quarta-feira, dezembro 21, 2005

Firme no pedaço

Quem nunca viu o samba amanhecer
Vai no Bexiga pra ver
Vai no Bexiga pra ver
Tradição
Geraldo Filme


Conversei com um primo, formado em violão popular pela Unicamp. Vou gravar um cd caseiro, voz e violão, talvez com uma acanhada percussão. O estúdio é dele e devemos começar com uns ensaios em Janeiro. Repertório só com sambinhas "dor-de-cotovelo", uma do Boldrin, três do Chico.

E Geraldo Filme.

Não. Não tenho previsão e nem pressa. Mas desta vez sai.

Sentimental eu fico

Faz tempo. Apareci para tirar as teias e dizer que amo. Qualquer coisa.

Dezembro está pesado e longo, não acaba. Muito trabalho, muita corrida, muita espera. Pouco gozo, mas sobra, sim, um espaço para a imoralidade. Minha doce e necessária imoralidade.

Domingo de manhã, pés descalços e gosto amargo na boca. Vontade de agarrar a mulher e tirar toda sua roupa, beijar seu corpo, estremecer abraçado. Espreguiçando, rolando na cama, um calor infernal. Não tem mulher e nem espaço. Mesa abarrotada de papéis cinzas de burocracia que sou obrigado a escalar. Arroto e gosto de café.

Tantas entrevistas, todas elas com perguntas cretinas. Por qual motivo as pessoas de Recursos Humanos e de Coordenação Pedagógica possuem uma imaginação tão limitada? Pergunte o meu time de futebol, minha receita grega, como gosto do whisky, meu poema predileto. Pergunte de Nelson Cavaquinho!

- Por que o senhor resolveu se tornar professor?
- Porque não tinha capacidade para passar no vestibular de Jornalismo e queria estudar na USP.

- Por que o senhor resolveu lecionar História?
- Porque eu não gosto de Matemática, é óbvio!

- Qual o valor que o senhor dá para a educação?
- Depende. Se a sala tiver alunas gostosas, eu posso me masturbar pensando nelas.

- Não poderemos auxiliar em seu transporte a o valor da hora/aula está um pouco abaixo do que o senhor pediu. Podemos negociar?
- É claro! Dinheiro não me é problema, leciono para formar cidadãos conscientes.

Gosto de sambas-canções, estas músicas pré-bossa nova, com histórias de cornos, putas e crimes passionais. Nelson Rodrigues é pouco. Estou ouvindo Lama. É. O que posso dizer? Interpretação da Maria Bethânia com um som de órgão bem baixinho, bem bolero. Coisa de zona. E meu mundo já pode acabar.

O que mais? Fui demitido. O colégio fechou, ou coisa parecida. Na verdade, o mantenedor (nome pomposo para filha da puta que deseja lucrar com educação) recebeu uma proposta irrecusável pelo aluguel do prédio. Proposta do Objetivo e da UNIP. Fez as contas e viu que ganharia muito mais dinheiro assim. Nos comentários e fuxicos a coisa rola entre 26 e 28 mil por mês. Bom.

Fechou as portas e nos avisou faz pouco tempo. Estava negociando com os jagunços do Di Genio a, pelo menos, três meses. Só lembrou de avisar seu corpo docente agora. OK. Na demissão veio com um papinho mole de que não poderia pagar meu FGTS, meu 13º salários, parte das minhas férias... Eita! Quer que eu dê o cu também?

Dois grandes amigos passaram por dias de lutas. Um terminou um grande amor e o outro sofreu um susto com o pai. O do pai já está bem e o outro parece melhor. Mas não sei... amor demora pra curar, né? Doeu em mim, pois não consegui fazer muito mais que telefonar. Sentia-me inútil. Tanto que quase peguei meu violão pra improvisar duas serenatas. E cantaria.

Oh meu amigo, meu herói
Oh como dói saber que a ti também corrói
A dor da solidão
Oh meu amado, minha luz
Descansa tua mão cansada sobre a minha
Sobre a minha mão
A força do universo não te deixará
O lume das estrelas te alumiará
Na casa do meu coração pequeno
No quarto do meu coração menino
No canto do meu coração espero
Agasalhar-te a ilusão


Tenho coisas por fazer. Amanhã uma aula teste em Piracicaba e até o final de janeiro, minha dissertação. Devo ter outras entrevistas e, quem sabe, umas escapadas pra São Paulo. A idéia é ficar. Prometi halawa libanesa, com pistache, para uma amiga daqui. Tenho que correr até a Abdu Schain, dar um tempo, comer charutos de uva e comprar fumo pro narguilé. Coisa fina.

E no Bom Retiro tem um restaurante grego que é um tesão!

sexta-feira, dezembro 02, 2005

Gozo Fabuloso

Fui tão bom pra ela
Dei meu nome a ela
Tudo no princípio eram flores
Sem saber que eu era demais
Entre seus amores
Quase passei fome
Para honrar seu nome
Tropecei nos erros
De uma mulher sem alma
Mas eu não perdi a calma


Mulher sem alma
Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito



2002 foi o ano em que o Fluminense completou seu centenário de história. Fui até as Laranjeiras contemplar aquela construção bonita e aproveitei para, como faço anualmente, pecar na cidade do Rio de Janeiro. Fugi do congresso chato para comer os anéis de cebola empanados do Lamas. Gozo Fabuloso, assim, roubado de Leminski.

