quinta-feira, dezembro 23, 2004

Coração sujo

A pior forma de solidão é a companhia de um paulista.
nelson rodrigues
Caminhar no centro da cidade com várias sacolas nas mãos. Um livro, uma camisa de futebol, uma boneca... Presentear.

Parada estratégica para beber café e esticar as pernas. Tiro o anel do dedo e fico brincando com ele, rodando no tampo da mesa, observando seus movimentos. Desisto das idéias complicadas e, cansado, deixo-me levar o pensamento. E de repente sinto-me estranho naquela cidade, naquele centro, carregando os presentes. Estranho no próprio corpo e na cor dos cabelos, no gosto do café, na umidade do ar. Estranho.

Penso em meus bons amigos, tão perfeitos e completos. Na minha cabeça eles nunca vacilam, e quando flertam com alguma indecisão fazem isto com charme. E o charme é individual, intransferível. Compreendo tudo isto com um pequeno sorriso e acho estranho que eles sejam meus melhores amigos. Somos tão diferentes.

Olhando para a rua vejo pernas correndo, tentando fugir da chuva que começava a se armar. Quando o céu, enfim, desaba, o clima fica abafado e as pessoas começam a falar mais alto, competindo com o barulho da chuva. Novamente estranho, pois não sinto nada.

Uns quarteirões até o carro e me livro das sacolas. Decidi andar na chuva para atiçar a sensibilidade da minha pele, deixando tocar pela água e pelo vento. Continuo pensando nos amigos e nas distâncias que nos separam, tentando esquecer destas idéias, sufocá-las. Não tenho certeza, mas creio que estou cansado disto.

Volto pra casa amuado. É horrível se sentir tão desligado do ambiente, do cheiro das ruas, do clima de chuva. É terrível se ver apartado dos sonhos dos amigos que sempre me deram significados. E é doloroso esquecer dos desejos e inspirações que estiveram no melhor de minha vida.

Ainda lembro

O amor comeu o meu nome, minha identidade, meu retrato
O amor comeu a minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço
O amor comeu meus cartões de visita
O amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome
O amor comeu minhas roupas, meus lenços e minhas camisas
O amor comeu metros e metros de gravatas
O amor comeu a medida de meus ternos, o número de meus sapatos, o tamanho de meus chapéus
O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de meus cabelos
O amor comeu meus remédios, minhas receitas médicas, minhas dietas
O amor comeu meu Estado e minha cidade
O amor comeu minha paz e minha guerra, meu dia e minha noite, meu inverno e meu verão
Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte!
Os Três Mal-Amados (fragmento)
João Cabral de Mello Neto

Existen amores y amores. Una de esas clases de amor es el amor ciego e idealizador en el que, más allá de la relación sentimental, se piensa en la otra persona como el ser más caritativo, bondadoso y humano del planeta. Pero el sentimiento que nos colma no hace sino engañarnos, y prueba fehaciente es el desengaño posterior. Mi actual desengaño, si puedo decirlo. Mi desgarrador desengaño.
Amores, desengaños y lágrimas
Muriel

Por isso que a vida é sempre mais emocionante que a ficção! No momento opto pela vida e suas maluquices!
Parei de escrever, parei de inventar, parei de me excluir do mundo e ficar viajando na frente das teclas sujas do computador.
Até entendo porque antes preferia ficar na ficção. É dolorido e arriscado!
Frustração
Bia

sexta-feira, dezembro 17, 2004

As Incríveis Histórias do Futebol II

Nos anos 40, comecinho dos 50, o mais famoso Bailarino foi, sem dúvida, Ponce de León, o artilheiro dos cabelos de fogo. Ponce, goleador do São Paulo, e depois, campeão da Copa Rio pelo Palmeiras, em 1951, encerrou a carreira bem mais cedo do que se poderia supor. Dizem que por causa da noite.
As incríveis histórias do futebol
roberto avallone


Casamento chique, com igreja coberta de flores, trompetes anunciando a entrada da noiva, violinos arriscando Vivaldi e meu surrado terno. A gravata florida quebrava um pouco da sobriedade da minha figura, emprestando uma lembrança de “golfinhos de Miami” ou coisa parecida. Suava litros.

