sexta-feira, julho 09, 2004

ANIMAL TROPICAL

Às vezes queria me retirar para um mosteiro e me afastar de tudo, mas sei que também não agüentaria tanta solidão. O passado, o presente e o futuro me esmagam. Tento controlar um pouco, mas é inútil. Nunca controlo nada. E continuo desenfreado e angustiado. Principalmente de noite. Corto as cabeças da hidra, mas surgem novas cabeças. Ao que parece, não há solução. Enfim, igual a todo mundo, tenho uma longa lista de conflitos, problemas, ódios, traumas e dores de cabeça de todo tipo. Tento esquecer e viver na pureza, mas não consigo. No fundo não quero. Viver feliz é uma ingenuidade. Às vezes, compreendo que vou arrastar isto tudo para sempre. São como tatuagens que se faz lá dentro e não se pode apagar. Ali estão para sempre. Fui respirando fundo e acho que afinal dormi de novo.
ANIMAL TROPICAL
pedro juan gutiérrez



A noite foi ruim, como eu esperava. Despertava afoito, pensando nos beijos que ela estava dando, e me concentrava em dormir novamente. Próximo das quatro levantei num pulo, assombrado por algum pensamento ruim que não me recordo, e corri para o banheiro. Vomitei bastante, até sair bílis esverdeada e amarga. Estava péssimo e exausto, fugindo do reflexo no espelho e buscando água, muita água. Pensei em tomar um longo banho, mas não encontrei vontade. Deitei no sofá da sala e liguei a TV. Adormeci.

Quando minha mãe chegou, eu já estava acordado e refeito do tombo, com a cara lavada e café pronto. Questionou-me quando eu tiraria as grossas costeletas que estou cultivando, pois ela enxergava neste visual uma figura pouco convidativa e social. Não respondi, mas entendi ser este o meu objetivo, obscuro e estranho. E nada de papo!

Almocei preguiçosamente e abri uma lata de cerveja, esquecendo do estômago em rebelião. Não conseguia deixar a cabeça em branco e ficava pensando em todas as mulheres que me apaixonei e em como isto acabou mal. Fiquei revoltado com o que estava acontecendo, não pelas mulheres, mas sim pela solidão filha da puta que eu me encontrava. Tinha muita vontade de chorar, mas não conseguia, sem saber se era orgulho, medo, pudor ou descrença. Com raiva senti meu rosto corar e comecei a ficar afoito. Corri para o quintal, apanhei umas bananas no caminho e fiquei sentado na grama, comendo sem sentir o gosto das frutas.

No meio da tarde saí para me encontrar com os rapazes que tocam comigo numa banda. Estamos com uma apresentação marcada para a próxima semana e nos reunimos hoje, discutindo repertório e organização do evento. Foi bacana. Abracei um amigo querido que foi promovido e aquilo me alegrou bastante.

Agora estou ouvindo Caetano cantando em espanhol. Impressionante como uma pessoa tão chata consegue fazer um disco tão bom! Caíram algumas lágrimas, poucas e pequeninas, envergonhadas. Café e uma dose de conhaque, mais Caetano, mais melancolia. Tocou o telefone e combino de ir ao cinema assistir um filme. Qualquer coisa. Preciso sair de casa.