sexta-feira, agosto 13, 2004

Bye Bye Velho do Restelo

Eu tô grávida
Esperando um furacão
Um fio de cabelo
Uma bolha de sabão
E vou parir
Sobre a cidade
Quando a noite contrair
E quando o sol dilatar
Vou dar a luz

grávida
marina lima e arnaldo antunes

Por obra do novíssimo acaso contemporâneo chamado orkut, encontrei um velho camarada com quem não conversava fazia anos. Ele colocou em sua pasta de fotos imagens de amigos que também perdi o contato, a intimidade e a cumplicidade. Imagens novas, deste ano. Assustei. Como todos envelheceram.

Na semana passada, andando pelas ruas do exílio, cruzei com uma amiga sincera que eu também não via há tempos, coisa de anos. Depois da confraternização e da alegria do encontro, travamos um diálogo mais próximo e nos entregamos aos fatos curiosos de nossa existência isolada. Ela contou muita coisa e fiquei constrangido por não conseguir falar muito, mas estava confortado de ter encontrado com ela naquela tarde. Com o privilégio dos antigos amigos, ela disparou sem pudores que eu estava muito mudado, que tinha envelhecido. Não fez isto por mal, notou os cabelos rareando, os óculos, a barriga e o olhar embaçado. Uma amiga sincera disparou e eu sorri.

Passei a semana toda escrevendo e lendo. Voltei a pegar um bom ritmo de trabalho e me divertir com Flávio Josefo, o que é uma boa notícia. Agora em Setembro minha bolsa de pesquisa acaba, tenho minha banca de Qualificação e um congresso na Unicamp. Tenho também que entregar um relatório acadêmico! Mas não estou afoito ou preocupado, pois estou confiante e seguro em minha profissão. É claro que ficar sem dinheiro e ter que trabalhar bastante não deixa ninguém contente ou relaxado, mas procuro acreditar que me encontro no final de um processo, no final de uma gestação. E sei que vou parir algo bacana pra mim!

Vou começar a dar umas aulas de Geopolítica em um cursinho aqui do exílio. Uma vez por semana. Pouquíssimo dinheiro e mais trabalho, mas estou feliz, pois sei que preciso dormir menos. Começo com a crise entre os Estados de Israel e da Palestina, aproveitando leituras do mestrado. Será bom retornar ao tablado das salas de aulas e reassumir minhas vestes cerimoniais de professor.

Com o tempo passando já não sinto tanta falta de muita gente por quem eu nutria admiração e que hoje evito. Sempre tive muito medo de ficar sozinho e de não conseguir conhecer novas pessoas, exatamente o estado engessado que mergulhei nos últimos meses. Só que hoje consigo sentir que permaneci na minha integridade, assentando minhas desilusões no meu próprio universo. E num espelho tremendo, eu que faço uma crítica aos estudos da alteridade como definidora da identidade, encontrei-me em mim, sem referencias externas, sem grandes traumas ou perdas. De fato consegui entender que sou o protagonista desta vida, gostando ou não disto. A idéia da gestação reaparece e namoro com ela: algo vai nascer das minhas intimidades com força para iluminar a cidade.

Com o tempo deixo o exílio, os grilhões, os fantasmas e a miséria dos sonhos. Já é tempo da cabeça fartar-se desta mesmice para deixar o Velho do Restelo, o copo de cicuta e a censura covarde. E cruzar o mar português, o galope do cavalo de São Jorge, a festa de um carnaval e a loucura excitante do golaço no Pacaembu.