segunda-feira, fevereiro 06, 2006

Carro de Boi

(Havana, Ernesto Bazan)


Whisky no final da noite. Pedras de gelo.

Nora Ney cantando Antônio Maria. Antes estava, estatelado na cama, cantarolando João Pacífico. Músicas baixinhas, lendo um pouco de literatura com muita preguiça, mas sem sono. Até o carnaval vou me arrastando, deixado o corpo descansar e as idéias se acalmarem, sem pressa. Depois penso em escrever um ou dois artigos (que vou tirar do texto da dissertação) e planejar um congresso. Doutorado, se vier, só no final deste ano.

Pego o carro e vou dirigindo pelo sertão. Agora, como trabalho em outra cidade e estou visitando faculdades da região, passo um bom tempo na estrada. Vou escutando Luiz Gonzaga. Boldrin, Cartola, Chico Buarque e Jamelão. Elis também, sempre bom. Deixo por lá uma garrafa com água e um cantil, destes metálicos de bolso, para o whisky. Ganhei de aniversário de um amigo.

Gosto das cidades pequenas, com suas ruas estreitas e pessoas envelhecendo nas praças centrais. Praças com coretos. Gente passando de bicicleta, sorveterias de esquinas, velhos usando chapéus. Bom é estacionar numa rua tranqüila e caminhar algumas quadras, procurando um lugar para beber um café. Café no coador, servido em pequenos copos de vidro.

Bom é encontrar um acanhado restaurante, quase escondido entre as casas, onde se serve comida caseira e pastéis de carne. Salada e pimenta. Depois alargo a calça e fico olhando fixo para algum ponto, mas sem nenhuma atenção. Sono e um sentimento largo de desprendimento para com as coisas do mundo, quase que uma vontade de esquecer, partir, sumir. Pena que fumar me faz tanto mal...

Acelero. Vou ouvindo o saxofone perfeito do Meirelles. Samba-Jazz. Calor, mesmo com as janelas abertas e o vento forte, vou dirigindo até minha casa. Desta vez vou devagar. Hoje quero ficar na estrada e ir até a outra cidade e depois outra, e outra, e outra, e outra...

Sozinho. Por vezes eu falo sozinho.

Lembro da conta no banco e das dívidas que insistem em preservar seus vencimentos. Não tenho dinheiro para a gasolina, para os pedágios, o café. Um pouco de realidade e desligo o som; dirijo o resto do caminho em silêncio.

Penso. Gostaria de ser diferente. Se tivesse um bom dinheiro estaria agora dirigindo até Porto Alegre ou Belém, Garrafa d’água e o saxofone do Meirelles. Talvez eu mude pra São Paulo, talvez eu adote Cordeirópolis. Talvez eu suma do mapa.

Talvez.