sexta-feira, julho 30, 2004

Eu tenho uma camiseta escrita “Eu te amo”

A barbárie... não vale nem um pouco mais que a cultura, que mereceu a barbárie como represália contra sua monstruosidade bárbara.
teoria estética, t. w. adorno

Nos deram espelhos e vimos um mundo doente
Tentei chorar e não consegui.

índios, Renato russo

 
Creio que se todos assumissem seu lado Roberto Carlos o mundo seria bem mais amoroso e, por isto, melhor de viver. Eu, ao menos, sinto que o que carregava de precioso era meu imenso poço de sensibilidade, uma fonte farta e descontrolada de sentimentos nobres, vivos, pulsantes e incrivelmente humanos. Sinto mesmo que este era o meu tesouro. Meu lado Roberto Carlos, que cheirava brega e exagerado, me fazia vibrar com quase tudo, cantando bonito e sentindo saudade, criando planos e relaxando sem culpa. Baladas sangrentas, abraços pesados, Nelson Rodrigues, sorvete de Flocos, Viaduto do Chá, gol do Fluminense, comida chinesa, pastel no Mercado, Nelson Cavaquinho e inúmeras cartas. E tudo sem ensaio, de primeira, correndo riscos, chutando latas e deixando a barba crescer.

Nos desencontros da vida, comuns a todos, vejo que minha maior perda foi esta disposição de caráter aos refrãos melosos do Roberto, ainda mais se eles fossem interpretados pela Maria Bethânia. Pois antes me era muito fácil e natural fazer, dizer e pensar em algum tipo de carinho, afago, mimo, agrado e amizade. Talvez fosse muito fácil seguir feliz porque o cotidiano era mais ameno e tragável, mas também estou certo que minha cabeça ainda acreditava em algumas belezas que hoje continuam bonitas, mas agora extremamente distantes e carentes.

Sou incapaz de um gesto comum de amor como brincar com um cachorro e conversar naturalmente com meus amigos. Parece que estou sempre pressionado, escondendo algo ou fugindo de alguém. Uma farsa diária sem demonstrar afeto por nada, rígido, silencioso, calculando os passos e os gestos. Civilizado, vaidoso e adaptado. Truculência executiva de um yuppie, distância contemporânea. Fingi na hora rir. Variam os nomes e diagnósticos, valores e graduações, mas o sentimento de desamparo e ignorância se espalha em minha memória como quando a gente pinga uma gota de tinta escura num copo d’água.

Por vezes penso que a alma passional me foi arrancada, sofrendo uma brutal invasão, conquista e colonização. Podia até ser exagerado nas ações (ressuscitando a cordialidade do Sérgio Buarque), precipitado nos toques, confuso nas palavras, tosco, imperfeito, selvagem. Podia até ser ignorante na sociologia, idealista na política, explosivo na amizade e cabaço no sexo. Podia ser uma montanha de defeitos, mas preservava uma delicada inocência, louca como todas elas, mas assegurava sempre uma nova paixão e brilho nos olhos. Soava meio janota, mas abrigava uma nobreza na personalidade muito alegre, deliciosa e vigorosa.

Na cabeça se agita o arrependimento de ter permitido esta castração, tal desrespeito. Deixei que entrassem no tutano e fiquei quietinho para não incomodar. Tinha que reagir! No fim aprendi a dissimular com categoria e precisão absoluta. Uma muralha com a base de isopor, igual aos gênios que tanto me incomodavam.

Lembrei de dizer que meu lado Roberto Carlos se emociona mais com as baladas do Ira!. A estranha voz do Nasi me agrada tanto que tento forçar uma imitação. E é desta banda predileta que tiro mais uma citação. Pra terminar o texto.

Vivendo e não aprendendo
Eis o homem
Esse sou eu
Que se diz seguro
Que se diz maduro
Seu amor hoje
Me alimentará amanhã
Eis o homem
Que se apanha chorando

quinze anos, edgard scandurra

quinta-feira, julho 29, 2004

Atrás de um Buda branco uma coleção de cachaças

Es evidente que Dios me concedió un destino oscuro. Ni siquiera cruel. Simplemente oscuro. Es evidente que me concedió una tregua. Al principio, me resistí a creer que eso pudiera ser la felicidad. Me resistí con todas mis fuerzas, después me di por vencido y lo creí. Pero no era la felicidad, era sólo una tregua. Ahora estoy otra vez metido en mi destino. Y es más oscuro que antes, mucho más.
la tregua, mario benedetti 

 
Meu quarto está empoeirado e abarrotado de papéis e livros. Não sei mais onde acumular palavras! Olho minha mesa, minha estante e o chão de pedra, todos os espaços cobertos por pequenas páginas destacadas, anotações, cartas, cobranças e recibos. Não encontro vontade para organizar tudo isto, embora faça uma faxina semanal. Mas parece que esta bagunça já recebeu vontade própria, muito mais valente que a minha, sendo eu um mero figurante no meio disto tudo. Acho engraçado observar como as coisas se encontram misturadas, ao acaso, com moedas acumuladas na caneca de café, correspondência da FAPESP apoiada em fotos antigas e minha pequena imagem de São Jorge guerreiro sufocada por cinco garrafinhas de água vazias. Atrás de um Buda branco uma coleção de cachaças, cadernos usados, letras de músicas e cartas que eu escrevi e que nunca enviei. Devo ter uma dúzia delas, com envelope e endereço.

