segunda-feira, janeiro 03, 2005

As Invasões Bárbaras

Escuta, eu não quero contar-te o meu desejo
Quero apenas contar-te a minha ternura
Ah se em troca de tanta felicidade que me dás
Eu te pudesse repor
- Eu soubesse repor -
No coração despedaçado
As mais puras alegrias de tua infância!
O Impossível Carinho
manuel bandeira
Um início e eu estremeço. Não tanto pelo começo, pois adoro abrir novos caminhos e amizades, mas, sobretudo, pelo final. E em 2004 tremi como bambu verde enfrentando os finais que a vida me colocou. Poucos finais.

Li muita coisa bonita em alguns blog’s que acompanho com apetite sobre o ano passado. Todos saudavam os dias anteriores e, como não, os próximos. Devo mesmo ser um cidadão combalido com alguma doença congênita na alma, pois não consigo ser tão paciente e complacente com meus próprios deslizes. De qualquer maneira, tirei o pé do acelerador e decidi ir com mais calma; eu não posso continuar vestindo a pele da besta para ser o meu lobo.

2004, o que dizer? Foram bons dias em família, com todo mundo saudável e procriando (sim, novamente estou ficando pra titio). Bons dias também na prateleira acadêmica, pois aprendi alguns truques e trejeitos na minha qualificação e nos congressos que participei: entendi que no balcão do mundo intelectual existe espaço para grandes e generosos pensadores (o que senti entre os professores que me aplicaram a sabatina no exame de qualificação) e para gênios pequenos e mesquinhos, especializados em estudar muito e cadastrar colegas como inimigos. Teve também as grandes alegrias experimentadas por amigos íntimos que casaram, encontraram novíssimos amores, conquistaram bons empregos, compraram carros e alugaram apartamentos. O pessoal está ficando velho, ou melhor, mais amadurecido. Assim, os banquetes oferecidos pela vida são bem mais caros e raros, mas em contrapartida são muito mais saborosos. Até aqui não há como negar: que delícia foi existir em cada um dos dias de 2004!

O incomodo aparece no fisgar das cicatrizes, arrependimentos e despedidas, afinal este também foi o ano das invasões bárbaras. E obviamente eu não falo do filme.

Uma pancada aqui, outra pirraça acolá: tanto tempo perdido! Não é pra lamentar e nem para oferecer uma genealogia dos meus desastres íntimos; vale apenas dizer que este foi o ano do cansaço, da ressaca, da vontade moribunda. Sem pódio de chegada e nem beijo de namorada. E solidão, medo, incapacidade, injúria, rouquidão e impaciência... Tantas palavras para dizer saudade.
Mas deixar estar, pois é agora que devo me vingar, e derramar sobre esta angústia a minha alegria retida - quase uma ira - a minha canção, o meu encantamento. E na ocupação desta barbárie vou instalar meu anarquismo tosco dos poemas mal lidos, das mulheres mal amadas e vida mal vivida. Delirar nos acontecimentos, anotar em meus livros e gritar “eu te amo” sem o peso de paixão mal resolvida. Daí a gente acerta os ponteiros e, com lágrimas e gargalhadas, volto aos textos de Nelson Rodrigues que eu nunca mais reli.