terça-feira, outubro 18, 2005

Lupicidiano


(A Fuga, de Rui Dias Monteiro)

Não consigo dormir, simplesmente. Um calor sufocante que não cessa com toda a água gelada que consegui beber. Simplesmente não consigo dormir.

Nem trabalhar. Falta o mínimo de concentração. Preciso me concentrar, terminar o texto do mestrado, traduzir um texto, acabar um artigo. Ainda tenho as aulas. Deus e sua época: e o mundo está perdido.

Estou estressado, muito. Bacana sentir que ele é democrático: meu estresse passeia pelo corpo. Há pouco tempo doía as costas, depois ele migrou para as pernas. Batata da perna. No meio da semana passada ardia o cu, depois costas novamente, braços (tendinite) e cabeça. Dois ou três dias com suaves dores de cabeça.

Falta concentração e o cu arde.

Sair de casa então... Gosto de ir ao bar na quarta-feira ou terça. Pouco movimento e posso pedir para o Moisés colocar o cd de jazz que tenho em mãos. Duas garrafas e um pouco de queijo. Começo a ler Gogol e tenho muita vontade de sumir. Sumir daquela cidade, daquele país. Sem ninguém nas mesas ao lado falando alto das vidas alheias ou de suas atitudes sempre acertadas. Quietinho eu fico ali, olhando o movimento.

- Pra quê tanto carro?, perguntaria se estivesse lendo Drummond.

Quero ir pra casa e tentar chorar. Nem isto eu consigo mais.

Vislumbrar minha barbárie interna eu faço no escuro, esparramado na cama e ouvindo Debussy. Maldito francês que, como todo bom latino, toca tão fundo em minha incapacidade de amar. Amor impossível ou, no português lupicidiano, dor-de-cotovelo.

A quietude da música me faz lembrar do trabalho e da mulher. Incapaz de relaxar? Quanto ao trabalho, fico perdido na dor latejante, e o deixo em minhas preocupações cotidianas, manejáveis, que vão se arrastando comigo, dia a dia. E a mulher?

Penso em todas elas em detalhes. Gosto de lembrar dos bicos dos seios e da cor interna daquilo. Únicas como digitais. Com as lembranças das que foram me dou conta que estou irremediavelmente livre. E isto está longe de ser maravilhoso.

Tarde demais para mudar de país, para enxugar meia garrafa de whisky, para desistir do mestrado. Tarde demais para enviar flores. Sei que nem isto mais me dá tesão ou medo; o jeito é continuar até pintar algum dinheiro para um novo livro e a penúltima bebedeira.

Bebedeira das boas.

Se eu estivesse lendo Drummond falaria do anjo torto, aquele intrometido. Nem isto. Sem ranço, sei que é melhor assim. Anjos dão trabalhos com todas aquelas penas e não tenho tempo para baralhos ciganos. Hoje entendo que não houve um momento em que a estrada entortou ou que caí do paraíso.

Nasci assim.

Ouvindo Debussy, insone, fodido de tanto trabalho, sem sexo, cafuné e sem dinheiro, reconheço a minha barbárie. E ela tem os mesmos olhos verdes, a mesma barba ruiva e o mesmo sangue quente que eu. Olha-me com interesse, sem medo, curiosa, sabendo que estou tomado por insegurança e confusão.

Realmente, estou precisando dormir.

1 Comments:

Blogger Camila Rodrigues said...

Tente Drummond outra vez, se me permite meter o bedelho.

Dormir nada...
É preciso encarar a vida, a poesia, mesmo quando elas são amargas ou azedas , e elas sempre são.

Camila
Uma menina que é diariamente chicoteada por Drummond!

2:39 PM  

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