sexta-feira, novembro 26, 2004

2005

Perdi o jeito de sofrer.
Ora essa.
Não sinto mais aquele gosto cabotino da tristeza.
Quero alegria! Me dá alegria,
Santa Teresa!
Santa Teresa não, Teresinha...
Teresinha... Teresinha...
Teresinha do Menino Jesus.

Me dá alegria!
Me dá a força de acreditar de novo
No
Pelo Sinal
Da Santa
Cruz!
Me dá alegria! Me dá alegria,
Santa Teresa!...
Santa Teresa não, Teresinha...
Teresinha do Menino Jesus.


Oração a Teresinha do Menino Jesus
manuel bandeira



Chegou Dezembro com sua enxurrada de casamentos, cartões trocados, tender com abacaxi e consultas ao saldo bancário. Muito Cartola na sonata!

Nunca fui bom em festas de família, sem também me incomodar com elas. Natal é bom quando se tem criança em casa – eu tenho uma linda sobrinha! Legal. Já estou pesquisando os preços da Barbie fadinha que ela me apontou. Pois neste ano não vou aprontar nada com camisas do Fluminense ou do Palmeiras. Ela não gosta muito de futebol.

Reveillon já me é estranho. Não gosto, sinto um sentimento de “acerto de contas” ou coisa assim, algo que me puxa para reflexão do ano que acabou e das coisas que ainda estão porvir. Não dá, e nem é pessimismo. Não dá, não vai, não desce.

Li no blog de uma amiga uma frase sobre a necessidade de se começar um ano bem para que os restos dos dias sigam em harmonia também. Gostei. Li num jornal que fazer pequenos planos e organizar a cabeça para o próximo ano também é bom. Quem sabe?

Em 2005 não quero muita coisa, ao menos não consigo pensar em nada grandioso. Talvez seja a minha formação católica imprimindo humildade e cautela excessivas, o fato é que eu não almejo nada muito iluminado ou profundo. De imediato penso que gostaria de comprar um arguile que encontrei num bazar na Rua Abdo Schain, perto do delicioso restaurante do Jaber. E aprender a fumar no instrumento com todo o seu charme.

(Lembrei das comidas do Jaber e fiquei com muita saudade. Vou parar um pouco para curtir esta lembrança.)

Outra certeza: a defesa da minha dissertação. O fim do mestrado, com todas as suas alegrias, alívios, ansiedades, tristezas e despedidas, com toda a sua confusão, isto eu quero sentir na veia, no limite. Os idiotas adoram apontar meu exagero; disto eu prefiro esquecer.

Meu maior desejo é arrumar um emprego, iniciar um processo de acumulação primitiva do capital, sair de casa, dividir um aluguel e economizar para o cinema de Quarta. Continuar com o inglês, voltar ao francês, iniciar o latim. Preparar moussaka, lasagna, macarrão com molho de tomate e manjericão, chá de hortelã, arroz, feijão, salada de alface e, meu trunfo de final de tarde, mojito cubano. Não tudo no mesmo dia, semana ou mês.

Há ainda vontade de visitar grandes amigos em Campinas, Rio de Janeiro, Guararema, Vinhedo e Criciúma. Vontade de comprar flores para enfeitar a sala. Vontade de telefonar pra Maria, pra Ana, pro Fábio, pro Norberto, pra Rita. Vontade de sair com o Alex. Vontade de escutar Nelson Cavaquinho.

E quando eu estiver cansado, derrotado, humilhado ou triste, existe o carinho da minha mãe com seu abraço que comporta todos os sentimentos do mundo.

quarta-feira, novembro 24, 2004

Soturno

o amor, esse sufoco,
agora há pouco era muito,
agora apenas um sopro

ah, troço de louco,
corações trocando rosas,
e socos


paulo leminski


Carta da FAPESP, envio de currículos, telefones, café gelado, dor de cabeça, São Jorge Guerreiro. Ainda sobra um espaço para a corrida no final da tarde, salada de frutas e um pouco de Villa-Lobos. Sem exageros.

Estou comendo alimentos mais saudáveis, diminuindo as frituras e carnes vermelhas. Só o café e a cerveja que não tenho vontade de largar, pois entendo que estas bebidas já entraram na minha personalidade, ficando quase impossível saber quem sou sem elas. Ah, e claro, tem também um bocado de saudade!

Minha avó me ensinou uma receita de molho com tomates, alho e muito manjericão. Uma vez por semana passo umas duas horas na cozinha, fazendo molho, temperando a massa e enfeitando o prato. Um jantar que serve de terapia também.

No jardim arrumei um espaço pequeno e plantei hortelã, alecrim, cebolinha, salsinha e manjericão. Adoro manjericão e, pelo jeito, a planta também foi com a minha cara, pois o pé está lindo, forte, verde, gostoso.

Mesmo depois de tanto tempo de leitura, Flávio Josefo ainda consegue me surpreender. Que escritor fabuloso!

Meus cabelos estão crescendo novamente e estou aparando minha barba. Dois meses careca e acho que já está bom. Da última vez que fui raspar a cabeça me cortei muito.

