terça-feira, janeiro 25, 2005

NON DVCOR DVCO

Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.

O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.

O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.

Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus,
se sabias que eu era fraco.

Mundo mundo vasto mundo
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.

Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.

Poema de Sete Faces
carlos drummond de andrade
É sábio ser prudente e cauteloso, silencioso e pequenino, humilde e econômico. É sábio saber de tudo isto e continuar, apesar de tanta pobreza, com o coração disposto ao momento de contemplar uma madrugada eremita como esta.

É sábio continuar escrevendo.

No mundo jovem caduco que tenho vivido, me foi censurada qualquer oportunidade de lamento, pois a ameaça da retórica do exagero sempre está disposta a retornar ao meu repertório. E dela eu me escondo assustado, assim como tenho medo da polícia, do bandido, do sorriso, da vida.

Nem lamentar.

Hoje é o meu aniversário. Como bom conservador, não vou mexer com a tradição e estarei, logo, ouvindo Envelheço na Cidade. É o máximo de regalias que me permito. E não por motivos canhestros como a sombra do anjo torto ou a visita do demônio do meio-dia. Fico apenas com a canção do Ira! porque faltou entusiasmo e sobrou preguiça.

(E tudo que eu gostaria de escrever é silêncio. Nada além de silêncio. Tudo que seja silêncio.)

Pela manhã vou caminhar para encontrar com o Sol. Cada passo, cada esquina, cada respiração: cada coisa em seu momento. E mesmo experimentando o esquecimento (mais de ser esquecido), a memória (de olhar com estranhamento uma antiga fotografia) e o pudor (não freqüento os mesmos lugares que antes), gosto de fazer o mesmo caminho. Dobrando a esquina, vou me cansando, correndo até onde os pés me levam.

E onde vamos?

quinta-feira, janeiro 13, 2005

A evolução das espécies

Decidindo renunciar ao estado, o sujeito se vê, com tristeza, exilado de seu Imaginário.
Fragmentos de um discurso amoroso
roland barthes
Acho que perdi o jeito” – penso, olhando minhas mãos brancas e vazias. Vazias de fé e de acontecimentos.

Passou a ansiedade, o vento, o Viaduto Santa Ifigênia e a visão do paraíso. Passou a estrada de terra, a escadaria branca, o mingau de aveia, a canção de torcer o espírito. Passaram as galeras de amigos, as moças bonitas, os motes de poesias, as estantes de livros. Passou tanta poeira, tanta dor, tanto esquecimento.

Que hora é agora? Que tempo faz? Que vida bate?

Passou tudo, menos o exílio que não é da terra, da fonte, do pensamento. O exílio é um pedaço do sentimento, pequeno e avarento, só que forte o bastante pra nos forçar pequenos e avarentos. Ele deforma nosso rosto com tantas ponderações, hesitações, competições. Silencia a criação, assim como deturpa a falta que a gente sente, transformando a saudade numa coisa grotesca e não mais numa preciosa lembrança.

Agora estou tão pequenino e retorcido que mal posso carregar minhas memórias, antes estocadas num baú enfeitado que eu guardava no coração. E na evolução das espécies, eu aprendi o mais novo truque: engolir em seco.

sexta-feira, janeiro 07, 2005

Um acanhado ensaio OU Confissões de Sto Agostinho OU Três vezes comédia

Para conversar
Nunca é muito tarde pra ligar
Ele pensa nela
Ela tem saudade
Mesmo sem ter esquecido que
É sempre amor, mesmo que acabe
Com ela aonde quer que esteja
É sempre amor, mesmo que mude
É sempre amor, mesmo que alguém esqueça o que passou.
Mesmo Que Mude
bidê ou balde
Antes de tudo, quero começar com uma confissão: está difícil gostar do que estou escrevendo. Não sei se o motivo é a atual dedicação ao meu texto de dissertação, que toma qualquer energia de pensamento, ou o punhado de blog’s bons que tenho encontrado na rede. Coisas muito boas, bem escritas, de fazer chorar ou gargalhar. Enfim, estou cheio de pudores com estas palavras.

(Sei que passa.)

Outra confissão: faz uma semana que fechei em cima de uma idéia para um texto. Ela está me consumindo, não é exagero, pois rouba um pouco do meu sono, da minha reflexão na caminhada, do assoviar ao cozinhar. Fico pensando, escrevendo mentalmente, relembrando poemas, de coisas que li ou escutei. Quando resolvo parar de riscar meus bloquinhos e estruturar qualquer coisa, de crônica ao epitáfio, mergulho na vergonha, na incapacidade ou no desânimo. É estranho, é humano.

Eu quero escrever sobre amor.

Numa avenida movimentada perto da minha casa apareceu uma nova locadora de filmes. Funciona 24 horas, tem um cafezinho bacana e um bom estacionamento. Antes do Natal, naquelas tardes quentes de fazer memória, entrei pra conhecer e, quem sabe, alugar minha diversão da noite. A oferta era grande, mas só encontrei títulos de blockbouster, com Beleza Americana na prateleira dos Cult’s. O menos ortodoxo foram duas fitas do Almodóvar que já tinha visto no cinema. Saudades dos tempos de Sampa.

Tinha desistido, caminhando pro café, quando recebo um cutucão nas costas. A Juliana conseguiu me fazer alugar Harry Potter só com o sorriso de seus olhos claros (vejam se isto é possível: olhos sorrindo?). Uma pequena morena dos olhos d’água, tal qual a música do Chico, vestida com o jaleco da loja. E dali já assisti até o filme do Garfield!

