domingo, junho 27, 2004

FLOR DE OBSESSÃO

Ontem passei mais um dia sozinho, em grande silêncio e descanso. Lavei os pratos, fui passear com meu cachorro, assisti (pela décima vez) o DVD do Ira!, revisei minha dissertação e, no final da tarde, preparei duas doses de mojitos e fiquei olhando o céu, sentindo a respiração.

Até queria sair, por a cara na rua e encontrar uma boa gente para rir um pouco da vida. Não foi possível. Peguei meu violão e fiquei tirando um som até altas horas, relembrando umas músicas minhas, tentando fazer outras e, com maior entusiasmo, roubando tudo que me agrada nos outros. Imaginei que Envelheço na Cidade poderia ser minha, já que nasci no dia 25 de Janeiro, aniversário de São Paulo, e sou maluco pelas coisas do Edgard Scandurra. O que eu mais gosto desta canção é o sentido que ela dá para quem se sente meio careta, coisa estranha, sem muito referencial no tempo e espaço:

Mais um ano que se passa
Mais um ano sem você
Já não tenho a mesma idade
Envelheço na cidade
Essa vida é jogo rápido
Para mim ou pra você
Mais um ano que se passa
E eu não sei o que fazer.


Não tem como evitar. Acabo sempre pensando no descompasso e na bagunça que está a minha vida, meio que um trem fora dos trilhos... mas correndo ainda! Não vou me pintar de vítima, já chega, o que eu estou tentando dizer é outra coisa, bem diferente. Envelhecer e amadurecer não está sendo fácil (nunca foi): a vida fica mais cara, a comida mais saborosa, a cerveja mais apreciada e as mulheres mais bacanas; em contrapartida os amigos ficam mais distantes, a solidão muito mais presente e as lembranças aparecem com força. E eu insisto no violão, mais um ano que se passa, e eu não sei o que fazer.

Na Sexta sai com um velho amigo, Mauro Oyama. Esse rapaz é uma figura! Além da conta elevada (seis garrafas da Bohemia de trigo e outros aperitivos sortidos), ganhei um afago maduro e muita alegria na cabeça. Consegui refrescar as idéias e, finalmente, deixar minha máscara de lado para voltar a ser o poço de exagero, ou nos ditos rodrigueanos, a flor de obsessão que tenho a sorte de comportar. E o bacana é que o Mauro me reconhece exatamente assim, não censurando qualquer contradição, querendo ver o brilho que eu carregava nos olhos.

O assunto preferido da bebedeira foi, como não, as mulheres. E ficamos debatendo horas, cada um abrindo seu peito, de par em par, refletindo com ajuda do fermentado de trigo. Acabei entendendo que para algumas das minhas paixões antigas eu fui homem demais; acabei aceitando que para outras eu simplesmente não fui! E, sem o menor pudor, assumi todas as dores e os caprichosos destas experiências, reconhecendo que tudo o que carrego hoje de bom foi transformado com elas.

E neste Domingo, acolhido na sombra da preguiça, fui despertado por minha mãe com uns enrolados de goiabada que eu adoro. Meus pais chegaram da praia com as feições descansadas, fiquei feliz, estava com saudade. Tive vontade de telefonar para alguns amigos e dizer coisas bacanas... passou quando lembrei do violão. Queria fazer serenatas, queria telefonar, queria sair correndo, queria fazer guerrilha, queria fundar país, queria encontrar com ela, queria publicar meu livro.

Por ora eu fico com o violão!