sexta-feira, fevereiro 17, 2006

Radicais Gregos

Alfa – Nossa, no meio da tarde e você já está com este bafo de whisky! E olha que ainda é quarta-feira...

Beta – Que nada! Caiu um pouco de bebida na camisa, daí ficou este cheiro...

Alfa – Sei. Seu carro também, hein! Não lava mais?

Beta – (...putaqueopariu...)

Alfa – Começaram as aulas?

Beta – Oui...

Alfa – Está gostando?

Beta – Está tão bom quanto uma bosta bem grande e fedida, exposta ao Sol.

Alfa – Porra! Mas você não gosta de nada?

Beta – Você não perguntou?

Alfa – Mas precisa responder assim?

Beta – (...putaqueopariu...)

Alfa – E cinema?

Beta – Sem tempo.

Alfa – Nadica de nada?

Beta – Só em vídeo. Mas pra assistir em casa é complicado, acabo sempre dormindo.

Alfa – E a Cláudia? Tem visto a moça?

Beta – Não... E faz tempo.

Alfa – Mas vocês não estavam saindo?

Beta – Pra você ver...

Alfa – Caramba... Mas você tá numa inhaca! Vai tomar uns passes.

Beta – Prefiro uns gorós...

Alfa – Dá barriga!

Beta – Vai pra puta que te pariu!

quarta-feira, fevereiro 08, 2006

Um retrato no fundo da gaveta

Me deixa louco por saber que não estou
onde há pouco eu reinava, como num salão,
beijava-te a mão
e éramos dois a rodar, e rodar, e rodar
Dois a Rodar
Mauro Motoki

Escrever. Engodos, debates e impasses provocados pelo
desejo de “exprimir” o sentimento amoroso numa “criação”
(particularmente de escrita)
Fragmentos de um discurso amoroso
Roland Barthes


Minha vontade é ficar apenas nas citações, capturando cada canção e novela que me toca. É sobre-humano amar, diz uma música cantada pela Zizi. Podemos e devemos desconfiar de tudo, mas não hoje. Esta tarde é minha e quero ter nela meu instante de sensibilidade. História das mentalidades.

Pela noite tem show de rock´n´roll. Vou rodar os quarenta quilômetros da rodovia, lanterna ligada, som na cabeça. Vou. Roupa leve, calça desbotada. Encontro um lugar tranqüilo e fico bem com duas ou três latas de cerveja.

Lembro de algumas coisas; outras, inevitavelmente, esqueci. De seus olhos eu recordo bem, como dois faróis d’alma, rompendo meus medos, desarmando a vida. A fim de ficar entre seus rins.

Coladinho.

Estranho é que o mundo não mudou. Fomos amantes e quase amigos. Quase deu certo. E meu rosto foi se moldando ao tempo, sulcado, manchado e com novas marcas. Nada superficial.

Calado, e como não estar? Tudo bem, tudo bom. Ainda ouvindo as músicas do Ziggy Stardust, perfumando o quarto com sândalo e com a mesma mania de deixar bilhetes dentro de livros. Ainda vai embora em silêncio?

Como uma homenagem aos nossos momentos e todas as canções. Como um mistério.

Não tem fim.

segunda-feira, fevereiro 06, 2006

Carro de Boi

(Havana, Ernesto Bazan)


Whisky no final da noite. Pedras de gelo.

Nora Ney cantando Antônio Maria. Antes estava, estatelado na cama, cantarolando João Pacífico. Músicas baixinhas, lendo um pouco de literatura com muita preguiça, mas sem sono. Até o carnaval vou me arrastando, deixado o corpo descansar e as idéias se acalmarem, sem pressa. Depois penso em escrever um ou dois artigos (que vou tirar do texto da dissertação) e planejar um congresso. Doutorado, se vier, só no final deste ano.

Pego o carro e vou dirigindo pelo sertão. Agora, como trabalho em outra cidade e estou visitando faculdades da região, passo um bom tempo na estrada. Vou escutando Luiz Gonzaga. Boldrin, Cartola, Chico Buarque e Jamelão. Elis também, sempre bom. Deixo por lá uma garrafa com água e um cantil, destes metálicos de bolso, para o whisky. Ganhei de aniversário de um amigo.

