quinta-feira, setembro 29, 2005

Hapiness Is A Worm Gun

“O modelo brasileiro de desenvolvimento, na realidade, é caracterizado, de um lado, o econômico, pela concentração extrema da riqueza e, de outro lado, o político, pelo aumento extremo do aparelho policial. São os dois lados dessa moeda falsa, caluniada como milagre. Cuja verdadeira significação está aparecendo e que, portanto, é como uma estrutura que, projetada para a eternidade, está rachando por toda parte”.

nélson werneck sodré
O Fascismo Cotidiano


Participo de uma lista de discussão pela Internet formada por colegas que estudaram comigo aqui no sertão. Uma galera bem diversificada, que conheço há uns 15 anos (alguns, até mais). Tem de tudo: químico, engenheiros, administrador, dentista, arquiteto, físico, médico, advogado. Somos parte da elite desta terra morena, afinal, todo mundo formado em um curso superior num rincão de analfabetos.

A lista está quase sempre parada, só com mensagens que reproduzem piadas e eternos convites para bebedeiras. De vez em quando aparece uma discussão por lá que foge do itinerário do final de semana. O atual debate está se dando em torno do estatuto do desarmamento, assunto que realmente mobilizou quase todos os participantes da lista.

Vários pontos de vista foram colocados, alguns extremados e opostos, mas até que o debate rolava com respeito e interesse. Argumentação e vontade de pensar sobre o assunto, ninguém estava com sua decisão fechada e eu aproveitava o desenrolar para refletir sobre meu voto.

Ontem um colega, o médico, passou um e-mail que me deixou triste. Por dois motivos. Num primeiro momento ele defendeu, apaixonadamente, o armamento da população civil como uma garantia de segurança, estabelecendo um verdadeiro clima de faroeste, pois numa sociedade armada você pensaria duas vezes antes de burlar alguma regra ou lei. Seria punido não pela instituição, mas pela sociedade civil, o clássico “fazer justiça com as próprias mãos”. O segundo ponto acusava os “falsos moralistas e utópicos de livros” que estavam “pondo tudo a perder”. Acho que foi uma indireta pra mim, já que sou o “livreiro” do grupo.

Não respondi e nem poderia. Estou cheio de trabalho e não tenho o que argumentar, racionalmente, com quem acredita muito mais no poder de um 38 do que na ação, em eterna construção, do Estado. No entanto, a mensagem me provocou um mal-estar tremendo. Fiquei pensando em algumas coisas que estou lendo e acompanhando pela TV e jornais, no quanto temos um traço autoritário significativo em nossa história nacional. Um exemplo disto colhi na fala do senador Jorge Bornhausen (PFL - SC), que ao comentar a crise política, afirmou: “nós agora vamos nos livrar dessa raça por muitos anos”. Maneira singular de retratar a esquerda, como uma raça que precisa ser eliminada, dito assim, sem papas na língua, sem maquiagem. Eliminar uma “raça” que pensa diferente de você!

O que me preocupa é o endurecimento do conservadorismo, quase cotidiano, corriqueiro, banalizado. Este sentimento do senador Bornhausen e o descarte da minha argumentação ou função por ser “livreira e utópica”, assim como o comportamento estúpido do deputado federal Jair Bolsonaro (PP – RJ) ao convidar um torturador para acompanhar um depoimento em CPI, só revelam, às claras, nossa eterna inspiração autoritária de país escravista. É a mesma linha que diz “bandido bom é bandido morto” ou “pobre é pobre porque é burro”. Dito isto em qualquer país, sob qualquer circunstância, já é um atestado de falência humana, mas no Brasil, com nossa história sangrenta e segregacionista, é, além de perigoso, triste e vexatório.

Uma ética de seguir o sinhozinho, ou coisa do gênero, é o que impera no Brasil, na elite brasileira. Não existe a possibilidade de pensar no coletivo, na esfera pública, no que realmente importa para o país; é no plano individual que as coisas se resolvem e desenvolvem. E entre o “sim senhor” e o “se fudeu, playboy”, apodrece uma terra cheia de possibilidades, de cultura mestiça e original.

E embaixo do porrete mora a nossa alma e reside o nosso desencanto.

segunda-feira, setembro 26, 2005

O poema matemático de Juliano


(Encruzilhadas, de Marie Wakiri)


O POEMA MATEMÁTICO DE JULIANO

Cansado de sentir os solavancos da vida
Juliano, homem de porte romano, comprou uma calculadora.
Gastou um pouco do economizado numa máquina belga
que fazia todas as contas que Juliano não precisava fazer.

Calculou todos os gastos,
as incertezas,
as dúvidas,
as incoerências,
os prejuízos,
e os desencontros.

Em contrapartida, Juliano somou as alegrias,
as chegadas,
os festivais,
sorvete de Flocos,
gemidos de gozo
e lágrimas de êxtase.

Juliano era mesmo sabido com sua calculadora belga.

Na prova dos nove, encontrou resultado de dígito negativo;
Juliano era mesmo sabido
e a matemática recomendou
que ele desse cabo na própria vida.

