Da difícil arte de esquecer felicidade
Neste apartamento, sem ninguém, só eu não serei estranho,
só eu encontro companhia, pois em suas formas continentes
tenho vivido.
As cousas me conhecem, me olham, me recebem, me aconchegam
principalmente quando estamos inteiramente a sós
porque então nada lhes tolhe a infinita timidez.
J.G. de Araújo Jorge
Um koan budista diz: “O mestre segura a cabeça do discípulo debaixo da água, durante muito, muito tempo; pouco a pouco as bolhas começam a se rarefazer; no último momento, o mestre tira o discípulo, reanima-o: quando você desejar a verdade como desejou o ar, então saberá o que ela é”.
A ausência do outro segura minha cabeça debaixo da água; pouco a pouco, sufoco, meu ar se rarefaz: é por essa asfixia que reconstituo minha “verdade” e preparo o Intratável do amor.
Fragmentos de um discurso amoroso
Roland Barthes
só eu encontro companhia, pois em suas formas continentes
tenho vivido.
As cousas me conhecem, me olham, me recebem, me aconchegam
principalmente quando estamos inteiramente a sós
porque então nada lhes tolhe a infinita timidez.
J.G. de Araújo Jorge
Um koan budista diz: “O mestre segura a cabeça do discípulo debaixo da água, durante muito, muito tempo; pouco a pouco as bolhas começam a se rarefazer; no último momento, o mestre tira o discípulo, reanima-o: quando você desejar a verdade como desejou o ar, então saberá o que ela é”.
A ausência do outro segura minha cabeça debaixo da água; pouco a pouco, sufoco, meu ar se rarefaz: é por essa asfixia que reconstituo minha “verdade” e preparo o Intratável do amor.
Fragmentos de um discurso amoroso
Roland Barthes
Cada dia, em cada amanhecer, o mesmo gosto: ausência. Não sei mais quanto tempo, quanta espera, quantas bebidas. Quanta angústia revela a sua ausência.
Ausência sentida. Ausência morena.
Aos poucos vou indo, passo por passo, na difícil arte de esquecer felicidade. Com um pouco de habilidade, no cálice diário de vinho tinto, não sirvo mais em duas taças. E a cama, nos lençóis preguiçosos, não segura mais seu cheiro. Não encontro seus cabelos perdidos.
Música baixa, dirigindo de um inferninho ao outro, procurando companhia. Incrível como uma mulher consegue buscar para si todos os rostos do mundo. Assim todas elas, empregadas, professoras, comissárias de bordo, garçonetes, putas e anestesistas, todas elas estão com seus olhos lindos.
Dirigindo até o Sol nascer.
Uma hábil arte, de abraçar travesseiros, assistir filmes e pagar as contas sorrindo. Salada de alface e literatura erótica. Velas pra São Jorge, rock gaúcho, esfiha de queijo. Não vou telefonar, mas olho sempre o celular. Desligado.
Arte de sair de casa, vestindo um traje bacana, para encontrar com bons amigos. Daí a gente beija garrafas até esquecer de toda vergonha, ficando livre novamente. Livre para olhar pro lado, comentar de alguma bunda, apoiar os cotovelos na mesa até cair, exausto.
Exausto da ausência.
Esquecer felicidade exige paciência e compaixão. Compaixão ao seu próprio peito, sua história, seu futuro. Quieto pra sentir uma dor suportável, mas que sangra, lateja, pulsa, inflama.
E cicatriza.
2 Comments:
Gostei muito desse texto. "Exausto de ausência".
E concordo muito com você, esquecer felicidade é complicado. Acho que no fundo, a gente não esquece felicidade. E esquecer o que é bom me parece meio cruel. Senão, o que fica?
Mas cicatriza sim. Esse texto me fez lembrar um tempo... Que passou. Não para o esquecimento. Mas deixou de doer. Acho que foi no momento em que o que não era só felicidade o que vinha para a superfície. Enfim... Escrevi demais.
Um beijo
Post novo! Post novo!hehehehe
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