Hoje foi difícil trabalhar e me concentrar nas leituras acadêmicas. Estou muito cansado de vasculhar historiografias, mas também não quero começar com a redação. Prefiro dar um tempo do meu texto, ponderando meus muitos erros e, talvez por isto mesmo, adiando a ação de escrever. Rabisco umas observações e tento esquecer quem sou quando leio, roubando a alma do autor, o trabalho, a pesquisa, o estilo. Quase um vampiro.

Nesta tarde tive dúvidas sobre minha vocação e o rumo que estou colocando em minha vida. É bastante óbvio que não estou feliz, mas também não posso dizer que sou um desgraçado. Nada disto é verdade. Creio que estou entediado o bastante para fritar os miolos e ficar ainda mais antipático. O fato é que voltei a desejar ser outra pessoa, mais sensual, mais esperto, mais social. Queria também ganhar dinheiro!

No final da tarde saí para caminhar e despachar novos currículos. Comprei um saco de pipocas e uma garrafa d’água, sentei num banco de praça e fiquei um tempo sozinho sem pensar em nada. Muito bom. Estiquei bem os braços acolhendo a preguiça e tive vontade de comer mais alguma coisa salgada. Abandonei a praça e voltei para casa, respirando fundo e cantarolando baixinho uns sambas carinhosos. Fiquei mais disposto e pensei em sair para assistir um filme, mas acabei desistindo. Nenhum filme bacana no cinema e muito frio.

Encontrei um cd de música instrumental indiana, com longos solos de cítara, e coloquei pra tocar. Li um pouco de literatura esparramado no colchão e esqueci do mundo. Só me mexi para mudar de roupas, buscando coisas mais quentes e confortáveis. Aproveitei a oportunidade e fiquei me medindo no reflexo do espelho do armário. Meus olhos estão vermelhos e os cabelos caindo. Estou muito branco. Rio quando me vejo nu.

terça-feira, julho 27, 2004

Boas Cucas

Hoje dormi bastante e despertei com muito sono. Como isto é possível? Penso que se pudesse ficaria deitado o dia todo, esticando o braço apenas para abrir um livro e beber água. Dormindo.

Passei o dia todo numa melancolia gigantesca e aproveitei para caminhar uma boa distância. Ando muito cotidianamente, mas hoje eu penso que conseguiria andar horas sem sentir o peso do corpo, alimentado pelas idéias e pela vontade de refletir. Andei e distribuí currículos, já aceitando a minha nova condição de pesquisador desempregado.

Em casa eu não queria papo com ninguém, desligando a TV, abaixando o som e me encolhendo de frio no sofá gelado, enroscado numa manta fina. Tinha sono, mas não queria dormir. Estudei um pouco de inglês e rabisquei anotações de pesquisa, marcado pelo tédio amadurecido que estou sustentando. Café. Aspirina. Vontade de fumar um cubano.

No início da noite fiquei navegando pela internet, visitando endereços de amigos. Gostei muito dos textos da Maria, do James e do curto comentário que a Cris deixou em seu blog. Idéias tão humanas, simples, sinceras e deliciosas! De alguma forma me senti reconfortado e decidi me dar um bom carinho: dobrei o som e afundei no colchão ouvindo Guilherme de Brito. Fiquei com muita vontade de encontrar com boas cucas pra beber cerveja e conversar tolices, umas sérias, outras inúteis, mas todas necessárias em minha vida. Quem sabe uma porção generosa de um representante da baixa gastronomia para ajudar nas idéias?

Agora já estou embalado pela Aracy, mas antes topei com a Nora Ney. Adoro Noel Rosa! Fiz café com canela, preparei umas panquecas doces e acalmei meu coração. Hoje acho que a madrugada vai render muito!

domingo, julho 25, 2004

Dândi

Madrugada. Mais uma madrugada.

Está frio e eu não consigo dormir.

Tenho muita coisa pra fazer, Madrugada.

Preciso e quero me apaixonar!

sábado, julho 24, 2004

Caixas de Papelão

Semaninha difícil foi esta. Recostei-me na sombra do tédio e deixei o tempo correr, quebrando a cabeça com uns artigos ingleses e desejando uma dose dupla de rum. Sem gelo.

As tardes são sempre compridas. Na madrugada, TV ou literatura.

Na Quarta-feira eu me meti a arrumar caixas de anotações e documentos, quase tudo inútil. O dia todo nessa atividade, descendo caixas de papelão do armário, abrindo, limpando, lendo, arrumando, guardando novamente no alto do armário... Queria me livrar de muita coisa, jogar fora metade da papelada, mas desisti. Preguiça e medo.

Uma caixa permaneceu lacrada e intocada. Melhor não despertar demônios.

Encontrei muitos rabiscos de idéias soltas, desabafos tolos, e li alguns com muita vontade e curiosidade. Queria saber se tinha evoluído em algo, mudado, sobrevivido. Como sobrevivi? Não encontrei a resposta, mas me diverti muito comigo mesmo.

Um texto escrito em 1998 reapareceu com tanta força. Neste ano minha mãe ficou doente e por pouco ela não me deixou. Fiquei tão assustado que até hoje fujo destas lembranças e não gosto de trabalhar com estes dias. Tento esquecer. Mas as palavras riscadas no papel diziam uma coisa tão certa e óbvia que estou com vontade de retomar tal reflexão, relendo os garranchos por horas, ouvindo jazz, baixinho. Naquela ocasião descobri que estamos, irremediavelmente, sozinhos, encerrados cada um em de nós em sua própria solidão. Disse que era algo óbvio, mas nem mesmo por isto deixa de ser uma sentença profunda. Independente da família, de Deus, do beijo, da mão amiga e do copo cheio, seguimos sozinhos levando apenas nossas idéias imperfeitas e falhas.

