domingo, julho 18, 2004

Baladas sangrentas, catarro e o meu velho cachecol

Não quero ver mais esta gente feia
Não quero ver mais os ignorantes

pobre paulista, ira!


Odeio acordar depois do meio-dia, mas hoje eu só despertei quando o relógio marcou 14:30. É, realmente eu estava precisando dormir. Meu corpo todo doía e estava com uma preguiça violenta, tendo que fazer muita força para esticar o braço e apanhar o controle remoto. Liguei a TV e, ainda com os olhos fechados, reconheci a voz podre o roqueiro gaúcho Wander Wildner. Ele estava em algum programa da MTV cantando uma música nova chamada Eu não consigo ser alegre o tempo inteiro. Adorei este despertar tosco, com uma voz tão rouca quanto a minha na noite passada. Adorei a música tão imperfeita e subjetiva, exatamente como minha vida. Desisti de buscar café e fiquei curtindo uma fossa matinal.

Ontem aconteceu tanta coisa, natural eu estar exausto. Quando volto de São Paulo desembargo arrebentado, sem ação e, como não, um pouco desorientado. Estava com umas horas de sono perdidas, andando igual zumbi, bocejando com gosto. E uma gripe mal curada estava fazendo festa, deixando minha voz grave e fanhosa, horrível se você é vocalista de uma banda. E eu sou.

Não consegui dormir antes do show. Não era excitação ou nervosismo, mas sim o telefone que não parava de tocar. Queria mesmo era entrar num bom botequim e ficar comendo porcarias por horas, dizendo algumas bobagens e encostar-se a um canto escuro para cochilar. Mas nesta noite eu tinha que melhorar o humor e a saúde para ser um rock star, cantando, rebolando e fazendo algumas caras de prazer e de maldade. Tinha que ser um rock star!

Antes de sair da casa tentei forçar uma limpeza no organismo, soltando um catarro tão pesado e consistente que fiquei com nojo de mim. Como aquilo saiu daqui? Depois caprichei no perfume, paletó surrado, calça bacana e meu velho cachecol. Estava pronto, charlatão, disfarçando bem meu cansaço e amargura.

No show tivemos de tudo. Refletindo bem, acho que foi nossa pior apresentação, mas gostei muito do resultado. Senti que contornamos bem os imprevistos, os erros individuais, o som mal regulado e o público estranho. Vocês conhecem aquele lance de química? Então, acredito que estamos funcionando bem, cinco rapazes trabalhando bem juntos. E os erros e deslizes contornados por confiança e, ao menos no meu caso, uma deliciosa cara-de-pau.

O público era, ao mesmo tempo, bizarro e estúpido. Talvez eu esteja mal acostumado, familiarizado com tipinhos urbanos marginais, contraditórios, imperfeitos, originais e sedutores. Talvez. A maioria dos homens e das mulheres que estava por lá era filho da tradicional aristocracia limeirense, figuras de uma mesmice e de um individualismo de assustar. Interessante observar a segurança deles, tão cheios de si, superiores, arrogantes, independente da situação, não vacilando mesmo quando estão atolados na mais fedorenta merda. Interessante também o uso que eles fazem dos narcóticos, álcool e sexo, numa busca frenética por um prazer imediato e rápido, tornando o próprio gozo uma experiência tão banal e desligada do coletivo, tão veloz, tão pequenina. Admiro a irresponsabilidade, mas não desvinculada de qualquer opinião, militância, paixão, doença ou contradição. Aquilo era de uma repetição tão pobre que eu fiquei tocado e entrei na introspecção, meu vício. Pensei muito sobre o futuro da minha cidade, no meu plano de fuga, num bom charuto cubano e na construção de barricadas e guerrilhas. É preciso resistir com toda a violência da minha barbárie!

Começou a apresentação e tentei cantar bem, mas estava difícil sem retorno de voz e com os arranhões da gripe. Tentei parecer sexy e agitar com postura de punk, afinal eu era o vocalista. Na terceira ou quarta música diminuí o ritmo, sentindo o efeito do sono atrasado e da coleção de remédios na cabeça. Alguns inimigos íntimos também estavam por lá, felizes, bêbados, beijando, soltando fumaça e cantando comigo. Prefiro ter rivais inteligentes a amigos estúpidos, e do palco eu consegui comprovar minha teoria. E com o som rolando pensava na figura estranha que sou, tão mesquinho e amoroso, tão reservado e exibicionista, contraditório na medula. Ali, berrando no microfone, entendi que eu não consigo ser alegre o tempo inteiro. Nem fingir. Cantando Ira! assumi minha imperfeição.

Quando o show terminou fugi, literalmente. Exausto e inseguro, pensava só no meu quarto abarrotado de livros e papéis, espalhados livremente pelo chão. À surdina fui embora, apoiando a cabeça no encosto do carro e cheirando minhas mãos. Meu cheiro, algo familiar! Em casa coloquei Nora Ney pra tocar. Vitamina C. Aspirinas. Chinelos. Baladas sangrentas, catarro e meu velho cachecol. Boa noite.

2 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Respondendo a sua pergunta , foi , sim , a pior apresentação da banda .
Como voce me conhece , sabe que eu falo . Talvez tenha sido a apresentaçao para o pior publico , no pior lugar , na pior hora , com o pior repertório para esse tipo de gente .

Digo isso pois já vi a banda tocar com alegria em outros locais e com um maior entusiasmo . Talvez o cansaco , as dores do mundo adulto , sejam elas economicas , sociais ou amorosas , abalam a banda no momento .

Talvez o erro nao tenha sido só o de voces . Eu mesmo , nao era eu . Ja fui um publico melhor para a banda .

Mas o tipo de lugar e o tipo de pessoas , nao combinam com a banda .

E a minha opiniao é que foi sim , a pior apresentacao da banda .

Justi

11:48 AM  
Blogger Gnomo said...

Eu não achei que foi uma má apresentação. Estava mais seguro na guitarra, escutei meus solos, a bateria, o baixo e, hora ou outra, a voz.
O público realmente não animava, estava mais interessado em chavecar e ser chavecado. Se eu estivesse no lugar deles, faria a mesma coisa. Oras, eles estavam lá para uma festa e não para uma apresentação de banda. E até me surpreenderam cantando as músicas do Barão, Ira! e Raul.
Enfim, não foi de todo mal.

6:37 PM  

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