quinta-feira, outubro 14, 2004

A vertigem no paraíso

Coroai-me de rosas,
coroai-me em verdades de rosas
rosas que se apagam
em fronte a apagar-se tão cedo!
Coroai-me de rosas e de folhas breves.
E basta.
Coroai-me de rosas!
fernando pessoa


Sou pouco mais que um bando de sonhos vencidos, que um coração falido e uma dúzia de boas recordações. Assusto-me em pensar que o tempo marcou minha face com sua espátula trêmula e com seus olhos cinzas, acabando por me tornar um produto não só do que fui, mas principalmente do que não consegui ser.

Nunca fui um bom amante, embora tenha carregado algumas paixões doces. Lembro que era tão fácil, tão simples e tão delicioso viver assim, como quando, em nossa infância, vamos passar uma tarde na praia ou num parque de diversões. Nada é mais importante do que estar ali, presente, vivendo sem pensar, sem ponderar, sem preocupar. E na vertigem do loop da montanha-russa eu esquecia dos pés fincados no chão e deixava-me voar, mesmo com medo, e corava o rosto, dilatava as veias, arrepiava os pêlos e gritava sem dizer nada além de emoção. Pura emoção. Vivi amor assim, com loop, vertigem, arrepio e dilatações. Restou o verbo conjugado no passado.

Tampouco fui um bom jogador de futebol, um bom crooner, aluno de Matemática, budista, estudante do grego, leitor de Saramago, motorista, sedutor, cronista, e militante de esquerda. E hoje penso nisto sem conseguir identificar muita coisa, escolha ou vergonha, opção ou frustração. Não sei bem o que deixei o tempo fazer comigo, não sei bem quem sou, quem escrevo, quem leio. Não sei dos meus sentidos, da minha saudade e dos meus carinhos. E novamente torno-me um fantasma de si mesmo, sem referências e consistência.

Mas quando posso volto ao parque, ao loop, ao mergulho da vertigem, turbilhão e aquarelas. Volto ao exato momento em que me deixei e abraço meu corpo, observando a beleza dos meus olhos, a cor dos meus cabelos e a serenidade que eu portava na respiração. Acabo com tanta saudade, com tanta renuncia e com este absurdo de apartar-me de mim, tornando a ter nome, história e descanso.