Doce
(Foto de Alair Gomes)
Manhã de domingo, preguiçoso, devagar. Sono gostoso e um silêncio tão intenso. Vontade de não ver ninguém e nem de falar qualquer palavra ou som. Ouvindo Mozart.
Ontem fiquei até alta madrugada lendo. Terminei meu segundo Leminski e uma pequena novela do Wilson Bueno. Fiquei com vontade de beber um drinque, mas só tinha conhaque e um pouco de rum branco em casa. Saí e fui até um posto, destes com lojas de conveniência. Busquei uma garrafinha de água com gás. Em casa preparei duas doses de mojito cubano. Hortelã peguei na minha horta. Sem música, sem nada. Silêncio.
A cabeça estava cheia. Lotada das provas por corrigir, do prazo do mestrado, dos romances lidos. Cheia de cansaço, o que, nesta madruga, foi muito bom. Cansado não me permiti a nenhuma reflexão, marota ou infeliz. Silêncio, mexendo o drinque com o canudo e sem pensar em nada. Um doce vazio sem nenhuma culpa. Apenas eu.
De fato, estamos todos encerrados em nossas pequenas solidões. Sem exceções. E é da forma que lidamos com isto que nascem os encontros, os exílios, as paixões ou desencantos.
Atualmente não tenho muita paciência para multidões ou lugares lotados. Gosto mesmo é de entrar e sair dos lugares sem ser notado, invisível. Peço minha bebida e procuro uma mesa tranqüila, arejada e discreta. Um ou dois amigos numa conversa íntima, sem presa. Ou um bom livro, um petisco, uma noite fresca. Por vezes o turbilhão de vozes altas e distorcidas me assusta.
Engraçada esta vida. Sou professor e falo por horas seguidas. No entanto, tudo o que gostaria era de ensinar em silêncio. Os próprios textos que escrevo, ou para o blog, ou para a vida acadêmica, são, até certo ponto, falsos. Desejo dizer tudo o que penso e sinto em uma ou duas palavras. Nunca consigo e tampouco tento. Mas seria um êxtase encontrar a palavra certa, perfeita, utópica e bela. Repleta.
Até dos espelhos ando fugindo. Meio que cansei da minha cara, da barba por fazer, do nariz grande e dos cabelos confusos. Um rosto entediado e com pequenos traços de caos, como ensina o cotidiano.
Um pouquinho ali, uma fuga acolá: vou me arrastando até a hora de dormir.
Como bom neurótico, sou um homem de rituais. O ritual de despertar, mergulhado no mais profundo e fechado silêncio. O ritual do café, com as dez gotas de adoçante. O ritual de preparar uma bebida, ligar o computador e trabalhar na penumbra. Os rituais que me fazem existir, me levam, soando em seus ritmos.
De tempos em tempos me toca alguma lembrança. Quase sempre são mulheres. Uma tortura lembrar de cada corpo, dos bicos de seios, do veludo nos quadris. Tortura maior é recordar de todas as viagens, tardes e descansos que prometemos um ao outro e que nunca aconteceram. Nunca mais.
Um gole. Espumante italiano em promoção. Sem pedantismo, aumento o volume de Mozart. Esticado na cama, não quero mais ler. Nada na cabeça – só o som. Sem pedantismo: esqueço que estou vivo apenas para deixar a música destravar a alma, esticando os nervos, tinindo nos ouvidos.
Silêncio.
1 Comments:
"De fato, estamos todos encerrados em nossas pequenas solidões. Sem exceções. E é da forma que lidamos com isto que nascem os encontros, os exílios, as paixões ou desencantos."
POis foi um encontro bem bacana você lá no Dufas. Apareça sempre - e se possível, deixe rastros.
beijo
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