Depois da igreja o convite indicava a festa num grande salão da cidade. Promessa de Bohemia gelada, gravata afrouxada e partimos. No caminho fiquei pensando na cerimônia e em tudo o que aprendi na faculdade sobre ritos de passagem. Gostei de lembrar daquilo. Eu estava celebrando o casamento de um amigo com um bando de conhecidos, alguns queridos, outros nem tanto. E estava suando mesmo.

Na entrada do salão de festas, enquanto eu apertava a gravata e começava a imitar o Silvio Santos, recebo um toque nas costas. Era a Luciana!

(Luciana vale uma pausa. Conheço esta mulher faz um tempo, coisa de três anos. O caso clássico de “amiga do meu amigo”. Trombamos em alguns churrascos e bares, cruzamos olhares e trocamos poucas – mas boas – palavras. Pós-graduanda em biologia, gosta de cerveja e tem belos olhos. A torcida se agita e pede bis.)

Na cabeça a estratégia era bem simples: flerte contínuo, cerveja, desembaraço, dança, papo furado e ataque. Sou muito tímido, mas adoro estas jogadas de sedução, de estratagema do xadrez, avanço, defesa. Comecei a beber!

Depois de duas horas eu já estava aquecido e a banda, quase percebendo meus desejos, começou a tocar um repertório animado. Canapés, Ray Conniff e coquetéis de vinho eram coisas do primeiro tempo; partiu o Ademir da Guia riscando o veludo verde!

Nessas horas somos todos crianças. Os olhos brilhavam, faróis, e meu requebrar, um misto das pernas tortas do Garrincha com a mobilidade do Chandler Bing, chamava atenção. Segurança, cabeça erguida, concentração e espinha ereta: momentos de decisão. A banda arrebenta com os acordes iniciais do sucesso Anna Júlia.

- Nossa, eu amo esta música!

(Era a deixa, a lacuna, o espaço na zaga. Na malandragem recordei a letra inteira da canção.)

- Uhhhh... Eu também adoro Los Hermanos!!!! “Quem te vê passar assim por mim, não sabe o que é sofrer / Ter que ver você assim / Sempre tão linda”; já sussurrando em seus ouvidos.

(Refrão chegando e eu precisava de um drible. Momento de provar ser craque!)

- "Oh Luciana... ah...ah..."; e a galera vai ao delírio! Que lançamento! Nem eu acreditava na rapidez da jogada que fiz. Palmas!!!!

(Boca a boca. Já sentia seu hálito, respiração e contorno do corpo. Finalmente os merecidos louros da vitória, até que...)

...entra de sola o amigo Roberto, gigantesco e bêbado, feliz, ébrio, contente. O Abominável Roberto das Neves cortou o lançamento e, rasgando, se colocou rebolando entre nós dois. Casamento. Rito de passagem. Bohemia na faixa. Ele tinha mesmo o que comemorar.

O problema aqui é essencialmente etílico, pois todo bêbado tem aquela mania brasileira de abraçar os comparsas, felicitar os amigos e extravasar emoções. Roberto fez isto com a gente no momento do beijo, ou quase-beijo, ou nunca-beijo.

Fiquei macho e parti pra cometer uma falta, mas até nisto o amigo foi mais rápido. Entornou um copo cheio de whisky (12 anos, é claro!) no vestido da moça. Corpinho encharcado de revelar marca da calcinha, embaraço e um olharzinho de reprovação. Nunca acompanhei com tanta apreensão uma corrida ao toilette feminino.

Robertão serviu mais uma cerveja, nem reparou o seu deslize e tocou a bola pra frente. Nada mal, pensei. Peguei o copo, tomei um belo gole e sorri, envergonhado, com o canto da boca.

