficou pouco. Foi tão bonito, reconfortante e intenso que eu não consigo escrever sobre isto, pois tudo me parece falso ou estúpido quando tento expressar estes momentos. Vou ficar nisto: encontrei com grandes amigas e consegui alcançar uma felicidade que eu não me lembrava mais.

Semana passada estive em São Paulo.

(Antes, preciso colocar aqui uma confissão. Está difícil ir para Sampa, pois sinto que estou perdendo a cidade que tanto gosto. Fiquei por lá quase oito anos e, por muitos motivos que não quero refletir agora, tomei a cidade como parceira, amiga e terapeuta. Agora estou perdido, suspenso e sem a sua referência.)

(Aproveitei a visita e corri até o Centro. Entrei num botequim na Rua dos Gusmões e pedi um café. Busquei uma mesa solitária e fiquei por lá um bom tempo, sem pressa, sem culpa, sem passado e sem pensar em nada. Apenas respirando e ouvindo os sons das palavras que vinham da rua. Café sem açúcar.)

Na Segunda encontrei com meu orientador para uma conversa importante. Ele me acalmou, aumentou minha confiança na pesquisa e se mostrou como um grande amigo. Em Campinas saímos com alguns colegas para beber cerveja e aproveitei para conversar muito com ele sobre assuntos “não acadêmicos”. Que sorte eu tive de encontrar um professor tão correto, ético, erudito e radicalmente humano. Posso dizer que toda a minha ansiedade e preocupação com o exame de Qualificação desapareceram depois de poucas palavras que ele me disse. Senti que estava preparado, que tinha um trabalho que envolveu muito investimento, muito carinho e dedicação. Senti seriedade e amizade em suas palavras, o que me cobriu de tranqüilidade e orgulho.

Na Terça passei pelo exame de Qualificação. 14:00 horas, Departamento de História da USP. Fui cedo para a faculdade e fiquei na biblioteca lendo umas poesias do Roberto Piva, tendo idéias para textos que quero escrever neste blog. Fui almoçar no restaurante da Física e me entupi de comida árabe (arroz temperado com hortelã e alho, tabule, kibe de forno e salada de alface), sobrando espaço só para o café. Voltando para a História, senti que estava muito feliz e, ao mesmo tempo, muito solitário. Foi estranho sentir isto. Tinha um tesouro nas mãos, uma alegria forte e acalentadora, mas não conseguia encontrar ninguém para dividir tudo aquilo. Cheguei a invejar os casais de namorados que eu cruzava pelo caminho. Ali vi que estava realmente sozinho, ou melhor, só com minhas idéias. Sem dramas. Subi a Rua do Matão, que sempre está quieta e fresca, cantarolando sambas do Adoniran.

A banca foi composta pelos professores Dra. Maria Luiza Corassin, Dr. Francisco Murari Pires e Dr. Norberto Guarinello, meu orientador. Todos fizeram observações rigorosas e atentas ao meu trabalho, contribuindo com novas possibilidades e leituras que eu não me cansava de agradecer. Foram generosos, instigantes e responsáveis, revelando um “tipo” de intelectual que me seduz e inspira. Fiquei feliz por ser professor, reconfortado com o diálogo que tive com eles, sentindo que ainda posso e devo acreditar na minha profissão, que ela é significativa e importante para os meus sentimentos e para o mundo.

No resto da semana tive muitas emoções gastronômicas e afetivas, além de uma investida pesada nas bibliotecas da USP. Estive hospedado no apartamento dos meus amigos Luisão e Leandro (Gnomo). Estes dois são tão importantes em minha vida que nem sei muito bem como agradecer tanta amizade. Pizza, samba, Teodoro, Frei Caneca, Augusta e Madalena. Cerveja gelada e trabalho na manhã seguinte. Como nós conseguimos levar a semana toda permanece um mistério?

(Comprei o DVD do filme “As Invasões Bárbaras” e um livro do Foucault. Estou com umas inquietações que, temperadas e estruturadas, podem render um novo e estudo. Penso no que o filósofo francês pode me ajudar e fico excitado.)

O ruim de não estar em Sampa está nas pessoas que estou deixando de encontrar diariamente. Falo especialmente do Miguel Palmeira, do Fábio Joly e do Rafael Benthien. Queria estar com eles em algum grupo de estudos, aprendendo mais sobre Finley, Tácito e o sublime da tragédia grega. Também sobraria espaço e tempo (história) para cerveja, samba, futebol e muita piada.

Paciência. Estou mandando uns currículos e procurando novas possibilidades. Preciso de alunos, de dinheiro, de amigos e um tempo para cuidar das minhas idéias. Na verdade eu mereço isto!

(Tenho outras coisas para escrever sobre estas duas semanas. Tive muitas idéias que anotei em meu caderninho e que guardei na cabeça. Lembrei de tanta gente, de tantas situações... Preciso de vida, pulsando, correndo, trombando...)

(É sempre assim. Meu coração fica apertadinho quando tenho que ficar sozinho com minhas idéias e com um mundo de possibilidades que eu não consigo alcançar. Tantos fragmentos pequeninos, saudades gigantescas e sonhos retidos. Continuo cometendo o crime de censurar minhas ilusões de um futuro mais promissor. A Maria me pede calma e o Gnomo escuta com atenção. Estou cansado e preciso de uma boca para beijar, de uma cabeça para entender e de um corpo para explorar.)