Dois passos do Paraíso
Um calor infernal e fico escrevendo de cuecas, com o quarto fechado, no escuro. Não que precise deste ambiente para trabalhar; na verdade, já estou acostumado com meu quarto fechado, abafado e entulhado de livros e papéis inúteis.
Gosto de pensar na minha próxima casa ou apartamento, enfim. Sei que quando arrumar um canto, novamente, vou tentar livrar o quarto de tantas quinquilharias. Só a cama, uma mesinha e um rádio. Só. Com tanta coisa pendurada nas paredes, arrumadas nas estantes, jogadas no chão e apontadas na escrivaninha, raramente consigo dormir bem. Estou sempre pensando nelas, nas palavras, coisa que, muitas vezes, me assusta.
Estava quente e decidi abrir a porta. A casa silenciosa pedia Debussy, bem baixinho. Escrevendo, com uma almofada entre as costas e a cadeira, premeditando a crise noturna. Tudo muito bom, isolado do mundo, esquecido, ali, escrevendo e derretendo, longe das preocupações e concentrado. A barba crescendo.
Despertei com uma discussão. Meus vizinhos vivem tornando suas querelas públicas, berrando e me obrigando a participar daquilo tudo. Pelo tom das vozes notei que era um quebra-pau entre pai e filha. Não posso afirmar, mas era.
O pai é um sujeito estranho. Na verdade, quero escrever a coisa exata: um sujeito escroto. Vive gritando e reclamando, um merda barrigudo e careca que me parece ser a infelicidade concreta. Sua mulher e ele fazem bem o estilo de casal capa da CARAS, freqüentadores de reuniões destas sociedades e confrarias da elite brasileira branca, destas com nomes estúpidos em inglês. Membro da maçonaria, com certeza. Vejo, apenas observando o casal, o quanto eles devem ser desgraçados na intimidade. Maridão que traí a mulher, mulher que participa do bazar beneficente de Natal. E, quem sabe, Miami no final do ano.
A filha. Esta eu observo bem. Uma gostosa, morena, alta, cabelos lisos castanhos, compridos mesmo. Seios grandes e bunda dura, magra, gostosa demais. Sempre que a vejo está usando top, calça jeans colada ao corpo (o que demonstra o tamanho e volume de suas pernas e coxas) e óculos escuros. Sempre de óculos escuros. Por um adesivo colado no vidro traseiro de seu carro, creio que estuda odontologia numa faculdade que nunca ouvi falar. Uma beleza. De tempos em tempos a vejo com seu namorado, um tipinho playboy musculoso, também com óculos escuros, dando uns malhos em frente ao seu portão. Deve ser fantástico e excitante assistir aos dois trepando. Tenho certeza que isto é bem melhor do que uma conversa com eles.
Nem sei por qual motivo pai e filha estavam discutindo, raramente presto atenção em situações que considero tolices. Tenho um ouvido seletivo. De qualquer forma, a agitação vizinha estava me enchendo o saco, a menina gritando e o pai bufando. Achei tudo aquilo uma fotografia da nossa trágica existência ou, sendo otimista, uma piada da melancolia burguesa. De cuecas, sofrendo com o calor, ouvia pai e filha discutindo sem prestar atenção em qualquer palavra. Era a aguda voz irritante e exageradamente alta que mais me irritava.
Depois de cinco ou seis minutos escuto o estrondo de uma porta batendo, forte. Acabou o bate-boca e voltei e ouvir, cristalino, o som baixo de Debussy. Ótimo. Busquei café e fiquei pensando, imaginando, o que aconteceria se, no meio da discussão, eu gritasse algumas palavras de ordem. Nada comedido como “Vocês são parentes, parem com isto”. Gostaria de berrar, tal qual um doido humilhado e desacreditado, coisas como “Parem com esta merda toda, pois eu não consigo me masturbar” ou “Calem a boca e vamos mergulhar todos no silêncio saudável da nossa ignorância”. Fiquei assim durante um bom tempo, só imaginando frases que eu gritaria, de cuecas e com os calcanhares devorados por pernilongos.
Seria, de fato, engraçado.
Gosto de pensar na minha próxima casa ou apartamento, enfim. Sei que quando arrumar um canto, novamente, vou tentar livrar o quarto de tantas quinquilharias. Só a cama, uma mesinha e um rádio. Só. Com tanta coisa pendurada nas paredes, arrumadas nas estantes, jogadas no chão e apontadas na escrivaninha, raramente consigo dormir bem. Estou sempre pensando nelas, nas palavras, coisa que, muitas vezes, me assusta.
