Vete de mi
Recebi seu cartão-postal no final da tarde, quando tinha acabado de me esticar na cadeira para ler. Vi o carteiro empurrando um amontoado de papéis na pequena caixa e tive vontade de ir até lá, falar alguma banalidade, oferecer água. Tolices. Apenas fiquei olhando e como ele não notou minha presença, permaneci alguns minutos jogado na cadeira. Gosto de imaginar que vou receber uma grande notícia perdida entre os envelopes pardos, as propagandas de produtos, burocracias bancárias e cobranças mensais. Raramente volto com um sorriso após verificar a correspondência. Hoje eu voltei confuso.
Não li de imediato, deveria prolongar aquele momento de exceção em meu cotidiano frio. Coloquei um cd do Rubén González no aparelho para quebrar o silêncio opressivo que se instalou na chácara. Nosso interior é dotado de uma parcimônia gigantesca onde tudo dorme, resmunga e se arrasta. Eu mesmo vivia inerte numa sonolência que me impedia de sonhar ou me revoltar, qualquer ação que rasgasse o sossego. Então chegou seu cartão-postal.
Na cozinha lembrei que o pó de café tinha acabado, o que me obrigou a procurar algum chá escondido no armário. Encontrei chá verde e camomila, coloquei água para ferver numa chaleira amassada e finalmente tomei fôlego para encarar a lembrança. Uma nostálgica foto do Lago do Guaíba informava onde você estava, exatamente no mesmo momento em que Ibrahim Ferrer começava a cantar Silencio. E a combinação daquela foto das águas gaúchas com a melancólica música atordoou meus sentidos, marejou os olhos e me forçou dois longos suspiros. Voltei a pensar em tudo que estava acontecendo nos últimos três anos e senti uma pesada fadiga, não apenas física, mas moral. Achava que na pasmaceira do pequeno sítio conseguiria descansar e não mais pensar, não mais ler, não mais sentir saudades, não mais amar. Queria apenas viver, materialmente viver.
Corri os olhos até a porta dos fundos e tomei o caminho que levava ao pequeno ribeirão. Suas águas amendoadas lambiam um alto barranco que me servia de encosto para pescarias. Observava as águas passando com seus pequenos ruídos escorrendo, o vento dançando na copa da velha mangueira e o zunir de um bambuzal enorme. Tudo passando, humildemente passando.
Minhas mãos brancas, frias e estremecidas meteram, vagarosamente, o postal nas águas do ribeirão. Fixei os olhos no pequeno objeto até ele se perder em todos os humildes ruídos, atravessando as margens, as correntezas, os seixos, águas, ondas e turbilhões. Subi o barranco, desliguei o som e preparei o chá. Eu realmente estava exausto.
Não li de imediato, deveria prolongar aquele momento de exceção em meu cotidiano frio. Coloquei um cd do Rubén González no aparelho para quebrar o silêncio opressivo que se instalou na chácara. Nosso interior é dotado de uma parcimônia gigantesca onde tudo dorme, resmunga e se arrasta. Eu mesmo vivia inerte numa sonolência que me impedia de sonhar ou me revoltar, qualquer ação que rasgasse o sossego. Então chegou seu cartão-postal.
Na cozinha lembrei que o pó de café tinha acabado, o que me obrigou a procurar algum chá escondido no armário. Encontrei chá verde e camomila, coloquei água para ferver numa chaleira amassada e finalmente tomei fôlego para encarar a lembrança. Uma nostálgica foto do Lago do Guaíba informava onde você estava, exatamente no mesmo momento em que Ibrahim Ferrer começava a cantar Silencio. E a combinação daquela foto das águas gaúchas com a melancólica música atordoou meus sentidos, marejou os olhos e me forçou dois longos suspiros. Voltei a pensar em tudo que estava acontecendo nos últimos três anos e senti uma pesada fadiga, não apenas física, mas moral. Achava que na pasmaceira do pequeno sítio conseguiria descansar e não mais pensar, não mais ler, não mais sentir saudades, não mais amar. Queria apenas viver, materialmente viver.
Corri os olhos até a porta dos fundos e tomei o caminho que levava ao pequeno ribeirão. Suas águas amendoadas lambiam um alto barranco que me servia de encosto para pescarias. Observava as águas passando com seus pequenos ruídos escorrendo, o vento dançando na copa da velha mangueira e o zunir de um bambuzal enorme. Tudo passando, humildemente passando.
Minhas mãos brancas, frias e estremecidas meteram, vagarosamente, o postal nas águas do ribeirão. Fixei os olhos no pequeno objeto até ele se perder em todos os humildes ruídos, atravessando as margens, as correntezas, os seixos, águas, ondas e turbilhões. Subi o barranco, desliguei o som e preparei o chá. Eu realmente estava exausto.
1 Comments:
Foi a primeira vez que vim aqui, gostei muito.
Surya
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