terça-feira, julho 26, 2005

Entre seus rins OU Questão de gênero

(Reviravolta histórica: não é mais o sexual que é
indecente, é o sentimental – censurado em nome
daquilo que não passa, no fundo, de uma outra moral.)
Fragmentos de um discurso amoroso
Roland Barthes

Creia-me, não é preciso apressar o fim da
voluptuosidade, mas chegar lá insensivelmente após
atrasos que a prorrogam. Quando você tiver achado
o lugar que a mulher gosta de ser acariciada, o pudor
não deve impedi-lo de acariciá-la. Você verá os
olhos de sua amiga brilharem com um lampejo trêmulo,
como acontece muito aos raios de sol refletidos
numa água transparente. Depois virão as queixas,
um delicado murmúrio, doces gemidos e as
palavras que servem ao amor. Mas não vá, retirando
mais véus, deixá-la para trás, ou permitir que ela
se adiante na marcha. Atinjam o alvo ao mesmo tempo;
é o ápice da volúpia, quando, ambos vencidos,
mulher e homem permanecem estendidos sem força.
A arte de amar
Ovídio


A vida segue aqui no sertão, meu sertão. Não está tão frio, mas o ar está seco. O gramado do jardim de casa começa a se tingir de marrom-claro e eu sinto muito sono. Como não estou na escola, minha maior dedicação está na literatura intercalada com sonecas curtas. Leio coisas sérias, escrevo chistes, trabalho na dissertação e, quando quero, adormeço um pouco. Água no rosto. Café. Quase sempre pensando em sexo.

Este é um ponto interessante: penso muito em sexo. Também, na minha idade... Creio que os velhos não pensam tanto em sexo não por culpa de alguma limitação física, estética, moral ou emocional. Não contemplam as idéias eróticas porque devem se dedicar aos assuntos da morte, do legado e, aos crentes, da nova vida. Eu sou um guri jovem – e que pensa, lê, vê e fala muito sobre sexo.

Queria é fazer mais.

A grande questão desta tarde de domingo é e seguinte: sexo e amor como a gigantesca questão de gênero. Explico melhor. Desde que voltei ao sertão tenho me esforçado em conhecer um grande número de mulheres. E não apenas pelas idéias, beleza, pelo toque, pelo gozo; quero conhecer mulheres por invejar o Chico Buarque quando escuto os elogios que lhe fazem por conhecer tão bem a “alma feminina”. Quero abrir a caixa de Pandora também!

Assunto espinhoso para um historiador formado após a revolução do Analles franceses e tudo o que balançou a história (enquanto prática de investigação) depois da requalificação do legado marxista e da psicanálise. Ou seja, devo estar atento aos estudos de gênero, aos avanços das mulheres e o quanto esta luta ainda precisa e deve continuar. Acontece que, saindo das bibliotecas, fico ofendido e irritado quando recebo a fatura pelos abusos masculinos. O peso e culpa de ter um pênis. É simples: também tive que romper com esta sociedade machista a patriarcal, da minha forma, com meus demônios. E também sou vitimado por ela.

Conversas e mais conversas, sempre embaladas por cerveja e, quando tenho dinheiro, vinho. E as novas conhecidas acabam voltando ao embate do sexo X amor, deixando o macho restrito às ereções do falo e a alma feminina com coisas mais sublimes, destinadas ao amor etéreo e belo.

Blá blá blá.

Ontem me aborreci. Na verdade, venho experimentando uns dois meses de chateação. Numa mesa de bar, seis jovens. Três homens e três mulheres. É claro que recebemos delas a clava de Neanderthal e um gutural uga-buga natural aos machos bêbados. Nossos sentimentos vistos com desconfianças enquanto elas se ocupavam em reclamar dos corações rompidos. E de tempos em tempos flertavam com uns barbudos da mesa ao lado, trocando mensagens de celular e conversando entre elas em código. Aos pitecos bêbados restou um grande repertório de piadas e ficamos rindo de quase tudo.

No fim, fiquei irritado. Por quais motivos nós complicamos tanto a vida quando o assunto é sexo e amor? Tremendo campo para todas as morais da humanidade. Na verdade, tenho minhas teorias para refletir esta questão. E não esqueço dos séculos de repressão do corpo, de distintas naturezas, do gozo e prazer, principalmente quando penso na mulher. E nos últimos trinta anos, com tantas mudanças tecnológicas e sociais, é natural confusão e angústia. Mas calma lá, é preciso se esforçar para abandonar algumas bobagens.

Irritado, rodei um bom tempo pela cidade. Adoro dirigir de madrugada. Esperei a barraca de pastel na feira, comi e fugi pra casa. Estava sem sono e liguei a TV, já sem pensar em nada, cansado. Por acaso, parei no GNT, que estava passando o Saia Justa. Peguei o programa na metade, mas percebi que o assunto era o dilema sexo e amor entre os gêneros. Não é possível. A aparente conclusão somada pela jornalista Mônica Waldvogel é que a mulher utiliza o sexo para despertar e segurar o amor no parceiro. O mesmo modelo do gutural uga-buga deflorando a Cinderela. Quanta idiotice.

Pois é, o texto ficou bem confuso. É que estou cansado desta moralidade estúpida, presente entre muitos jovens amigos, que coloca o amor como a arte da mulher e o sexo como ação do homem. Não é nada disto. Meus orgasmos foram conquistados com as mulheres que amei, abraçando e penetrando, misturando cheiros fortes, vibrando os órgãos, tremendo e chorando. Entre seus rins. Agora, qual é o problema de me excitar lendo Pedro Juan, pensando em situações eróticas ou buscando alguma diversão nos bares da cidade? Qual é a culpa de buscar prazer no sexo sem a preocupação de ser o novo príncipe encantado?

segunda-feira, julho 18, 2005

Perturbador

O primeiro solitário foi também o primeiro humano. E, depois, outros, e outros, e outros, fundaram novas solidões.
Nelson Rodrigues


Dia frio, desses que a gente quer ficar parado, abraçado ao cobertor, embalado por um bom livro. É o que estou fazendo.

