segunda-feira, março 21, 2005

América

Início de semana com os olhos no feriado. Não é muito bom trabalhar em um lugar que não lhe dá nenhum prazer além do pagamento. Se bem que o valor do meu salário não ajuda na empolgação também. De qualquer maneira, estou nessa só para pagar as contas e as cervejas do Domingo. Eu e a torcida do Flamengo...

O que tenho feito, sem mistérios, ainda é o mesmo. O mais do mesmo. Café agora é temperado com conhaque e cachaça, assim lá pelas seis da tarde estou levemente bêbado, rindo e relaxado com os papéis brancos e empoeirados, atacando minha rinite.

E a música, sim!

Consegui muitas novidades, quase todas elas da lavra eletrônica ou do jazz. Música boa pra trabalhar, sem lição moral, sem história de amor. Bom pra ficar cantarolando, assoviando, bem gostoso.

Ainda não terminei o texto da dissertação e estou atrasado. Dá nos nervos, entende? Daí eu chego na escola e só sei gargalhar olhando para meus alunos desinteressados na política de Robespierre ou no cisma das doze tribos de Israel. Ao menos ganhei a respeitável habilidade de devorar obras gerais sobre todos os assuntos listados pela nossa LDB, continuando na tradição bacharelesca do Visconde de Sabugosa.

E as mulheres? Tão bom beijar e deixar recados no celular. Conversando com uma grande amiga (irmã astral), entendemos uma singularidade da nossa espécie - o estudante de humanas que caiu na docência. Antes havia o rumo da esquerda (das esquerdas, melhor dizendo) e a gente encaixava tudo neste filão, desde tabus seculares até a cor do sofá da sala. Agora, com Alckmin, Serra e a decepção da tríade Palocci – Zé Dirceu – Genoíno temos a única certeza do sexo. Quase como um Gutierrez tupiniquim, chego a pensar que sobrou para esta curiosa espécie o estopim da música, da bebida de alto teor alcoólico e da mais genuína putaria.

O problema é que não estamos encontrando um cenário parecido com o do Bukowski ou Robert Crumb; nem mesmo um tipinho Clarah Averbuck estamos topando. É estranho, pois a vida fica restrita ao eterno “mais ou menos”, como a cerveja morna, a música muito alta e a transa mal feita. Tudo rápido, tempo de uma gozada, ir embora, entrar no metrô, banho quente e comida instantânea.

Todo dia, tudo sempre igual.

Além da libido escancarada, tenho lá meus momentos de carisma moralista. Faz tempo que não leio Nelson Rodrigues, mas amanhã decidi não começar Grécia com o primeiro colegial: vou falar de Confúcio e Sidarta. Não está na apostila, não aparece na FUVEST, mas eu estava precisando ler um pouco de literatura exótica. Nada melhor do que preparar uma aula para isto!

Teve também o francês me lembrando que “o Brasil brinca de ser nação”. Lembrou que o estado francês está assentado em Montesquieu, Rousseau, Sartre, Foucault... Filósofos.

Pois é. Tinha a Argélia na garganta, assim como o colaboracionismo francês, mas não pude ir muito além das sacudidas de cabeça. Latino-americano, aprendi a disfarçar usando paciência. Pode ser subserviência, conformismo, piedade ou simples omissão. Prefiro esquecer.

O certo é que estou tão confuso e mal-amado quanto este texto. Seria cool se eu escrevesse na Folha. Seria excêntrico se tivesse dinheiro e um passaporte carregado de vistos. Seria excitante se rolasse um funk de quinta, no AMP Galaxy. E como seria gostoso se meu time ganhasse o jogo!

Mas são outras coisas, nem tão ruins, bem tão boas. O eterno mais ou menos.

1 Comments:

Blogger kellen said...

É a primeira vez que venho aqui. Gostei muito. Também sou mestranda, também em humanas.
Seu post me fez lembrar uma música do Chico:
"O amor malfeito depressa, fazer a barba e partir (...)
Pela fumaça, desgraça, que a gente tem que tossir
Pelos andaimes, pingentes, que a gente tem que cair
Deus lhe pague"

11:09 AM  

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