Estava quente e decidi abrir a porta. A casa silenciosa pedia Debussy, bem baixinho. Escrevendo, com uma almofada entre as costas e a cadeira, premeditando a crise noturna. Tudo muito bom, isolado do mundo, esquecido, ali, escrevendo e derretendo, longe das preocupações e concentrado. A barba crescendo.
Despertei com uma discussão. Meus vizinhos vivem tornando suas querelas públicas, berrando e me obrigando a participar daquilo tudo. Pelo tom das vozes notei que era um quebra-pau entre pai e filha. Não posso afirmar, mas era.
O pai é um sujeito estranho. Na verdade, quero escrever a coisa exata: um sujeito escroto. Vive gritando e reclamando, um merda barrigudo e careca que me parece ser a infelicidade concreta. Sua mulher e ele fazem bem o estilo de casal capa da CARAS, freqüentadores de reuniões destas sociedades e confrarias da elite brasileira branca, destas com nomes estúpidos em inglês. Membro da maçonaria, com certeza. Vejo, apenas observando o casal, o quanto eles devem ser desgraçados na intimidade. Maridão que traí a mulher, mulher que participa do bazar beneficente de Natal. E, quem sabe, Miami no final do ano.
A filha. Esta eu observo bem. Uma gostosa, morena, alta, cabelos lisos castanhos, compridos mesmo. Seios grandes e bunda dura, magra, gostosa demais. Sempre que a vejo está usando top, calça jeans colada ao corpo (o que demonstra o tamanho e volume de suas pernas e coxas) e óculos escuros. Sempre de óculos escuros. Por um adesivo colado no vidro traseiro de seu carro, creio que estuda odontologia numa faculdade que nunca ouvi falar. Uma beleza. De tempos em tempos a vejo com seu namorado, um tipinho playboy musculoso, também com óculos escuros, dando uns malhos em frente ao seu portão. Deve ser fantástico e excitante assistir aos dois trepando. Tenho certeza que isto é bem melhor do que uma conversa com eles.
Nem sei por qual motivo pai e filha estavam discutindo, raramente presto atenção em situações que considero tolices. Tenho um ouvido seletivo. De qualquer forma, a agitação vizinha estava me enchendo o saco, a menina gritando e o pai bufando. Achei tudo aquilo uma fotografia da nossa trágica existência ou, sendo otimista, uma piada da melancolia burguesa. De cuecas, sofrendo com o calor, ouvia pai e filha discutindo sem prestar atenção em qualquer palavra. Era a aguda voz irritante e exageradamente alta que mais me irritava.
Depois de cinco ou seis minutos escuto o estrondo de uma porta batendo, forte. Acabou o bate-boca e voltei e ouvir, cristalino, o som baixo de Debussy. Ótimo. Busquei café e fiquei pensando, imaginando, o que aconteceria se, no meio da discussão, eu gritasse algumas palavras de ordem. Nada comedido como “Vocês são parentes, parem com isto”. Gostaria de berrar, tal qual um doido humilhado e desacreditado, coisas como “Parem com esta merda toda, pois eu não consigo me masturbar” ou “Calem a boca e vamos mergulhar todos no silêncio saudável da nossa ignorância”. Fiquei assim durante um bom tempo, só imaginando frases que eu gritaria, de cuecas e com os calcanhares devorados por pernilongos.
Seria, de fato, engraçado.
4 Comments:
Agora lembrei: também seria engraçado começar a recitar, bem alto, o Apocalipse de São João. Em grego!
e se eu te disser q comprei aquele CD por 9,90, vc acredita? pois é!
post ótemo, adorei. besitos!
Meus vizinhos também gritam. Muito. Uma mãe e (mais de) um filho adolescente. Acho que existe um marido, mas nunca (ou)vi. Como sou meio metida a pheeena, acho que fiquei com vontade de gritar a frase número um (Vocês são parentes, parem com isso!), mas a vontade maior era de contratar alguém mais barraqueiro para mandar uns xingamentos de verdade. hahahaha! A vida no edifício, é difícil.
Muito bem!
Adorei seus textos e a forma como você desenrola uma história, sem contar na identificação com o quarto e a "próxima casa", rs. Parece-me uma figura interessante.
Orlando Flexa
orlando.flexa@gmail.com
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