Aproveitei as férias escolares para debruçar no mestrado, matar meia dúzia de artigos acadêmicos e arrumar a bagunça que está o meu quarto. É impressionante como tenho livros estranhos, coisas que não lembro de ter comprado. Descobri uma tese sobre a reforma agrária na Índia moderna. Interessante pensar a convivência de um estado democrático moderno com o secular sistema de castas. Bacana. Gostei de encontrar um texto sobre isto na minha biblioteca.

Estou lendo Pedro Juan Gutiérrez. Ganhei umas coisas do Gnomo, que ele trouxe da sua última passagem pela Espanha, visitando a Cris. Nuestro GG en La Habana é um título que ainda não tem tradução brasileira. Que chique! E o cubano, no original, consegue me excitar mais ainda. Hoje termino a novela.

Fiquei duas semanas sem escrever. Pois é. Estava doente numa delas, com uma gripe que me derrubou, e com preguiça na outra. Uma semana com preguiça, só lendo. O que não significa que não pensei em nada. Pelo contrário, pois fiquei rachando a cuca dias inteiros, pensando em muita coisa. Pessoas, bandas, mestrado, aulas, PT, amor, saudades. Não pensei em suicídio, mas cheguei a ficar bem triste, sem querer levantar. Que bom encontrar boa música nestes momentos. E eu dobrava o som.

Também tive uns sonhos perturbadores. Isto sim é estranho, pois eu quase nunca lembro do que sonho. Mas nestas últimas duas semanas, despertava com os sonhos, lembrando tudo, como um roteiro. Hoje tive um bem maluco em que eu não aparecia. Era uma coisa entre três irmãos e muitas mortes. Quando acordei fiz força pra lembrar se aquilo não foi alguma nota de um filme ruim que assisti de madrugada. Não creio. No Domingo sonhei com a mulher do meu último caso, com umas sacanagens que a gente fez. Acordei assustado, procurando alguém para conversar. A família toda tinha saído para uma feijoada no sítio de um conhecido. Levantei pensando nela, fiz meu almoço pensando também. Não consegui ler o jornal todo.

Hoje é segunda-feira e aproveito para cuidar do visual. Coloquei um radinho no banheiro e dediquei um tempão aparando minha barba. Ela estava horrível. Fiquei um bom tempo olhando no espelho, calmamente passando a navalha na pele. Demorei muito mais que o necessário, se bem que não entendo muito mais de prioridades e necessidades.

Amanhã é dia de aparar o cabelo, pela manhã. Depois quero trabalhar um pouco na dissertação e arrumar os diários de classe. Música e leite quente.

E quem sabe um sonho bom.

sexta-feira, julho 01, 2005

Da difícil arte de esquecer felicidade

Neste apartamento, sem ninguém, só eu não serei estranho,
só eu encontro companhia, pois em suas formas continentes
tenho vivido.

As cousas me conhecem, me olham, me recebem, me aconchegam
principalmente quando estamos inteiramente a sós
porque então nada lhes tolhe a infinita timidez.
J.G. de Araújo Jorge


Um koan budista diz: “O mestre segura a cabeça do discípulo debaixo da água, durante muito, muito tempo; pouco a pouco as bolhas começam a se rarefazer; no último momento, o mestre tira o discípulo, reanima-o: quando você desejar a verdade como desejou o ar, então saberá o que ela é”.
A ausência do outro segura minha cabeça debaixo da água; pouco a pouco, sufoco, meu ar se rarefaz: é por essa asfixia que reconstituo minha “verdade” e preparo o Intratável do amor.
Fragmentos de um discurso amoroso
Roland Barthes



Cada dia, em cada amanhecer, o mesmo gosto: ausência. Não sei mais quanto tempo, quanta espera, quantas bebidas. Quanta angústia revela a sua ausência.

Ausência sentida. Ausência morena.

Aos poucos vou indo, passo por passo, na difícil arte de esquecer felicidade. Com um pouco de habilidade, no cálice diário de vinho tinto, não sirvo mais em duas taças. E a cama, nos lençóis preguiçosos, não segura mais seu cheiro. Não encontro seus cabelos perdidos.

Música baixa, dirigindo de um inferninho ao outro, procurando companhia. Incrível como uma mulher consegue buscar para si todos os rostos do mundo. Assim todas elas, empregadas, professoras, comissárias de bordo, garçonetes, putas e anestesistas, todas elas estão com seus olhos lindos.

Dirigindo até o Sol nascer.

Uma hábil arte, de abraçar travesseiros, assistir filmes e pagar as contas sorrindo. Salada de alface e literatura erótica. Velas pra São Jorge, rock gaúcho, esfiha de queijo. Não vou telefonar, mas olho sempre o celular. Desligado.

Arte de sair de casa, vestindo um traje bacana, para encontrar com bons amigos. Daí a gente beija garrafas até esquecer de toda vergonha, ficando livre novamente. Livre para olhar pro lado, comentar de alguma bunda, apoiar os cotovelos na mesa até cair, exausto.

Exausto da ausência.

Esquecer felicidade exige paciência e compaixão. Compaixão ao seu próprio peito, sua história, seu futuro. Quieto pra sentir uma dor suportável, mas que sangra, lateja, pulsa, inflama.

E cicatriza.