sexta-feira, abril 28, 2006

Subitamente

Súbito. A falta que você me faz.

Hoje fui ao supermercado comprar leite-em-pó para minha sobrinha. Peguei pão e chá gelado. Parei no quiosque de flores: rosas brancas e vermelhas, cravos coloridos, flores do campo.

Lindas.

Esta é a força, o mistério. Caminhando pela rua, como faço todos os dias. De repente, subitamente, caio em suas lembranças. Com facilidade recupero seu rosto, os olhos, os seios. Tal qual fotografia.

E sorrio.

Folhas Secas


Tire seu sorriso do caminho / Que eu quero passar com a minha dor
(Nelson Cavaquinho & Guilherme de Brito)


Nesta semana faleceu o compositor carioca Guilherme de Brito. Gênio, fez com Nelson Cavaquinho alguns dos sambas que mais gosto e que mais escuto.

Lembro que, em 2002, passei por maus bocados. Coisas de coração rompido. A receita foi mergulhar em Cartola, Adoniran, Nelson e Brito por um tempo comprido. Sobrevivi e, com eles, tenho certeza que sofri mais bonito.

Hoje fiquei com vontade de publicar este post. Não é uma "homenagem"; funciona na direção de um "muito obrigado". Queria e quero compor inspirado neles, mas enquanto isto não é possível, continuo como um bom ouvinte e admirador.

No pranto de poeta.

quinta-feira, abril 20, 2006

Mar de Mármara

Onde as coisas ancoram
Onde as coisas demoram
Algum tempo
Antes de partir

Alberto Martins



Apagando as luzes. E o frio acentua ainda mais o silêncio. Encerrado em um silêncio escuro e frio. Sem metáforas.

Eu.

Em Julho quero ver o mar. Eu vou. Um mês inteiro olhando as ondas que, imagino, estarão cinzas.

Cinzas de cigarro. Quarta-feira de Cinzas.

Quero perder meu olhar no horizonte buscando, assim, um cais para minha vida sem horizontes. Uma dúzia de livros, coquetel de aspirina com whisky e muita, muita saudade.

(De um tempo em que...)

Agora é carreira solo, sem palco, sem sombra, sem descoberta. E a linha que separa minha doçura da barbárie é tênue, singela e frágil. Gagá. Não sei onde começa o poeta e termina o bicho.

Comendo o rabo da sereia.

Onde as coisas ancoram, onde as coisas demoram, eu estou. Tudo de passagem e eu estou. Passam os moços, as águas, cardumes e namoradas. Passa amor, Januária, violão e muita vontade de abraçar. Europa, estrelas, foguetes, passam as luzes, os sonhos, as noites, o diabo... Estou.

Estou.

Estou esperando e cansado de esperar. Enquanto caminho penso em fugir. Enquanto almoço penso em cicuta. Enquanto durmo, sonho com você.

Esperando.

Minha vida cinza olhando o mar. As velhas ondas que lambem a terra estarão aqui, ainda lambendo, quando a espera acabar e o tempo dobrar e o longe chegar e as tolices escritas deixarem de importar.

Daí eu não serei mais eu.

sábado, abril 15, 2006

Aos meus amigos

Eu estou apaixonado e não sei o que fazer com isto.

Ontem fui caminhar, como faço em todo fim de tarde. Ouvindo Joni Mitchell. A noite estava confortável e longa, sem o tempo do trabalho, da agonia ou da tristeza. Eu caminhava tranqüilo, sem pressa, pausado, contente em estar comigo. Busquei a Lua com um canto de olho e esqueci de viver.

Whisky com gelo, mexendo as pedras com as pontas dos dedos.

Entrei no bar, procurando pertencer ao mundo. Da mesa em que eu estava, sozinho, observava os casais e os grupos de pessoas. Canto de olho, sem avistar as crateras da Lua. Encontrei outro solitário, umas quatro mesas longe da minha. Sozinho, bebendo cerveja em silêncio. Seu rosto caía como se as carnes estivessem despregadas da face, como se tudo escorresse e se sua plástica desistisse de compor uma feição. Fumava e carregava um olhar esfumaçado que, talvez pelo cigarro, pretendia não se fazer notado. Eu o vi.