Gosto das cidades pequenas, com suas ruas estreitas e pessoas envelhecendo nas praças centrais. Praças com coretos. Gente passando de bicicleta, sorveterias de esquinas, velhos usando chapéus. Bom é estacionar numa rua tranqüila e caminhar algumas quadras, procurando um lugar para beber um café. Café no coador, servido em pequenos copos de vidro.

Bom é encontrar um acanhado restaurante, quase escondido entre as casas, onde se serve comida caseira e pastéis de carne. Salada e pimenta. Depois alargo a calça e fico olhando fixo para algum ponto, mas sem nenhuma atenção. Sono e um sentimento largo de desprendimento para com as coisas do mundo, quase que uma vontade de esquecer, partir, sumir. Pena que fumar me faz tanto mal...

Acelero. Vou ouvindo o saxofone perfeito do Meirelles. Samba-Jazz. Calor, mesmo com as janelas abertas e o vento forte, vou dirigindo até minha casa. Desta vez vou devagar. Hoje quero ficar na estrada e ir até a outra cidade e depois outra, e outra, e outra, e outra...

Sozinho. Por vezes eu falo sozinho.

Lembro da conta no banco e das dívidas que insistem em preservar seus vencimentos. Não tenho dinheiro para a gasolina, para os pedágios, o café. Um pouco de realidade e desligo o som; dirijo o resto do caminho em silêncio.

Penso. Gostaria de ser diferente. Se tivesse um bom dinheiro estaria agora dirigindo até Porto Alegre ou Belém, Garrafa d’água e o saxofone do Meirelles. Talvez eu mude pra São Paulo, talvez eu adote Cordeirópolis. Talvez eu suma do mapa.

Talvez.

sexta-feira, fevereiro 03, 2006

Lost in Translation

Virtù contra furore
Prenderà l’arme; e fia el combatter corto,
Che l’antico valore
Nell’italici cor non è ancor morto
O Príncipe
Niccolò Machiavelli


Semana longa. Fico feliz que ela tenha terminado. Como recompensa me dedico ao prazer: jurupinga temperada com gelo, narguilé abastecido e um cd bacana de uma banda gringa: Phoenix. Não sei da noite e nem estou preocupado. Carrego uma sincera vontade de desaparecer por uma temporada.

As aulas já começam. Nem bem coloquei o ponto final no texto da dissertação e já me sujo com pó de giz. Literalmente. Estou muito cansado para lidar com alunos, com professores, pedagogas e pais. Existem momentos que entro em pânico quando me lembro que vou lecionar para crianças e adolescentes, enfrentando problemas com autoridade. Não sei se nasci para isto.

Estive na USP terça-feira passada. Muita emoção, não apenas porque fui depositar os exemplares da dissertação e marcar o exame de defesa, mas sim pelas lembranças. Sentia-me em casa e, ao mesmo tempo, distante. As pessoas mudaram muito, os prédios e bibliotecas também, assim como São Paulo estava confusa e indiferente. Estou com medo de não conseguir voltar para a academia e de continuar isolado do debate e dos livros. Estas coisas realmente fazem falta, não é discurso.

Passar pela cidade, pela universidade e pelos corredores de minha faculdade mexeu com meu coração. Fiquei emocionado, mas também acuado. Uma crise de pertencimento, acho, fazendo valer meus estudos de mestrado. Difícil compreender, mas sei que vou passar por um tempo de confusão e solidão. Sem problemas: colecionei alguns bons autores, poemas e canções. Só que o medo persiste, forte e pulsante, querendo se tornar uma certeza.

Justo agora que não consigo ter certeza de coisa alguma!

Dúvidas e doses generosas de bebida. Não faço um bom coquetel e nem boa companhia. Os personagens da literatura são mais interessantes e engajados na vida do que meu cotidiano. Sem pressa. Nunca fiz o tipo de galã.

A saída é a mesma que venho utilizando nos tempos de ausência de sonhos e projetos: montar meu cavalo cansado e partir atrás dos moinhos de vento. E apesar do desencanto, acabei aceitando que esta é a minha maior habilidade. Sem hesitação, dia após dia, caminhando. Irremediavelmente

Eu sei.