sexta-feira, junho 25, 2004

TRAIN IN VAIN STAND BY ME

The desert is not remote in southern tropics,
The desert is not only round the corner,
The desert is squeezed in the tube-train next to you,
The desert is in the heart of your brother.


Choruses from the rock
Eliot


Ontem fiz algo que não fazia faz um bom tempo: fui assistir um filme sozinho. Nos meus tempos de São Paulo isto era tão comum; ia ao cinema, no mínimo, duas vezes por semana, quase sempre sozinho. Assim assisti meu primeiro Felini na telona!

Assistir um filme sem estar acompanhado nunca me incomodou. Na maioria das vezes eu ficava estudando e trabalhando em casa até a cabeça pesar. Cansado, eu pegava o metrô e descia na Paulista; no caminho eu equilibrava um pouco o pensamento e cantarolava alguma coisa, quase sempre um samba do Adoniran.

Cinema. Eu movimentava minhas idéias e frustrações, correndo nas tumultuadas calçadas da Augusta, conseguindo pensar em coisas tristes com muita autoridade e segurança – aquela “parada” era a minha, ali eu nunca me passava por estrangeiro!

Teve uma vez que sai da sala em prantos, depois de assistir um filme do Kosta-Gravas chamado AMEN. Baqueado, encostei num balcão de padaria (essas padarias paulistanas...) e chamei um café; um senhor de cabelos brancos me olhou e sentenciou, “é a vida!”. Pois é, a vida!

Outra vez, após apreciar o documentário “Paulinho da Viola – meu tempo é hoje”, fui invadido por uma imensa vontade de beber cerveja até virar os olhos. Sozinho, me enfiei em outra padaria; na segunda garrafa já estava de papo com duas meninas do Mackenzie que cursavam alguma coisa chata que fiz questão de esquecer. Foi divertido e acabamos secando mais duas garrafas. Voltei pra casa cantando Nelson Cavaquinho.

Ontem foi estranho, pois me senti muito sozinho. Primeiro me sentia estranho naquele cinema, repleto de casais e grupos de amigos. Engraçado, mas sinto que fiquei intimidado naquele lugar, com lembranças que me colocavam muitas mais as topadas do que os acertos; estranho, novamente estranho.

O filme foi maravilhoso. “Diários de Motocicleta” coloca, sim, um discurso (e eu não entendo bem qual é o problema disto, afinal, o cinema em si é uma narrativa, um discurso elaborado em muitas direções). Gostei, e isto já é o suficiente agora (voltou ao filme em outra oportunidade).

Na saída, mirando a rua escura e vazia, desisti de buscar um café. Andei até minha casa assoviando algumas melodias que despertam alegrias e desviam a cabeça de memórias pobres. Fiquei tão cansado, e não foi pela caminhada!

Hoje acordei pensado neste “deslocamento” e numa visita que terei que fazer ao caos de Sampa na próxima semana. Juro que não queria ir, pois sinto também que aquela cidade não mora mais em mim; o difícil é saber que aqui eu também não me sinto em casa. Acabei por lembrar de outro filme, o “Raízes do Brasil”, recuperando uma sentença do Sérgio Buarque: “Somos desterrados em nossa própria terra”.

Espanta-me a falta de referências que tenho experimentado, encontrando tesão somente num amontoado de idéias escritos em três ou quatro livros. Espanta-me também um paradoxo que está ganhando campo entre meus sentimentos: quanto mais me desinteresso pelas mulheres e pelas pessoas, maior é o meu desejo de entender, assimilar e produzir pensamentos sobre a América Latina e o Brasil.

Vou pensar mais nisto, em silêncio, para não atrapalhar o ruído que o vento faz raspando em minha janela.