quinta-feira, julho 29, 2004

Atrás de um Buda branco uma coleção de cachaças

Es evidente que Dios me concedió un destino oscuro. Ni siquiera cruel. Simplemente oscuro. Es evidente que me concedió una tregua. Al principio, me resistí a creer que eso pudiera ser la felicidad. Me resistí con todas mis fuerzas, después me di por vencido y lo creí. Pero no era la felicidad, era sólo una tregua. Ahora estoy otra vez metido en mi destino. Y es más oscuro que antes, mucho más.
la tregua, mario benedetti 

 
Meu quarto está empoeirado e abarrotado de papéis e livros. Não sei mais onde acumular palavras! Olho minha mesa, minha estante e o chão de pedra, todos os espaços cobertos por pequenas páginas destacadas, anotações, cartas, cobranças e recibos. Não encontro vontade para organizar tudo isto, embora faça uma faxina semanal. Mas parece que esta bagunça já recebeu vontade própria, muito mais valente que a minha, sendo eu um mero figurante no meio disto tudo. Acho engraçado observar como as coisas se encontram misturadas, ao acaso, com moedas acumuladas na caneca de café, correspondência da FAPESP apoiada em fotos antigas e minha pequena imagem de São Jorge guerreiro sufocada por cinco garrafinhas de água vazias. Atrás de um Buda branco uma coleção de cachaças, cadernos usados, letras de músicas e cartas que eu escrevi e que nunca enviei. Devo ter uma dúzia delas, com envelope e endereço.

Hoje foi difícil trabalhar e me concentrar nas leituras acadêmicas. Estou muito cansado de vasculhar historiografias, mas também não quero começar com a redação. Prefiro dar um tempo do meu texto, ponderando meus muitos erros e, talvez por isto mesmo, adiando a ação de escrever. Rabisco umas observações e tento esquecer quem sou quando leio, roubando a alma do autor, o trabalho, a pesquisa, o estilo. Quase um vampiro.

Nesta tarde tive dúvidas sobre minha vocação e o rumo que estou colocando em minha vida. É bastante óbvio que não estou feliz, mas também não posso dizer que sou um desgraçado. Nada disto é verdade. Creio que estou entediado o bastante para fritar os miolos e ficar ainda mais antipático. O fato é que voltei a desejar ser outra pessoa, mais sensual, mais esperto, mais social. Queria também ganhar dinheiro!

No final da tarde saí para caminhar e despachar novos currículos. Comprei um saco de pipocas e uma garrafa d’água, sentei num banco de praça e fiquei um tempo sozinho sem pensar em nada. Muito bom. Estiquei bem os braços acolhendo a preguiça e tive vontade de comer mais alguma coisa salgada. Abandonei a praça e voltei para casa, respirando fundo e cantarolando baixinho uns sambas carinhosos. Fiquei mais disposto e pensei em sair para assistir um filme, mas acabei desistindo. Nenhum filme bacana no cinema e muito frio.

Encontrei um cd de música instrumental indiana, com longos solos de cítara, e coloquei pra tocar. Li um pouco de literatura esparramado no colchão e esqueci do mundo. Só me mexi para mudar de roupas, buscando coisas mais quentes e confortáveis. Aproveitei a oportunidade e fiquei me medindo no reflexo do espelho do armário. Meus olhos estão vermelhos e os cabelos caindo. Estou muito branco. Rio quando me vejo nu.