Nesta semana também contei para meus pais, enquanto tomávamos sopa de ervilhas, que desejo ir embora. Para qualquer lugar. Nada de espanto e poucas palavras de questionamento ou apoio. Talvez eles saibam que eu dificilmente vou escapulir para um lugar muito longe, deixando que eu fale, que eu sonhe, que eu deseje. Talvez seja mesmo isto. Mas eu vou.

Estou acanhado e cinza, cultivando autocensura, voto de silêncio e vazio nas idéias. E isto lá é vida?

terça-feira, julho 20, 2004

Samba Marcha Lenta

Olha lá
Quem vem do lado oposto
E vem sem gosto de viver
Olha lá
Que os bravos são escravos
Sãos e salvos de sofrer
Olha lá
Quem acha que perder
É ser menor na vida
Olha lá
Quem sempre quer vitória
E perde a glória de chorar
Eu que já não quero mais ser um vencedor
Levo a vida devagar pra não faltar amor

o vencedor, los hermanos


Não sei se é a Segunda, se é o tempo chuvoso, o frio de lascar. Não sei se é a saudade, o abandono, a gripe ou a dor de cabeça.

Sei que tinha anotado muitas idéias para escrever, mas não consegui fazer nada.



domingo, julho 18, 2004

Baladas sangrentas, catarro e o meu velho cachecol

Não quero ver mais esta gente feia
Não quero ver mais os ignorantes

pobre paulista, ira!


Odeio acordar depois do meio-dia, mas hoje eu só despertei quando o relógio marcou 14:30. É, realmente eu estava precisando dormir. Meu corpo todo doía e estava com uma preguiça violenta, tendo que fazer muita força para esticar o braço e apanhar o controle remoto. Liguei a TV e, ainda com os olhos fechados, reconheci a voz podre o roqueiro gaúcho Wander Wildner. Ele estava em algum programa da MTV cantando uma música nova chamada Eu não consigo ser alegre o tempo inteiro. Adorei este despertar tosco, com uma voz tão rouca quanto a minha na noite passada. Adorei a música tão imperfeita e subjetiva, exatamente como minha vida. Desisti de buscar café e fiquei curtindo uma fossa matinal.

Ontem aconteceu tanta coisa, natural eu estar exausto. Quando volto de São Paulo desembargo arrebentado, sem ação e, como não, um pouco desorientado. Estava com umas horas de sono perdidas, andando igual zumbi, bocejando com gosto. E uma gripe mal curada estava fazendo festa, deixando minha voz grave e fanhosa, horrível se você é vocalista de uma banda. E eu sou.

Não consegui dormir antes do show. Não era excitação ou nervosismo, mas sim o telefone que não parava de tocar. Queria mesmo era entrar num bom botequim e ficar comendo porcarias por horas, dizendo algumas bobagens e encostar-se a um canto escuro para cochilar. Mas nesta noite eu tinha que melhorar o humor e a saúde para ser um rock star, cantando, rebolando e fazendo algumas caras de prazer e de maldade. Tinha que ser um rock star!

Antes de sair da casa tentei forçar uma limpeza no organismo, soltando um catarro tão pesado e consistente que fiquei com nojo de mim. Como aquilo saiu daqui? Depois caprichei no perfume, paletó surrado, calça bacana e meu velho cachecol. Estava pronto, charlatão, disfarçando bem meu cansaço e amargura.

No show tivemos de tudo. Refletindo bem, acho que foi nossa pior apresentação, mas gostei muito do resultado. Senti que contornamos bem os imprevistos, os erros individuais, o som mal regulado e o público estranho. Vocês conhecem aquele lance de química? Então, acredito que estamos funcionando bem, cinco rapazes trabalhando bem juntos. E os erros e deslizes contornados por confiança e, ao menos no meu caso, uma deliciosa cara-de-pau.

O público era, ao mesmo tempo, bizarro e estúpido. Talvez eu esteja mal acostumado, familiarizado com tipinhos urbanos marginais, contraditórios, imperfeitos, originais e sedutores. Talvez. A maioria dos homens e das mulheres que estava por lá era filho da tradicional aristocracia limeirense, figuras de uma mesmice e de um individualismo de assustar. Interessante observar a segurança deles, tão cheios de si, superiores, arrogantes, independente da situação, não vacilando mesmo quando estão atolados na mais fedorenta merda. Interessante também o uso que eles fazem dos narcóticos, álcool e sexo, numa busca frenética por um prazer imediato e rápido, tornando o próprio gozo uma experiência tão banal e desligada do coletivo, tão veloz, tão pequenina. Admiro a irresponsabilidade, mas não desvinculada de qualquer opinião, militância, paixão, doença ou contradição. Aquilo era de uma repetição tão pobre que eu fiquei tocado e entrei na introspecção, meu vício. Pensei muito sobre o futuro da minha cidade, no meu plano de fuga, num bom charuto cubano e na construção de barricadas e guerrilhas. É preciso resistir com toda a violência da minha barbárie!

Começou a apresentação e tentei cantar bem, mas estava difícil sem retorno de voz e com os arranhões da gripe. Tentei parecer sexy e agitar com postura de punk, afinal eu era o vocalista. Na terceira ou quarta música diminuí o ritmo, sentindo o efeito do sono atrasado e da coleção de remédios na cabeça. Alguns inimigos íntimos também estavam por lá, felizes, bêbados, beijando, soltando fumaça e cantando comigo. Prefiro ter rivais inteligentes a amigos estúpidos, e do palco eu consegui comprovar minha teoria. E com o som rolando pensava na figura estranha que sou, tão mesquinho e amoroso, tão reservado e exibicionista, contraditório na medula. Ali, berrando no microfone, entendi que eu não consigo ser alegre o tempo inteiro. Nem fingir. Cantando Ira! assumi minha imperfeição.

