quarta-feira, outubro 12, 2005

Pau e problema

Vejo fulana a festejar na revista
Vejo beltrana a bordejar no pedaço
Divinas garotas
Belas donzelas no salão de beleza
Altas gazelas nos jardins do palácio
Eu sou mais as putas
Cambaio
edu lobo e chico buarque


De todas as garotas e mulheres do lugar, Cassiana era a mais jovem e bela. Linda com seu vestido preto, minúsculo, e sentada ali, no canto escuro, distraída, mexendo no celular. Mestiça de índio com branco, produto da colônia tropical, tinha o corpo pequeno, mas bem formado, com enormes seios dourados que pareciam explodir no decote. Seus longos cabelos negros, nem ondulado e nem escorridos, repousavam em suas costas até a metade. Um olhar despreocupado, mas estranho e sinuoso como uma serpente que cospe fogo, pois brilhava e ardia. Docemente ardia. Quieta e serena, se não fosse pelo aparelho celular eu poderia jurar que estava olhando para uma deusa inca ou asteca.

Cassiana era a puta mais bonita da boate.

Casa com pouco movimento e ficamos ali, na mesa escura, conversando e bebendo Martini. A deusa asteca tinha 20 anos e desde os 17 trabalhava como prostituta. Era de Belém, o que clareou minhas idéias sobre seus riscos indígenas.

- Pará! Um bocado longe, não é?

Nem pensar em se apaixonar. Dois homens da cidade já lhe ofereceram boas fortunas para conseguir exclusividade, um deles, inclusive, ofereceu um carro e um apartamento.

- Não quero saber. Já tive um homem que me valeu pra vida toda de tanto problema que ele me causou. Pra mim homem é só pau e problema.

Estava estudando num supletivo, pois queria se formar em enfermagem. Batalhava muito para juntar dinheiro, pagar os estudos e, de tempos em tempos, passar dois meses em Belém.

- Quero ser enfermeira, cuidar das pessoas que precisam. Gosto disto e, de certa forma, já estou na atividade. Quanta dor de corno eu já tive que agüentar...

Não gosta do pai. Aos 15 anos ele a negociou com um engenheiro, de 34 anos. O pai estava cheio de dívidas com a jogatina e o engenheiro, rico, se ofereceu para quitá-las. O acordo foi a filha única em casamento. Bodas.

- O engenheiro era rico, até piscina tinha na nossa casa! Mas eu não gostava daquele homem e, para minha sorte, ele passava mais tempo viajando do que em Belém. Daí fui levando um pouco mais. Casei forçada, entende...

A situação piorou quando ele e seu pai colocaram na cabeça a idéia que uma criança salvaria o casamento. Cassiana ficou tomando anticoncepcional escondida por alguns meses, até que seu marido descobriu. Engravidou na marra. Depois do nascimento do Fabiano, o engenheiro viajava menos e bebia mais. Quase proporcionalmente. Dizia que era preciso ficar mais tempo em casa pra cuidar da família.

- Aquele filho da puta... Bebia quase todo dia! Até que teve um dia que o lazarento me deu um empurrão...

O empurrão virou tapa. O tapa virou puxada de cabelo. A puxada virou murro “de mão fechada”. Um dia ele a espancou tanto que a deixou desmaiada, na beira da piscina. Teve até fratura exposta, num osso perto do pescoço.

- Dá tua mão. Passa aqui, perto do seio. Tá vendo? Cicatriz. Não ficou feia, mas é uma cicatriz... Aquele filho da puta!

Se encheu do marido engenheiro rico e bêbado, do pai negociante e da mestiça Belém. Deixou o pequeno Fabiano com a mãe e fugiu para o Sul. São Paulo e depois interior do Estado. Gosta daqui porque o clima é bom e tem muito estrangeiro.

- Gringo é bom. Paga bem, goza uma vez e dorme a noite toda. Não enche o saco. Americanos são mais complicados, pois querem fazer de tudo. Mas pagam em dólar. Japonês eu gosto: pinto pequeno, dólar e rapidez. Vira pro lado e dorme a noite toda. Mas o japonês original!

Todo mês manda uma boa quantia para o Fabiano. Não se arrepende e crê em Jesus Cristo. Está bem segura da própria vida e sorte, juntando bastante dinheiro. Este é o seu trabalho e pronto, sem crises morais. É prática.

- Todo mês vou ao meu ginecologista, que sabe que sou puta. Contei logo na primeira consulta. Só faço com camisinha e com lubrificante. Foi ele quem me ensinou: sem lubrificante a camisinha dá irritação e eu só agüento uns três clientes; com o lubrificante eu consigo com uns sete, oito...

- Oito por noite?

- É, tem dias que sim. Principalmente de sexta-feira. Saio do supletivo, passo numa lanchonete pra comer algo e já começo. A casa fica cheia, nem dá pra andar.

Lá em Belém sua família pensa que ela trabalha numa lanchonete. A separação está em andamento e ela já conseguiu que a casa do engenheiro fosse transferida para o nome do filho deles. Nem pensa em se apaixonar, pois homem é só pau e problema. E quer ser enfermeira para cuidar das pessoas.

- Gosto de cuidar dos outros, sou boa nisto.