Com seu porte romano, Juliano esqueceu da fortuna belga
e aquietou-se nos apoios da janela.
A matemática e a poesia, pensou,
e num súbito impulso saltou para dentro de um livro
virando personagem de ficção.

Esperto, Juliano transformou sua dor em best-seller
e a calculadora belga em artigo de colecionador.

Ordinário

Alguma coisa mudou, ou se quebrou, ou transformou, ou acabou, ou começou.

Alguma coisa, urgentemente.

Um novo ritmo numa velha vida. Literatura como ponto de fuga. Literatura e lembranças.

Saudades que não escravizam mais. Só coça gostoso, como o bicho-de-pé.

Mulher, a gente precisa se encontrar. A gente precisa viver. Tenho meus discos e meu silêncio. Minhas receitas de comida árabe e meu saxofone. Tudo seu.

Queria passar um líquido corretivo e dizer: “quero viver / quero gozar / quero pulsar”. Dizer e ser. Convidar para um café e ficar cantando bobagens. E vamos rir da nossa miséria.

Uma depressão de fim de tarde. Chopin funciona. Vontade de tacar o carro no abismo, distraído. Pênis coçando e vontade de fumar. Tarde vazia com a TV desligada.

Quanto tempo? Dois anos sem paixão, sempre a mesma merda fresca e fedida? Bebendo cerveja gelada. E daí?

Como sempre, nada.

quarta-feira, setembro 07, 2005

Distraídos venceremos OU Jazz


Transar bem todas as ondas
a Papai do Céu pertence,
fazer as luas redondas
ou me nascer paranaense.
A nós, gente, só foi dada
essa maldita capacidade,
transformar amor em nada.

Paulo Leminski


Estava escutando Vinícius e Toquinho. Dia de feriado. Trabalhei um pouco, risquei papéis e busquei a cadeira confortável para ler. No quarto.

(Fechei a porta, levei a garrafa d’água e li, em voz alta, o meu primeiro Leminski. Meu primeiro livro dele. Gostei tanto que pensei em fugir.)

O telefone tocou e eu estava comendo leite com cereais. Era a Pimenta. Amor é fogo; quando a gente ama uma pessoa, só a voz dela basta pra retirar da nossa cabeça qualquer vontade de silenciar. Conversamos bastante e ela me contou que sua avó materna tinha falecido. Queria dizer as coisas certas e acredito que fizemos bem um pro outro. Era importante conversar com uma pessoa querida.

No meio da tarde falei com o Eduardo. Amigo de militância, de fé. Conheço bem este rapaz, e ele também me conhece, afinal, moramos mais de três anos juntos. Impressionante como estávamos falando o mesmo idioma: trabalho, cansaço, trabalho, correria e trabalho. Sem muito tempo e entusiasmo pra conhecer gente nova. Ele contou do curso de alemão, que deve estar no seu quarto ano, e eu falei do mestrado. Ambos comentamos sobre nossas alunas gostosinhas.

Início de noite embalado no jazz, bem baixinho. Miles Davis. Estou lendo um livro sobre a formação das nações latino-americanas, aproveitando que posso me afastar um pouco dos compromissos nestas horas. Gosto de estudar e pretendo transformar isto, um dia, na minha profissão. Por enquanto ainda tenho que resolver questões em apostilas e terminar de escrever um texto cada dia mais bizantino. E quando posso, afino o violão pra descansar a cabeça.

Comprei um saxofone e estou tentando tirar algum som do instrumento. Aprendi umas escalas e já consigo tocar “Cai, cai, balão”. Sem pressa, pois penso nisto como um investimento. No futuro, quando estiver cansado e melancólico, sem nenhum bom amigo para visitar, quero tocar umas modinhas, uns temas de jazz e, quem sabe, um punhado de choros despreocupados. Com a maior pompa.

Estou cansado. Sinto que estou cada dia mais solitário e recluso. Também tenho medo de estar “emburrecendo”, acomodando com tanta cerveja gelada e gasolina no carro. Está dentro de mim um caldeirão de idéias, borbulhando, mas tenho me ocupado bastante para deixar estas brasas apagarem. Não dá para aceitar, passivamente, mais uma temporada de novas violações. E sei que é o momento de procurar afiar meus prateados princípios.

segunda-feira, setembro 05, 2005

Supimpa

Conhecendo um blog novo, li um post supimpa. Gostei tanto que decidi copiar a idéia e fiquei, durante um bom tempo, fazendo esta lista. Posso dizer que foi muito divertido!

Creio que este abecedário dá conta de alguns mistérios que riscam minha alma. No entanto, como toda autobiografia, apresenta problemas. Maldito super-ego, não é?


De A a Z

Amigos
Brasil
Cinema
Dúvida
Esquerda
Família
Gol
História
Idéia
Jazz
Kafka
Livros
Música
Noite
Obsessão
Padaria
Quadril
Rua
Sexo
Tesão
Urbano
Verdão
Walkman
Xota
Yin-Yang
Zapear