Quando o show terminou fugi, literalmente. Exausto e inseguro, pensava só no meu quarto abarrotado de livros e papéis, espalhados livremente pelo chão. À surdina fui embora, apoiando a cabeça no encosto do carro e cheirando minhas mãos. Meu cheiro, algo familiar! Em casa coloquei Nora Ney pra tocar. Vitamina C. Aspirinas. Chinelos. Baladas sangrentas, catarro e meu velho cachecol. Boa noite.

sábado, julho 17, 2004

QUASE LINDO

(Da célebre série “Textos recolhidos pelo arqueólogo da cidade grande”)

Parei na Bela Paulista e estou bebendo uma cerveja. Bohemia de trigo, é claro! E em cada golada fico pensando o quanto amo esta cidade e como está difícil ficar longe. Ainda é cedo, um pouco mais das cinco da tarde. Antes de pintar no apartamento do Luisão vou pedir uma salada de frutas e um café. Estou cansado, é melhor me cuidar.

No ônibus, durante a viagem, tive que fazer força para não ceder ao medo, pois estou tão longe deste ambiente que quanto volto sinto um estranhamento em tudo e em todos. Na verdade eu é que me sinto desterrado, e não a cidade que me impressiona. Tem também a lembrança de uma ex-namorada que eu sempre desejei trazer pra cá, levar ela no Bexiga, na Benedito e no Mercado, pra comer quitutes árabes. Ela respondia que odiava São Paulo. Terminou comigo e mudou pra Capital, esquecendo sua repulsa. Pois é: voltei para o interior e ela veio, de mala e cuia.

(Mais uma garrafa chegou. Uma espiada no pessoal. Muitos solitários engravatados mastigando sanduíches.)

Acabei de ler o Animal Tropical, de Pedro Juan Gutiérrez. Sempre é assim, quando termino de ler um autor, passo por um período de luto, flutuando a cabeça e sentindo sua falta. Sentia-me bem com seus livros, tão sexualmente provocado, tão capaz, tão viril. Agora virei a última página e estou buscando uma outra paixão de letras, afoito e interessado.

No início da tarde tive uma reunião densa com meu orientador. Estamos lendo juntos página por página da minha dissertação, com ele discutindo e opinando em tudo. Muito positivo, pois estou aprendendo bastante, mas isto me cansa horrores e estou com a cabeça pesada de tanto responder e pensar. Também é difícil ficar indiferente quando uma pessoa mais erudita vai nas feridas de sua teoria. O que posso dizer é que, no final, o Norberto confia e gosta muito mais do meu trabalho do que eu.

Na verdade venho pensando um bocado sobre minha vida. Tendo a aceitar que tudo acontece como um rascunho, repetindo a mesma palavra: quase. Minha pesquisa quase produziu um bom texto, como também eu quase fui um bom namorado. Quase, faltou pouco. Quase lindo, quase magro, quase bêbado, quase feliz. Fico num hiato, suspenso.

(Outro gole. Estão filmando alguma coisa aqui. O diretor fica gritando e as luzes estão me torrando a cabeça. Se eu tivesse coragem soltava um palavrão bem alto. Estou irritado.)

O engraçado e contraditório é que na mesma medida que voltei a me reconhecer e gostar de mim, sinto que não estou pronto para o mundo, sempre numa posição inferior aos homens e mulheres que conheço. Evito brigas e discussões, evito aparecer, fujo dos elogios. Cada vez é mais desgastante sair de casa, escolher a roupa, cumprimentar as pessoas e se mostrar amável e interessado em conversas que eu realmente não tenho nada para acrescentar. Tenho é vontade de ir embora, para qualquer lugar, mas ir, estar em movimento, passando, observando a estrada riscando. Talvez eu seja bom em ficar comigo, nada mais.

(Pedi um sanduíche com carne, salada e mostarda. A cerveja acabou. Nada de frutas.)

Um milhão de idéias aparecem na minha cabeça o tempo todo. Por isso comprei um bloco de anotações, registrando tudo, sempre que o lance bater. O estranho é que este texto que escrevi agora não estava em nenhuma das idéias que me levaram a riscar o bloco. Não sei se estou fugindo ou sendo sincero. Sei que estou descendo, mergulhando em meus sentimentos e cutucando todas as incoerências que o coração comporta. Baixo, para baixo.

sábado, julho 10, 2004

SUPERNATURAL

(Hoje li um texto lindíssimo de uma amiga de paixão. Ela se lamentava por não conseguir escrever uma canção ou poema feliz, capaz de animar ou consolar seus companheiros de baladas e militâncias. Pois é, Maria, eu também gostaria muito de parir este tesouro, produzindo pérolas das úlceras como fazem as ostras. Estou perseguindo este ideal. Um dia chego lá.)

(Por enquanto me contento em ouvir e ler coisas boas dos outros. E em pensar em você! Estou ouvindo Bidê ou Balde. Fazia tempo que não escutava esta banda. Sei que você não gosta muito, mas eles conseguem me tirar da sombra e injetam uma dose de bom humor na minha cara. Isso é muito bom, não é mesmo? Peço desculpas aos gaúchos, mas vou trabalhar num plágio de uma canção deles, mudando a letra. Pensando em você. Carinho sincero e único!)