Não fiz o gol, mas a jogada foi de craque!

terça-feira, dezembro 14, 2004

As Incríveis Histórias do Futebol

Dois meses de acupuntura e medicina chinesa. Ioga e suco de abacaxi.

A assistente da médica é uma princesa. Dois meses observando Mariana com sua saia branca, cabelos castanhos ondulados e unhas dos pés pintadas. Desejo, libido, perfume, flerte – léxico da moda no manual do intelectual dos trópicos.

(Após dezenas de agulhas, som new age e minutos esticado na esteira oriental coberta pela penumbra, ela aparece para retirar as picadas.)

- Oi.
- Olá, tudo bem? Hoje parece que ela judiou de você!
- Pois é, muita dor nas costas... Já viu...
- É mesmo.

(Impulso provocado pela remoção de uma agulha, acúmulo de ácido lácteo ou alma deslavada. Invisto na clássica estratégia.)

- Você me é muito familiar, tenho certeza que lhe conheço. Onde costuma sair nos fins de semana?
- Eu saio pouco. De vez em quando vou para alguns lugares em Piracicaba.
- Hum...
- Mas a gente deve se conhecer no cotidiano da cidade mesmo. Sempre vejo você andando pelas avenidas, principalmente a da padaria Roma.
- Pois é, se eu não ando meu trabalho não anda... É um vício...

(Ponto! De alguma forma ela já me conhecia, já me observou e tinha registrado meu hábito das caminhadas reflexivas. É aguardar a próxima semana e ensaiar um convite.)

*

(Barba aparada, uma dúzia da agulhas no lombo e os conselhos do general chinês Sun Tzu e do professor Emerson Leão na cabeça: ao ataque!)

- E o namorado?
- O namorado... Ele está bem. Você conhece o Beto?

(Chute no saco ou entrada desleal de zagueiro. Drible do Beto Bom de Bola debaixo das canetas e permaneci de cócoras, sapateando na ponta da área. Baixou o Roberto Avallone.)

- Eu? Eu não, exclamação!

Maresias

Hoje é o dia
Eu quase posso tocar o silêncio
A casa vazia
Só as coisas que você não quis
Me fazem companhia
Eu fico à vontade com a sua ausência...
Eu já me acostumei a te esquecer

Tudo que vai
Deixa o gosto, deixa as fotos
Quanto tempo faz
Deixa os dedos, deixa a memória
Eu nem me lembro mais

Tudo que vai
Dado Villa-Lobos e Alvin L


O debate continua e estou muito confuso, perdido e estéril. Não consigo opinar com minhas frases curtas e olhos semi-abertos. Aos que estão longe é dada a impressão da serenidade, mas eu conheço meus demônios. Funciona como se a vida estivesse suspensa, esperando a posse de uma nova diretoria. Não há pronunciamentos ou invasões, só o calor do Sol espalhado no terreno, tingindo paredes brancas e árvores secas.

Contudo, não é uma má vida.

Só o uso do condicional que me humilha, como se tudo dependesse apenas dele. Novamente sinto que se pudesse tudo seria diferente, o que estala ou meu engano ou minha impotência. Tanto tempo perdido estampa a incerteza: valeu a pena?

Da janela tenho o Sol. Um canto de pássaros aqui e acolá, num estéreo nativo. O mar condensa as coisas com sua alternância de espíritos e barulho constante, alto e cheiroso, fresco e corrosivo. É bom sentir a areia nos dedos queimando, sentir o gosto do sal nos lábios e a quietude da paisagem que rouba a janela.

É bom ver o mar dividindo o horizonte e explodindo nas pedras, numa luta de titã grego que eu só posso recuperar em livros.

Ainda há o silêncio. O silêncio no preparar o chá, na trilha das formigas e no espreguiçar das árvores. E como estou presente nisto, me emociono com lágrimas envergonhadas, também silenciosas.

(Uma emoção de não poder estar aqui com você.)

