terça-feira, janeiro 17, 2006

Sol (eu pensando em botequins)



Rádio Cultura FM pela internet. Todo dia, plugado, horas e horas enquanto trabalho. Agora está tocando uma obra do Ravel, a sua última. Não a conhecia. Tem um pé no jazz, o que me agrada muito. Quem sabe um dia eu consiga arrumar um bom tempo para ler a meia dúzia de livros sobre música erudita que eu colecionei, estudando um pouco mais o gênero. Sim, pois música erudita exige dedicação, sem pedantismo.

Ainda estou chateado por não ter conseguido uma vaga de professor num colégio de uma cidade vizinha, também do sertão. Preparei com cuidado a aula e fui seguro. Sai de lá mais confiante ainda. De qualquer forma, preciso me mexer, pois já estamos entrando em Fevereiro e só consegui trabalho nas manhãs de Segunda.

É complicada esta vida de professor da rede particular, ainda mais no começo de carreira (e olha que eu não estou tão no começo assim). Estava fazendo umas contas ontem, e só nas entrevistas de Sampa eu gastei R$240,00! Isto só para ir quatro vezes até a capital conversar com possíveis patrões. E até agora nem um e-mail ou telefone de consideração, avisando que não cai nas graças do coordenador porque tenho nariz grande e bafo de café.

Irritante é ver pessoas sem a menor qualificação ocupando cargos de direção, escolhendo docentes, planejando projetos pedagógicos. E isto existe muito, em quase todas as escolas de porte pequeno e médio. Enfim, estou esperando, enviando currículos, fazendo contatos e, como fez o Pedro Pedreiro do Chico, esperando.

Enquanto isso...

Música, judaísmo e antropologia. Calor também. Incrível como consigo, mesmo nesse Sol de Saara, continuar consumindo meus litros diários de café. Agora mesmo, quente e cheiroso, com goladas generosas enquanto encharco a camisa de suor. Camisa nada! Estou com meu uniforme de trabalho: shorts e chinelas!

Como podemos levar isto em consideração? Nem mesmo panca de intelectual consigo ter. Vamos lá, num exercício simples de imaginação: o especialista em história antiga, com sua camisa branca, em seu gabinete abarrotado de livros, lendo em francês, em grego, em alemão. Sai de seu escritório, coloca seu paletó, atravessa a rua, e se dirige até o café mais próximo para bebericar alguma coisa enquanto pensa em problemas de filologia.

Aqui não há gabinete e nem leituras em alemão. Na maior parte do tempo estou de cuecas com um ventilador MADE IN CHINA nas costas, aparelho que quando ligo parece que vai decolar de tanto barulho que faz. Calcanhar devorado por mosquitos, pensando na dengue e limpando minha imagem de São Sebastião. O santo do dorso nu. Calor. Ao menos escuto Ravel e, agora como acabou de anunciar o locutor, Vivaldi. Esta peça eu já conheço.

Brasil é o meu país. Óbvio. Amo e odeio este lugar. Amo por ser tão complexo, plural, colorido e imagético, um país cheio de possibilidades e análises. Odeio por não conseguir um emprego decente e ter que viver atolado em misérias até os joelhos. Foda. Existem dias que eu nem consigo comer, nem consigo dormir. Não sei.

Não sei. Não sei. Não sei.