MARIA (MELISSA)

Te fiz um rock, Maria
Pode crer que é sobre amor
Mas eu não sou jornalista
E nem meu time é campeão

Te escrevi uma carta
Cheia de frases de impacto
E se precisar alguma coisa
É só pedir que eu faço

Se tu quiser que eu te leve
Eu aprendo a dirigir

E escrevi um poema
Sobre a turma lá de Sampa
É sobre o teu ar de menina
E o meu papinho furado

Bebendo café com canela
Lá na casa das meninas
E se tu não tem como ir à praia
Não precisa nem estalar os dedos

Se tu quiser que eu te leve
Eu aprendo a dirigir.
Maria!

A CIVILIZAÇÃO DA BARBÁRIE

(Recebi este texto do Veríssimo por email. Presente da minha irmã carioca Paula Argolô. Muito apropriado ao momento e aos meus olhos.)


Bárbaros
LFV

As civilizações costumam ter problemas com seus limites. Sempre há uma questão na fronteira, uma civilização diferente e portanto perigosa, ou um bárbaro sujo. Sempre há um bárbaro do outro lado, um autêntico marginal. Sempre há um marginal. Contam que o Papa Leo, para salvar Roma, concordou em ir ao acampamento de Átila, o rei dos Hunos, o Flagelo de Deus, o sujo, e pedir clemência. Pois os marginais nem sempre respeitam as margens e esse sujo rompera os limites do santo império romano e ameaçava um dos seus dois corações. Apesar da idade e do cansaço com a longa viagem o Santo Padre concentra toda a sua santidade num pedido a Deus para que o levite, a fim de que ele possa vencer a faixa de lama e esterco que separa sua liteira da boca da tenda de couro sem sacrificar sua dignidade, ou pelo menos suas sapatilhas. Mas Deus não o ouve e o Papa desliza para dentro da tenda onde Átila, que rói o que parece ser um fêmur humano, o recebe com uma salva de gases.

- Átila...

- Eu prefiro Flagelo.

- Flagelo, este é um encontro histórico. Você sabe o que é a História?

- Sei. Um monte de estrume. O que sobra da experiência depois que nós a digerimos. Lixo.

- Gosto do seu latim.

O huno mostra o fêmur seboso que acabou de limpar com os dentes.

- Preparei-me para o nosso encontro comendo um dos seus escolásticos. Ruct!

- O que foi isso?

- Um arroto. Estranho não ter saído em latim. Mas, nas suas erupções, todos os homens falam a mesma língua. As conferências de paz deviam ser entre os mais mal-educados de cada nação. Talvez seja por isso que nunca dão certo: sempre mandam os diplomatas. Mas você falava da História.

- Este encontro ficará nos anais da nossa História.

- Os hunos não têm anais. Não têm nem um alfabeto. Nossa História é o que contam os nossos velhos, e cada um mente mais do que o outro, para disfarçar o esquecimento. Entre os hunos, só os cavalos sabem escrever. Nossa História está nos seus rastros, no que eles deixam para trás. Lixo. (...)

Esqueletos, ruínas, mulheres estupradas e gado carneado. Isso quando não estupramos o gado e carneamos as mulheres. Este seu perfume...

- Extrato das glicínias de Roma.

- Ah, Roma.

- Você já a viu?

- De longe. Suspensa no ar. Uma miragem.

- A Rainha das Colinas...

- A Eterna...

- Toda a História do mundo numa cidade só. Todas as cidades numa cidade só...

- Breve a pilharemos. Com a devida reverência.

- Você não pode falar sério! Por trás desse exterior rude e dessas peles nodosas tem que haver um homem bom e razoável, com sentimentos nobres e um coração altivo.

- Um romano, você quer dizer. Sinto decepcioná-lo, Vossa Redolência, mas não há. Pelo menos não havia, da última vez que tomei banho.

- Roma não é um lugar. Roma é uma idéia, um parâmetro, um sonho, um triunfo do espírito. Roma é a memória e o futuro da humanidade!

- Prometemos só roubar o que tiver valor material. A literatura fica.

- Átila...

- Flagelo.

- Flagelo, poupe Roma. Me ofereço em seu lugar. Fique comigo e deixe Roma!

- Obrigado, eu já comi. E Vossa Fragrância me surpreende, fazendo apelos à consciência de um bárbaro. Eu não tenho consciência. Eu sou tudo que Roma não é. Se Roma é uma conquista da razão, foi essa inconsciência que ela conquistou.

E Átila bate no próprio peito, fazendo saltar outro arroto.

- Me atribuir uma consciência, Vossa Untuosidade - continua Átila - é diminuir a glória de Roma. Roma só é grande em contraste com seus inferiores. A não ser...

E Átila cutuca o Papa com a ponta do fêmur, convidando-o para uma cumplicidade de sujos.

- A não ser que vocês reconheçam que não são muito diferentes de nós. Hein? Hein? Por trás desse exterior bem lavado e desses panos bordados tem que haver um Átila adormecido. Vocês, apesar do extrato de glicínias, também não são flor que se cheire. Admita isso e eu admito ter uma consciência. Troco uma boa consciência por uma má.

- Não negamos nossa História.

- Negam, negam. Seus anais mentem mais do que os nossos velhos. Vocês civilizaram meio mundo a patadas, como nós. Só que nós não chamamos de civilização. Chamamos pelo seu nome exato. Talvez seja a vantagem de não ter uma escrita...

- Nos regeneremos! Hoje somos um império cristão.

- Isso depois de passar trezentos anos perseguindo os cristãos e atirando-os aos leões. Sempre suspeitei que os leões se enojaram primeiro.