No meio do ano a situação apertou. Papai perdeu mais de metade de seu patrimônio para dois bancos e uma empresa de cartão de créditos. Doces anos FHC. Meu irmão tomou conta das despesas da casa, cortamos tudo o que podíamos e fomos nos segurando. Não me lembro de outro período tão bicudo, destes da gente deixar de consumir coisas que estiveram em nossas vidas o tempo todo. Foi e a gente superou.

Tinha acabado de passar na seleção de mestrado e voltado para Sampa. Desempregado e preparando o pedido de bolsa que, com muita sorte, viria dali uns sete meses. E veio. Neste ínterim, meu irmão bancou meu aluguel e meu pai me dava o dinheiro da semana, suficiente para os ônibus, almoçar e jantar. Eu me virava bem e sempre economizava para um cinema.

2002 foi o ano que namorei Júlia. Fui até o fim, mergulhando incessante nesta paixão, o meu primeiro amor de fato. E de falo. Como eu amava aquela mulher... Bastava uma pequena atenção de seus belíssimos olhos azuis que me satisfazia por dias, encantado. Tanto carinho e ternura que hoje percebo a minha ilusão. Mesmo assim, primeiro amor, tinha que atolar até a cintura no lamaçal.

Depois de muito pedir ela decidiu passar um final de semana comigo, em São Paulo. Ela e um amigo comum. Seriam os dias de um casamento de uma amiga historiadora, com uma grande variedade de marxistas uspianos reunidos numa igreja barroca em Minas Gerais. Nem eu acredito que deixei de ir neste evento para esperá-la no nosso final de semana. Mas esperei, gozando cada minuto.

O problema era dinheiro, claro. Economizei duas semanas, contando as moedas e gastos na agenda, meditando sobre o que era necessário. Duas semanas almoçando no refeitório da universidade, com sempre fazia, mas sem me preocupar com o jantar, dinheiro guardado para o grande final de semana. Não passei fome, o que seria ridículo dizer, mas deliberadamente optei por poupar o dinheiro do jantar e do café para me divertir quando ela e nosso amigo estivessem em minha República.

(O café preto eu tomava, viciado, na sala do meu orientador.)

Chegaram. Fui até o terminal encontrar com eles e estava me sentindo muito bem, feliz até onde conseguia ser. Olhos brilhavam, entende? Dias maravilhosos, com passeios no Centro, choro na Benedito Calixto, cerveja na Vila e flerte com a Paulista. Durante as noites eu esquecia de tudo e beijava cada parte do seu corpo, não deixando as curvas, ásperas ou lisas. Beijava e gozava, tremia na suavidade de amar em cheiro, toques e fluídos. Fiz valer cada centavo economizado.

Um mês depois ela me pediu um tempo pra pensar na relação e se foi. Fiquei arrasado e tomei toda a culpa para meu exagero que, de certo, tinha sufocado seu carinho. Diziam que perdi a mulher pela minha verte trágica e, aflito, acreditei nisto com força. Desesperei, emagreci quinze quilos, deixei de escrever poesias e meus cabelos começaram a cair. Em janeiro de 2003, quando voltei ao Lamas para comer os anéis de cebola empanados, estava irreconhecível. Chorei e perdi a vergonha de chorar.

Eis o tempo natural das coisas...

Melhorei, e muito. Ganhei a bolsa e estou concluindo a pesquisa. Papai vendeu muita coisa, quitou suas dívidas e hoje já começa a fazer outras. Voltei a escrever, engordei mais de vinte quilos e o Lula foi eleito presidente da República. Outras mulheres passaram por minha vida e, algumas, por minha cama. Com todas elas consegui aprender muito e, especialmente com uma, voltei aos destemperos de estar apaixonado. Pisando nas nuvens e com borboletas na barriga.

(Também assisti, inúmeras vezes, o Palmeiras jogar no Palestra Itália e, na finada geral do Maracanã, um Fla-Flu em que o tricolor venceu de virada.)

Sexta-feira encontrei com a Júlia. Ela estava linda, com os cabelos mais longos e um pouco mais encorpada. Apaixonada, levava o namorado pelas mãos. Vieram os dois cumprimentar o pessoal que estava comigo. Olhos nos olhos, aperto de mão firme e passei muito bem pelo namorado. Beijos nos rostos de meus amigos, e quando me levantava para lhe saudar, ela recuou com um sorriso amarelo e um constrangido “olá”. Confesso que gelei.

Foi meu primeiro amor, uma moça que hoje demonstra ter nojo de mim. Sou mesmo um imbecil, com o rosto marcado e os cabelos sempre despenteados, mas não para tanto. Estou muito longe da sombra de uma perfeição, mas a recuada eu não merecia. Paciência.

Ainda assim, fiquei confuso. Ainda estou. Que humanidade falida, pois não era pra ser assim. Aquilo foi amor, entende? Deste de fazer perder o ar e mergulhar no incerto.

Mergulhei.