segunda-feira, outubro 04, 2004

Décadence no paraíso

Mi unicornio azul
Ayer se me perdió
Y puede parecer
Acaso una obsesión
Pero no tengo más
Que un unicornio azul
Y aunque tuviera dos
Yo sólo quiero aquel
Cualquier información
La pagaré
Mi unicornio azul
Se me ha perdido ayer
Se fue
Unicornio
silvio rodrigues
(Da célebre série "Foi a Noite")
Samba decadente, marcado apenas pelo mugir do surdo, estalando seu couro seco esticado pelas tarraxas prateadas. Marcação forte, no ritmo, mas o samba é decadente assim mesmo, é interior, é vontade de chorar, é quarta-feira de Cinzas.

Tem horas que eu fecho os olhos e me assusto com a escuridão. Acabou-se o samba, a brisa, o luar do sertão, a aguardente de cana do Ceará. Nem exílio, nem jornada, poder ou migração. Tudo o que tento fazer ou dizer só revela o quanto estou distante de mim, o quanto me perdi, me traí, me esqueci. Tanto que não sei mais como voltar.

(E o batuque segue ritmado, mas decadente. O samba foi embora e agora o que temos é uma espécie de transe, de catarse que paralisa e congela. Ninguém canta, dança ou pensa: é só ritmo!)

Fui atingido por uma barbárie gigantesca e assustadora. A cada dia me transformo mais em uma espécie de animal tropical, balbuciando as frases e esquecendo como se chora. Uma brutalidade nos toques, falta de libido e muito sono. Moralmente falido e sem a menor preocupação com alguma coerência discursiva. Acabou-se o tempo que ainda insiste em passar.

É impossível continuar assim. Dou-me conta que não lembro de mais nenhum número de telefone, que esqueci de todos os rostos familiares e que não sei mais assobiar nenhuma canção. Dou-me conta que fui devorado pela ignorância e pelo medo, fugindo os sonhos e as cores, promessas e desejos, sedução e compaixão. Furtei-me de meu próprio corpo preferindo não ser notado pelas mulheres, pelos homens, crianças, jovens e santos.

Apenas sei que minha cabeça vai desabar nalgum canto e que vou, novamente, esquecer de mim. Vou dormir com a volúpia de uma grande conquista, rendendo minha insegurança e meu fracasso. Vou dormir e libertar dos grilhões um animal lascivo que rosna afinado, mastiga flores e exala seu gozo como um cão no cio. Vou dormir e esquentar uma felicidade estranha ao mundo capaz de redimir toda a minha bestial figura, tocando as retinas, o ventre, os pêlos, as dores e os momentos em que eu desejo esquecer.

Depois vou acordar e a marcação do surdo vai exigir que eu me levante. Aí, quem sabe, eu sambo.

1 Comments:

Blogger Bia said...

"Quem se atreve a me dizer
do que é feito o samba?"

The Gun, não sambe mais em vão!!!!!!!!!

6:33 PM  

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