- Está bem! Reconheço a nossa má consciência. Agora reconheça a sua boa.

- Feito!

- O quê?

- Concordo

- Você poupará Roma?

- Claro que não.

- Mas...

- Vossa Ungüência, vocês levaram trezentos anos para se converter e querem que eu me converta em três minutos? Dêem-nos tempo. Ainda temos uns bons cem anos de pilhagem pela frente até termos o bastante para nos tornarmos civilizados, talvez até cristãos.

- Seu, seu...

- Pode dizer. Bárbaro. Tenho a pele grossa, sem falar nos cascões de sujeira. Ruct! Epa. O seu gramático não me fez bem. Volte para Roma e diga que eu sou pior do que ela pensa, mais sujo, o que só aumentará sua virtude. E que ela não se preocupe: sempre haverá um bárbaro rondando as suas fronteiras para sua maior glória e indignação. Sempre há.

SHYNESS

Tirei um texto que estava no blog. Não vi nada demais nele e não entendo a interpretação que lhe foi conferida. Devo confidenciar que aqui, antes de tudo, estou preocupado em fazer algum tipo de literatura, nada mais.

Decidi retirar o texto pelo temor que a retórica do exagero causa em mim, sendo retomada, reaparecendo como um fantasma, meu lobo. Ela me é muito cara e estou cansado para demonstrar sua incoerência e ignorância. Gostaria que tudo fosse tão simples assim, qualificando um turbilhão de cores como exagero. Uma palavrinha, só uma.

Vou, novamente, citar Pedro Juan Gutiérrez. Estou lendo outro romance dele e anotando muita coisa, colhendo idéias. Na verdade, quando leio um autor, sou inteiramente dele. A citação merecia uma reflexão mais feliz e elaborada. Uma pena, mas perdi o tesão.



- Tem que se cuidar, Agneta. A gente se cuida, mas a possibilidade continua ali.
- De quê?
- De meter uma bala na cabeça.
- Oh.
- Às vezes, é terrível. A matéria-prima do artista é a sua vida. Isso é tremendo. Um escritor, por exemplo, tem de resolver sua própria merda. E tira coisa dali.
- Imagino.
- Uma pessoa normal larga a merda e segue em frente. Esquece. Uma pessoa normal se esquece de todas as merdas de sua vida. Das que fizeram com ela e das que ela fez com os outros. Deixa que essa merda toda sedimente e seque, e não feda mais. Mas um artista converte essa merda em matéria-prima. Material de construção. Faz esculturas, quadros, canções, romances, poemas, contos. Tudo fedendo a merda fresca.

ANIMAL TROPICAL

sexta-feira, julho 09, 2004

ANIMAL TROPICAL

Às vezes queria me retirar para um mosteiro e me afastar de tudo, mas sei que também não agüentaria tanta solidão. O passado, o presente e o futuro me esmagam. Tento controlar um pouco, mas é inútil. Nunca controlo nada. E continuo desenfreado e angustiado. Principalmente de noite. Corto as cabeças da hidra, mas surgem novas cabeças. Ao que parece, não há solução. Enfim, igual a todo mundo, tenho uma longa lista de conflitos, problemas, ódios, traumas e dores de cabeça de todo tipo. Tento esquecer e viver na pureza, mas não consigo. No fundo não quero. Viver feliz é uma ingenuidade. Às vezes, compreendo que vou arrastar isto tudo para sempre. São como tatuagens que se faz lá dentro e não se pode apagar. Ali estão para sempre. Fui respirando fundo e acho que afinal dormi de novo.
ANIMAL TROPICAL
pedro juan gutiérrez



A noite foi ruim, como eu esperava. Despertava afoito, pensando nos beijos que ela estava dando, e me concentrava em dormir novamente. Próximo das quatro levantei num pulo, assombrado por algum pensamento ruim que não me recordo, e corri para o banheiro. Vomitei bastante, até sair bílis esverdeada e amarga. Estava péssimo e exausto, fugindo do reflexo no espelho e buscando água, muita água. Pensei em tomar um longo banho, mas não encontrei vontade. Deitei no sofá da sala e liguei a TV. Adormeci.

Quando minha mãe chegou, eu já estava acordado e refeito do tombo, com a cara lavada e café pronto. Questionou-me quando eu tiraria as grossas costeletas que estou cultivando, pois ela enxergava neste visual uma figura pouco convidativa e social. Não respondi, mas entendi ser este o meu objetivo, obscuro e estranho. E nada de papo!

Almocei preguiçosamente e abri uma lata de cerveja, esquecendo do estômago em rebelião. Não conseguia deixar a cabeça em branco e ficava pensando em todas as mulheres que me apaixonei e em como isto acabou mal. Fiquei revoltado com o que estava acontecendo, não pelas mulheres, mas sim pela solidão filha da puta que eu me encontrava. Tinha muita vontade de chorar, mas não conseguia, sem saber se era orgulho, medo, pudor ou descrença. Com raiva senti meu rosto corar e comecei a ficar afoito. Corri para o quintal, apanhei umas bananas no caminho e fiquei sentado na grama, comendo sem sentir o gosto das frutas.

No meio da tarde saí para me encontrar com os rapazes que tocam comigo numa banda. Estamos com uma apresentação marcada para a próxima semana e nos reunimos hoje, discutindo repertório e organização do evento. Foi bacana. Abracei um amigo querido que foi promovido e aquilo me alegrou bastante.