Não sei quanto tempo ainda vou passar por estes dias. Gostaria de um telefonema para ouvir sua voz e saber como anda o trabalho, se o Chico lançou um novo disco, se está fazendo frio aí. Falta coragem, falta atitude, falta vergonha.

Falta você.

quarta-feira, dezembro 08, 2004

Saturday Night Live

Final de semana estranho...

Casamento e muita cerveja. Só notei quando vi que estava sozinho na mesa, resmungando pra uma garrafa de Bohemia.

Aluguel de DVD`s. O Outro Lado da Rua, que não agradou muito o juri; O Anti-Herói Americano, impressionante, maravilhoso e tudo o que eu precisava assistir naquela tarde vazia.

(Tarde Vazia que nem de longe lembrou a do Ira! - ela não ligou.)

Noite: quitutes da Zifa, escondidinho de carne-seca e mais um engradado de cerveja. Mamãe está implicando com a minha barriga e eu estou começando a desconfiar que ela deve ter lá sua razão.

Domingão é uma bala perdida. Fui passear e vi uma ex-namorada com seu novo macho. Engoli a saliva e, como um aleijado, senti o membro amputado.

E na madrugada tive dificuldade para dormir. Muito calor. Liguei a TV para assistir qualquer coisa, não importava.

sexta-feira, dezembro 03, 2004

Ouvindo João Gilberto

Maria
O teu nome principia na palma da minha mão
E cabe bem direitinho dentro do meu coração.
Maria
ary barroso e luis peixoto

(É pra você, pensando em você, curtindo você, torcendo por você).

quinta-feira, dezembro 02, 2004

Gommes Assorties D'Amidon

Alguns telefonemas, boas distâncias na bicicleta e muita garrafa d’água: já se foi a semana! E nesta hora, começando Dezembro, que me dou conta que 2004 também acabou, assim como as minhas aulas de Geopolítica e as leituras do mestrado. Agora é escrever o texto final e arrumar um emprego.

Alguém está precisando de um idiota diplomado?

*

Já faz um tempo, li no blog da Cris um texto chamado O Atlântico Negro. Ela discutia algumas coisas interessantes, como a incidência de incríveis coincidências em sua vida, mas o que me fisgou mesmo foram seus comentários sobre nossas leituras acadêmicas. Sabe quando temos que ler algo obrigado, estabelecendo um ranço de responsabilidade infeliz que mina toda alegria (possível) de uma reflexão? Pois é. A Cris estava coberta de razão quando se perguntava os motivos disto. Nesta semana reli dois livros com uma delícia nos olhos: Os Limites da Helenização, de Arnaldo Momigliano, e Era dos Extremos, de Eric Hobsbawn. Impliquei com a obrigação e fiquei nas páginas dos dois historiadores, esquecendo de tanta coisa que poderia me aborrecer, gostando das palavras e das questões que explodiram na minha cabeça. E hoje preciso de alguém para conversar!
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Falei com a Maria e com a Ana pelo telefone. Mulheres preciosas. Preciso cuidar melhor delas, não sumir tanto, responder os e-mails... E esta não é uma retratação, é uma certeza. Tenho uma dívida muito grande com alguns amigos e com minha família. Passei uns períodos de tantas incertezas... em que me transformei num tremendo chato! Hoje sinto que se não perdi de vez o rumo foi porque tinha uns pontos fixos para olhar.

Foram uns amigos, outros ficaram firmes. Não vejo a hora de encontrar gente nova também!
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Meu irmão será papai e eu tio novamente. Tirando as inevitáveis gozações sobre o eterno encalhado, este é um tempo de boas comemorações. E independente do time que esta criança escolher torcer (hehe), já estou montando minha seleção de sonhos, histórias e brincadeiras.
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Currículos, currículos e currículos. Dois meses neste serviço de cegonha e até agora nada. Já estou ficando preocupado.
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Comprei um pacote de gomas francesas e acabo de saber que o Bidê ou Balde está lançando um novo álbum. O jeito é aproveitar a felicidade enquanto ela ainda estiver por aqui. Amanhã ninguém sabe.