quinta-feira, agosto 05, 2004

Lost in Translation

Silenciosamente voam os pássaros
Inteiramente através de nós. Eu que quero crescer
Olho para fora, e é em mim que a árvore cresce.
rainer-maria rilke


Tinha preparado um texto complicado e cansativo. Queria dizer coisas simples, mas acabei me atrapalhando bastante. Vou tentar fazer isto de uma forma mais natural, mais crua, despida e violenta.

Estou terminando minha pesquisa. Faz tanto tempo que estou encerrado neste tema... acho que desde 1999! Em dezembro defendo minha dissertação e recebo um título. Vou dedicar e oferecer cada linha aos meus pais, parceiros e protetores que sempre me aliviaram de preocupações, apoiando meu trabalho mesmo sem entender realmente o que faço. Só por conseguir dar este prêmio para os dois já fico muito emocionado e feliz. Bom, estou terminando um estudo longo que me transformou em outra pessoa, assim como também modificou minha forma de ver o mundo, processo cansativo e desgastante. O resultado final não está bom e sei que poderia ter feito algo melhor. Escrevo mal, leio mal e falo mal, apesar do esforço.

A grande contribuição que este trabalho me deixou é muito simples e óbvia, mas eu a considero bastante importante e reflexiva. Aprendi e entendi que estou definitivamente sozinho, independente das situações. Não é nada de original, eu sei. Já em 1997, mudando para São Paulo, comecei a desconfiar daquela aglomerada solidão, incomodado como aquilo era possível. De lá para cá aconteceram muitos encontros e desencontros, coisas incríveis, tristes e loucas. Amadureci nas cacetadas, apreendendo mais a realidade, o corpo e a cabeça. De fato estou sozinho e não estou pensando no amor romântico ou na amizade saborosa, quero ir mais além, forçando até onde agüentar a consciência.

Esta idéia de solidão única e pessoal pode apavorar, aprisionar ou descortinar uma nova visão das coisas. No momento esta certeza me coloca um certo conforto, pois dá um parâmetro, e estou mais leve em relação aos compromissos para com o mundo e com as pessoas. Talvez não me importe tanto com o que os outros pensam das minhas idéias. Talvez reconheça mais a dimensão das minhas limitações. Talvez eu tenha desacreditado todas as ilusões, me esquecendo de sonhar. O certo é que prefiro permanecer nesta posição relativa, sem afirmar nada que não seja sombra da solidão.

Acredito que este é um dos motivos que me desencoraja escrever sobre os outros. Penso que os sentimentos alheios são tão confusos e traiçoeiros... Não quero assumir novas responsabilidades. Tenho é vontade de escrever e pensar sobre meus passos, minha cabeça, minhas idéias pequeninas. Se alimento uma percepção egoísta não desejo refletir, mas sei que esta investigação íntima me é necessária. Quem sabe descubro um cara bacana?

Os quatro pontos cardeais aparentemente sumiram. Tenho muito sono, mas tenho dormido pouco. Olho minha estante colorida pelas capas dos livros e me sinto bem, desafiado por tantos autores que ainda podem ser meus. Ouço com atenção música psicodélica, Geraldo Filme e Mozart. Tudo muito gostoso. No fundo sei que não estou feliz e que falta pouco para eu esmorecer e desabar, mas gosto de lembrar da força que me orienta. E tomo banhos demorados. E canto um samba do Adoniran. E tranco todas as portas da casa. E preparo panquecas doces.

Segue a vida.