Agora estou ouvindo Caetano cantando em espanhol. Impressionante como uma pessoa tão chata consegue fazer um disco tão bom! Caíram algumas lágrimas, poucas e pequeninas, envergonhadas. Café e uma dose de conhaque, mais Caetano, mais melancolia. Tocou o telefone e combino de ir ao cinema assistir um filme. Qualquer coisa. Preciso sair de casa.


quarta-feira, julho 07, 2004

EMPREITADA AMOROSA

Ella me daba la mano y no hacía falta más. Me alcanzaba para sentir que era bien acogido. Más que besarla, más que acostarnos juntos, más que ninguna otra cosa, ella me daba la mano, y eso era amor.
LA TREGUA
mario benedetti



Passei boa parte da tarde ouvindo Nelson Cavaquinho. Ouvi tudo que tenho, música por música, arruinado no chão do quarto entre três ou quatro volumes de sociologia que voltei a beliscar. Também estava entre nós o Animal Tropical, do Pedro Juan Gutiérrez, meu novo vício. E fiquei rolando, batucando na barriga e cantando os velhos sambas como se fossem meus.

Ontem recebi dois telefones deliciosos que me resgataram da nebulosa introspecção. O primeiro toque do telefone era de meu orientador, pedindo minha presença na USP na próxima semana. Estava amoroso e contente e falamos algumas besteiras antes de entrarmos na seriedade dos trabalhos acadêmicos. De forma geral ele me animou e disse que meu texto está interessante e original. Isso massageou meu combalido ego. E agradeceu o cd do Adoniran que lhe enviei.

O segundo telefonema também começou com assuntos científicos, mas logo descambou para a loucura amada concreta solitária sutil cruel estúpida do mundo contemporâneo. Uma doce amiga de Sampa, também historiadora, conseguiu me espantar o sono e ficamos tagarelando por um bom tempo. Contou novidades da capital e compartilhamos angústias acadêmicas, sempre tão humanas. Disse-me que está junto com outro colega numa empreitada amorosa, maneira estranha de contar que estavam namorando. Na verdade, nem é tão estranho, pois ambos são tão conscientes das ilusões do amor que a idéia de uma empreitada é bastante acertada. Eu, quando escuto esta palavra, me lembro da aventura portuguesa, se lançando ao mar em caravelas e vindo foder índios na Terra Nova. E desta empreitada se fez minha nação, de uma interminável fodeção antiética para enriquecer culturas alheias. Mas a empreitada deles é bem diferente, envolve risco, mas está entorpecida do gostar e de um auto-reconhecimento que me deixou emocionado. Bacana!

Hoje o dia foi estúpido e tudo o que eu queria era uma companhia para ir ao cinema. Como afeição é artigo raro nesses tempos, voltei ao meu mundinho de introspecção, sabendo que nestes limites esqueço da solidão e viro rei das minhas vontades. Pela manhã resolvi atender um pedido de minha mãe e comecei a organizar uns papéis que estavam espalhados por todo chão, buscando colocar uma ordem em tudo. Em vão. Despachei uma papelada para um congresso e voltei a mexer num artigo que estou trabalhando. Preciso publicar qualquer merda, urgente!

Agora estou aqui, como um ocidental civilizado, de banho tomado, navegando na internet. Descasquei um abacaxi e segui comendo a fruta até a acidez abrir feridas no céu-da-boca, me obrigando a cuspir sangue. E na minha revolta latina entornei um copo de cachaça mineira, presente de um amigo querido. Foi tudo, rasgando, riscando fogo! Não consigo mais ver muita graça na TV e acabo sempre me rendendo à música, alternando Miles com Cartola, Ira! com Ibrahim Ferrer, e por aí vai. Quando assusto já estou no meio da madrugada com os olhos ardendo de tanto ficar escrevendo no computador.

Nessas horas eu tenho muita vontade de sumir, perdendo tempo examinando uns guias de viagens. Absolutamente ridícula minha solidão e, na esteira, meu aborrecimento. Estou cansado do meu silêncio e do meu incômodo. Tudo que quero é respirar e respirar e respirar. Sair desta cidade infame, aumentar o volume do rádio e voltar a me sentir um homem gostoso.

terça-feira, julho 06, 2004

ALEGRIA ALEGRIA

Acabei de assistir o programa RODA VIVA que entrevistou o candidato à prefeitura da capital Paulo Salim Maluf.

Realmente o cinismo humano não encontra limites! E a política é uma arte de oratória! Fiquei impressionado, mais uma vez, com a capacidade que o Maluf conduz as situações, mesmo quando elas são desfavoráveis.

Minha raiva aumentava na medida que os jornalistas que compunham a banca de entrevistadores cediam aos gracejos intimidadores do velho político. Porra, o pessoal tinha que convocar artilharia pesada para pregar o Dr Paulo, e não aqueles idiotas vacilantes!

Esquentei a noite, pessoal! A cabeça está ligada, com milhões de idéias. Quero ver como vou conseguir dormir hoje...

segunda-feira, julho 05, 2004

LÍNGUA E CABEÇA

Eu tenho um coração
Eu tenho ideais
Eu gosto de cinema
E de coisas naturais
E penso sempre em sexo, oh yeah!

ALOHA
russo, villa-lobos, bonfá


Mais um final de semana alcoolizado, comportamento que já está se afirmando como tradição. Não acho ruim, mas também não morro de amores, só entendo ser estranho esta atitude de se entorpecer para soltar a língua e a cabeça, revelando o melhor de mim somente após duas ou três doses. Por enquanto é isto, com gelo e limão!

