segunda-feira, outubro 25, 2004

Cego do castelo

Saiu abatido, como um criminoso, do gabinete do coronel, que não deixava de olhá-lo furiosamente, indignadamente, ferozmente, como quem foi ferido em todas as fibras do seu ser. Saiu afinal. Chegando à sala do trabalho nada disse: pegou no chapéu, na bengala e atirou-se pela porta afora, cambaleando como um bêbado. Deu umas voltas, foi ao livreiro buscar uns livros. Quando ia tomar o bonde encontrou o Ricardo Coração dos Outros.
- Cedo, hein major?
- É verdade.
E calaram-se ficando um diante do outro num mutismo contrafeito. Ricardo avançou algumas palavras:
- O major, hoje, parece que tem uma idéia, um pensamento muito forte.
- Tenho, filho, não de hoje, mas de há muito tempo.
- É bom pensar, sonhar consola.
- Consola, talvez; mas faz-nos também diferentes dos outros, cava abismos entre os homens...

Triste Fim de Policarpo Quaresma
afonso henriques de lima barreto



Talvez seja exagero meu ou o pulsar da veia trágica, como adoram apontar. Talvez seja uma centelha do divino, para os místicos, como se o sétimo selo estivesse rompido em nosso cotidiano, inflamando esperanças, medos, tristezas. Talvez seja, ainda, uma doença tropical, espécie de banzo, de exílio, de malária, de partida. Ressaca do paraíso.

Não sei dizer o que é, não consigo denominar tanta força e me colocar ao seu lado, numa meditação ou reflexão. O mistério que me move e paralisa é gigantesco e não opera com lógica cartesiana. Nem mesmo sei se tem alguma lógica.

Passei o Domingo mergulhado em grande introspecção, encerrado em mim buscando compreensão, sentido, caminho. Nada aconteceu, nada foi em vão.

Não consigo aceitar com naturalidade esta competição diária e a autoridade nos sentimentos. Uma mania estranha que alguns homens cultivam em julgar amar melhor que outros, cultivar uma amizade mais perfeita e de ser uma pessoa melhor acabada. Sempre assim, forçando uma hierarquização das coisas do coração que, simplesmente, existem para combater este tipo de vício.

O que, de fato, passei a entender é que agora só posso contar comigo, que sou minha referência, tesouro, culpa, pecado e redenção. Meu grão de loucura, minha saudade, o eterno porvir, o inadaptável. E se ainda não sei o que fazer, pois não consigo conhecer nada, entendo que será desta íntima guerra civil que brotarão novidades, perfumes e promessas de paz.

Assim, não prospero nas ladainhas fáceis da esperança ou do otimismo; estou arrancando cada espinho sozinho, fechando os cortes, limpando a sujeira. Sobrevivendo, o que já é uma grande aventura.

Falta amar, falta emprego, falta orgulho, falta escrita, falta inspiração, falta sedição. Que nunca faltem os sonhos.

PS: Sábado assisti um show do Nando Reis. Ele cantou Não Vou Me Adaptar e gostei de imaginar que aquela era pra mim.

(E era.)

1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Quando tocou "Nao vou me adaptar" , comentei com a Mariane na hora : O Degan curte essa musica a beça ....
Certeza que foi pra voce . Pra mim seria "Bichos Escrotos" eheheheh .
Um Grande show....grandes amigos....grandes lembranças , sonhos , tristezas ...e alegrias
Alex Giusti

10:25 AM  

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