O homem fazia o tipo acanhado e triste, cansado de ser, exausto de estar ali. Somos todos patéticos quando observados de perto. Continuei assim até que nossos olhos se cruzaram e virei meu rosto. De certo, era a minha vez de ser observado.

Será que ele percebeu que estou perdido? Será que ele viu em meus olhos a marca da Lua? Será que ele compreendeu que eu estou apaixonado?

- A conta!

Meia luz, curtindo jazz. Não sei. Penso em meus poucos amigos e gostaria de estar com eles. Cantando Cartola, na Vila ou em Barão Geraldo, hidratando na Itaipava. Simples, como a Lua refletindo, apenas para dizer que estou apaixonado e não sei o que fazer com isto.

quarta-feira, abril 12, 2006

Consolação



(Um instante nostálgico em homenagem ao meu encantado coração)


Porque foste na vida
A última esperança
Encontrar-te me fez criança
Porque já eras meu
Sem eu saber sequer
Porque és o meu homem
E eu tua mulher

Porque tu me chegaste
Sem me dizer que vinhas
E tuas mãos foram minhas com calma
Porque foste em minh’alma
Como um amanhecer
Porque foste o que tinha de ser

O que tinha de ser
Tom Jobim e Vinícius de Moraes

quarta-feira, abril 05, 2006

Som de Bolero


É sobre-humano amar
'cê sabe muito bem
É sobre-humano amar, sentir,
Doer, gozar
Ser feliz
Vê quem sou eu quem te diz
Não fique triste assim
É soberano e está em ti querer até

Muito mais

Mais Simples
Wisnik


Dança doida, arrebentando madrugada e zunindo em ar. Você e eu, nada mais. Assim, mais calmo, com sua mão, conduzo, pé ante pé.

São dois pra lá, dois pra cá.

Um beijo e os dedos tocam suave o pescoço. Cintila. Desejo.

Eu.

A noite é curta em tantas vergonhas, com os amantes de aço, travando batalhas e rompendo as fronteiras das intimidades. Dois perdidos em sintonia.

Você.

Foi a dança, fomos nós. Ao som do bolero que insistia em se dissipar, distante, como música barata em tarde de Domingo. Fomos nós de mãos dadas em alguma direção.

Imaginação.

Não estou mais ao seu lado, nem na dança, nem na luta. Sozinha, você chora? E quando escapa luz pelo vão da porta, eu penso que é você?

Velha sinfonia.

Nova dança que fazemos em silêncio, como gente em catedral. E em seus pés de moça, macios tal qual veludo, corre em veias abertas do meu coração. Pisa.

Vence.

Anda luz na madrugada. Sinto o gosto da paixão. Em suas pegadas, macias e fundas, não vejo nada, mas ouço tudo.

Mudo.

sábado, abril 01, 2006

Naufrágio



Minha estante abarrotada de livros e meu coração vazio de esperança. Quanto tempo até o Sol levantar? Quanto tempo esperando? Quanto tempo faz?

As mãos atadas ao redor do meu pescoço dizem tudo o que não consigo falar. O corpo diz. Os olhos brilhando de contentamento, de volúpia e desejo. Os olhos brilhando com a luz refletida nas lágrimas.

Salgadas.

Nem berço, nem sonho e nem lacuna: o que eu quero é dizer todas as coisas estranhas que sinto por você.

Por você estou ouvindo Debussy.

Deixo estar. Respeito a sua liberdade de partir sem me fazer um mapa. Vai, mas não toda; fica a lembrança e a dignidade dos meus sentimentos.

Meu castelo de areia corroído com as ondas, como dói. Ainda assim, esta dor eu desejei. E foi você em cada gesto, fui eu em valentes beijos. Fomos nós que a onda batendo acaba por derrubar.