Domingo reforça mais o gosto da ressaca, com uma crueldade de incomodar multidões. Tentei assistir TV, ouvir música, ler poesia e cuidar da casa: tudo inútil. Fiquei o dia inteiro me arrastando com um sentimento de impotência desgraçado, sem inspiração, telefonemas, doses ou boa comida. Das muitas atividades que tenho acumuladas sobre minha mesa (e chão do quarto), nenhuma me agarrou e roubou uma vontade, mesmo pequenina. Corri das responsabilidades e, recostado na sombra da preguiça, deixei de pensar no mundo, nos outros e em mim, me apartando das virtudes e deslizes.

Na tediosa tarde eu só conseguia pensar mesmo em sexo.

Fiquei buscando referências nas noites, procurando me encontrar nas ruas e mesas abarrotadas de gente rindo e falando alto. Consegui me divertir na cumplicidade dos bons amigos de copo e idéias. Falamos, sobretudo, do futuro, discutindo Espanha, salas de aulas, Porto Alegre, carta de habilitação, mulheres e, como não, São Paulo. Isto me deu conforto, pois percebi que meus grandes companheiros estão enfrentando dificuldades e passando por todas!

Estou terminando o dia ouvindo Miles e prometendo começar um milhão de coisas nesta Segunda. Acupuntura, ginástica, entregar currículos, estudar cavaquinho, beber menos, dentista, trabalhar mais, visitar amigos... Promessas! Vou aliviar em algum ponto, conhecendo minha inclinação para os desvios de planos e condutas. E até o feriado eu equilibro a acidez do estômago e o vazio da tarde. Com gelo e limão!

quinta-feira, julho 01, 2004

O TEMPO NÃO PÁRA

Exagerado
Jogado aos teus pés
Eu sou mesmo exagerado
Adoro um amor inventado.

EXAGERADO
cazuza - ezequiel neves - leoni


Fui no cinema assistir o Cazuza – O tempo não pára. Fiquei passado. Gostei do discurso do filme e da maneira que o Cazuza foi reconstruído, emocionado com a interpretação que o ator Daniel de Oliveira colocou na telona. Soou meio saudosista, mas tudo bem, gosto de carinho e de cinema.

Voltando pra casa fiquei pensando em tanta coisa que valeria contos ou crônicas... Preciso começar a andar com um gravador de bolso para registrar idéias. Lembrei das coisas que estão acontecendo comigo e na rapidez que tudo vai passando, sem reprise. Gosto de imaginar as luzes dos carros riscando rodovias, tingindo as madrugadas na estrada. É bom. E como esta imagem me conforta, tento ver a velocidade dos eventos da minha vida assim, riscando o escuro, emprestando suas tonalidades, explodindo como sangue, lágrima e porra. O tempo não pára.

Desta última passagem por São Paulo comprei três guias de viagens, dois de Porto Alegre e um de Belo Horizonte. Vontade de ir embora.

Só que meu desejo do dia é um toque de telefone. Como seria bom conversar com um bom amigo! Falar das bobagens cotidianas, da imagem do Saddam, da eleição de São Paulo, dos nossos empregos cansativos e de sexo. E conversar sem os limites da culpa, do erro, da crítica e da infelicidade.

O que sinto é que parece um crime sonhar em ir além, exagerar, berrar, derrapar e tentar, mesmo neste endereço virtual, expressar beleza e coração nas palavras. O tempo vai passando e existe uma idéia geral contra nosso pensamento livre e felicidade (bem) íntima. E não estou falando de nenhuma teoria da conspiração, é só permanecer atento, respirando, desperto e com a cabeça aberta que esta estupidez também vai se mostrar.

Não posso oferecer mais do que sou. Durante muito tempo acreditei em pessoas que diziam ser meu exagero uma tolice, erro e perda de tempo, aceitei isto como um espinho na garganta ou veneno na jugular. Ainda vacilo, mas sei que estas são as minhas conquistas e armas, e são delas que consigo tirar minha essência, vida, mancadas, alegrias e muita vontade de beijar.

Por enquanto não sei o que fazer e nem por onde começar, mas entendo que é o momento de ler bons livros, fazer planos e ouvir Cazuza.

RECEITA DE BOLO

Vuela, vuela bien alto sus ambiciones,
sueña hallarle a su vida las soluciones
desterrar la miseria de sus rincones
techo y cobijo sin privaciones...
Vuela, vuela bien alto, paloma herida,
vuela, vuela si quieres cambiar de vida,
vuela antes que la noche cubra tus días
paloma mía! Paloma herida!

LA VILLERITA
horacio guarany


Resolvi deixar minha pesquisa descansando por uns dias, duas semanas ou mais. Tenho muita coisa para fazer ainda, mas pretendo deixar os pensamentos assentarem e observar tudo, depois de passado o tempo, com os olhos do interesse.

Vou aproveitar a separação para embalar minha barbárie com maior atenção. Sonho escrever um ensaio de tiro curto, sem citações ou entraves do ofício, mas com muita liberdade e sede, cercando um bicho e esperando meter os dentes em sua pulsação.

Passo a receita do bolo. E vou com todo desejo que há neste mundo.

SANTOS, Milton. Por uma outra globalização. Do pensamento único à consciência universal. Editora Record, Rio de Janeiro / São Paulo, 2004.

SEVCENKO, Nicolau. A corrida para o século XXI. No loop da montanha-russa. Companhia das Letras, São Paulo, 2002.

HADDAD, Fernando. Em defesa do socialismo. Por ocasião dos 150 anos do Manifesto. Editora Vozes, Petrópolis, 1998.

MATTÉI, Jean-François. A barbárie interior. Ensaio sobre o i-mundo moderno. Editora da Unesp, São Paulo, 2002.