Está muito difícil dormir, e não se trata das grandes questões metafísicas que destroem os meus Domingos; está difícil dormir com tanto calor, com o compromisso da minha defesa nas costas, com a conta bancária no vermelho e com tanta música legal que ainda não consegui escutar. Afinal, as minhas madrugadas são pra isto, fazendo valer o café do dia seguinte. No entanto, eu não contava com estas novas reflexões marotas. Dei pra ficar pensando numa amiga de uma forma muito especial.

Engraçado saber que ela não desconfia de nada, pois jamais derrapei em uma pista, piscadela, flerte ou bobagens que a gente diz quando se entope de cerveja. Só se, como no caso da morena da locadora, os meus olhos me entregam e desatam em sorrisos. Acho pouco provável qualquer desconfiança, pois eu tenho tomado cuidados. Ela namora.

As mensagens continuam chegando, de todos os lados, dos sete mares, quatro pontos cardeais e dos dois pólos. Li no blog de uma amiga um texto bom com uma imagem impressionante: um besouro de pernas pro ar, se debatendo, tentando se virar desesperadamente. Minha amiga tremeu ao perceber a metáfora perfeita. Eu não só tremi como desisti de fazer qualquer coisa que me lembrasse quem eu sou naquele dia. Andei horas de bicicleta sem nada na cabeça, cheguei em casa exausto e desabei na cama. Nem jantei e nem dormi. Esqueci.

A diversão fica por conta das boas notícias que se alojaram aqui na minha mesa de trabalho, no meio dos livros, misturando os cds. O mestrado está andando, não na pressa que eu gostaria, mas indo. E dentro de poucos meses já vou estar escrevendo os Agradecimentos da dissertação. Que delícia é ter pra quem agradecer de coração, de chorar emocionado. Será que é muito tolo e brega expressar gratidão ao Roberto Avallone por salvar minhas noites de Domingo?

O som dobrado informa, sim senhor, como está o humor aqui no exílio. Saibam que baixei o novo trabalho do Bidê ou Balde, É Preciso Dar Vazão Aos Sentimentos, e fiquei viciado. É só a melancolia apontar na esquina que eu aumento o volume e fico pulando em meu quarto. Lógico, com a porta bem fechada. E a promessa foi feita: o primeiro salário do novo emprego vai para os três cds originais dos gaúchos. Faço questão de pagar esta conta!

Só agora vi que não consegui escrever uma linha sobre meu amor insone. Problemas. Ou consegui, mas de outras maneiras. Quem sabe? Ou talvez seja o momento de aceitar que amar é muito mais complicado e muito mais simples do que eu tento imaginar ou escrever.

segunda-feira, janeiro 03, 2005

As Invasões Bárbaras

Escuta, eu não quero contar-te o meu desejo
Quero apenas contar-te a minha ternura
Ah se em troca de tanta felicidade que me dás
Eu te pudesse repor
- Eu soubesse repor -
No coração despedaçado
As mais puras alegrias de tua infância!
O Impossível Carinho
manuel bandeira
Um início e eu estremeço. Não tanto pelo começo, pois adoro abrir novos caminhos e amizades, mas, sobretudo, pelo final. E em 2004 tremi como bambu verde enfrentando os finais que a vida me colocou. Poucos finais.

Li muita coisa bonita em alguns blog’s que acompanho com apetite sobre o ano passado. Todos saudavam os dias anteriores e, como não, os próximos. Devo mesmo ser um cidadão combalido com alguma doença congênita na alma, pois não consigo ser tão paciente e complacente com meus próprios deslizes. De qualquer maneira, tirei o pé do acelerador e decidi ir com mais calma; eu não posso continuar vestindo a pele da besta para ser o meu lobo.

2004, o que dizer? Foram bons dias em família, com todo mundo saudável e procriando (sim, novamente estou ficando pra titio). Bons dias também na prateleira acadêmica, pois aprendi alguns truques e trejeitos na minha qualificação e nos congressos que participei: entendi que no balcão do mundo intelectual existe espaço para grandes e generosos pensadores (o que senti entre os professores que me aplicaram a sabatina no exame de qualificação) e para gênios pequenos e mesquinhos, especializados em estudar muito e cadastrar colegas como inimigos. Teve também as grandes alegrias experimentadas por amigos íntimos que casaram, encontraram novíssimos amores, conquistaram bons empregos, compraram carros e alugaram apartamentos. O pessoal está ficando velho, ou melhor, mais amadurecido. Assim, os banquetes oferecidos pela vida são bem mais caros e raros, mas em contrapartida são muito mais saborosos. Até aqui não há como negar: que delícia foi existir em cada um dos dias de 2004!

O incomodo aparece no fisgar das cicatrizes, arrependimentos e despedidas, afinal este também foi o ano das invasões bárbaras. E obviamente eu não falo do filme.

Uma pancada aqui, outra pirraça acolá: tanto tempo perdido! Não é pra lamentar e nem para oferecer uma genealogia dos meus desastres íntimos; vale apenas dizer que este foi o ano do cansaço, da ressaca, da vontade moribunda. Sem pódio de chegada e nem beijo de namorada. E solidão, medo, incapacidade, injúria, rouquidão e impaciência... Tantas palavras para dizer saudade.
Mas deixar estar, pois é agora que devo me vingar, e derramar sobre esta angústia a minha alegria retida - quase uma ira - a minha canção, o meu encantamento. E na ocupação desta barbárie vou instalar meu anarquismo tosco dos poemas mal lidos, das mulheres mal amadas e vida mal vivida. Delirar nos acontecimentos, anotar em meus livros e gritar “eu te amo” sem o peso de paixão mal resolvida. Daí a gente acerta os ponteiros e, com lágrimas e gargalhadas, volto aos textos de Nelson Rodrigues que eu nunca mais reli.