Não abro mais minha caixa de Pandora, nem a caixa de correio, nem a porta da frente, nem o estojo do violão. Não sei do reencontro, do abraço ou do perdão; nem mesmo entendo ou espero muita coisa dos próximos dias e meses. Sigo passando sem fazer história, suando e comendo saladas, igual ao batalhão de yuppies que ocupa a Avenida Paulista.

Tanto tempo faz.

E a gente vai se importando cada vez menos com os outros. E a gente esquece dos nossos projetos e sonhos. E a gente toma comprimidos para dormir. E a gente deixa de acreditar na batucada da vida.

quinta-feira, novembro 18, 2004

Um instante

É urgente o Amor,
É urgente um barco no mar.

É urgente destruir certas palavras
ódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos,
muitas espadas.

É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras.

Cai o silêncio nos ombros,
e a luz impura até doer.
É urgente o amor,
É urgente permanecer.


Urgentemente
Eugénio de Andrade



Estou escutando uma canção, cantarolada por uma voz feminina, com uma melodia triste e melancólica, o que me lembra um lamento. Não sei qual é a língua cantada, as palavras rasgam meus ouvidos como acontece quando encontro algum europeu do Leste, os herdeiros de Penteu e Cadmo, espécie de homens que nasceram entre a cristandade e o Quarto Crescente, na fronteira do reino da humanidade e do capricho dos deuses. A ladainha melancólica, nessa língua estranha, continua e se aprofunda, empurrando meus olhos para baixo, franzindo minha testa e tomando as mãos cansadas.

Chove muito e abro a janela para ficar observando a água desabando e sulcando a terra, riscando toda a paisagem, umedecendo, arando, caindo. O cheiro da chuva encontrando a terra é um dos tesouros que gosto de preservar aqui no interior, seu cheio úmido e sua visão infinita das coisas derretendo, fluindo e passando. Tudo isto, mais a melodia húngara ou iídiche, me fazem entender que meu desanimo não é eterno, que ele vai escoar e se transformar como o som da canção no ar ou a gota de água na terra.

Ainda procuro dormir, imaginado um tempo de hibernação, suspendendo a vida até a fertilidade da primavera. Encontrando uma lacuna, a ilha de Calipso, ficando calmo em harmonia com o ritmo dos pensamentos e da respiração. Um esconderijo longe de tudo, até mesmo de minha razão, para desabar, como agora faz o céu, e deixar todas as águas lavarem meu espírito, lágrimas, idéias e crenças. Assim, eu que já me acostumei a lhe esquecer, encontro algum descanso para, simplesmente, retomar os sentidos que inflamam o meu coração.

Não me agrada viver na incredulidade e no niilismo, nunca fui um bom cético; tampouco vejo sentido em práticas ascéticas e no isolamento. Tenho saudades de meus amigos e tento me apaixonar. Viver sozinho, encerrado e recluso com minhas idéias serviu para me imprimir humildade, silêncio e o desejo de encontrar novos amores e aventuras. Sinto que algo precioso já foi perdido.

É urgente o Amor. Ainda assim, me esqueci como se faz, como é, como acontece. Cansado deste esgotamento e do exílio, retomo o sentido do eterno retorno, da promessa, do tesouro que procuro. É urgente a partida. É urgente o retorno.

domingo, novembro 07, 2004

Cruel

Ainda não descobri nada mais arrastado do que uma noite tediosa de Sábado. Simplesmente as horas não terminam!

Não sei se estava sensibilizado pelo marasmo, pelo ar morto ou por fantasmas camaradas, mas terminei a noite revendo dois filmes brazucas: O Pequeno Dicionário Amoroso e Amores Possíveis. Maldito Canal Brasil!

No absurdo, nessas tolices que a gente comete desavisado, tombei com uma crueldade desumana.

Vendo os filmes doeu muita coisa, como meu insosso abandono, as patéticas relações amorosas das narrativas e a invejinha do colorido dos intelectuais da Zona Sul carioca.

E agora está tão difícil dormir!

sexta-feira, novembro 05, 2004

A descoberta do paraíso

Hoy que soy solo aliento,
vidala y madera, testimonio y sal,
por este amor tremendo,
parche que no suena
prefiere callar.
Volveré el hechizo en otro hechizo
caminando por la inmensidad.
Cuando la sangre grite
tal vez otro sueño me vuelva a pulsar.
Desandando
raúl carnota
A perfeita solidão há de ter pelo menos a presença de um amigo real.
nelson rodrigues
Observo o Paraíba do Sul marchar com suas águas tingidas de ouro e deixo meu pensamento solto, brincando em seu curso. O barulho do rio se embola com o do vento, um sopro das águas, levando folhas que ficam ainda mais verdes no mar dourado que insiste em lamber os barrancos, as costeiras, os troncos, as saudades. Quando volto as idéias ao encosto na ribanceira, temo não ser verdade tanta calmaria e satisfação. Meus olhos brilham em ver minhas comparsas ao meu lado e pressinto muita força naquele momento. O rio Paraíba do Sul continua passando e, com meus olhos de faróis, sigo encantado com as amigas que busquei reencontrar.

A descoberta do paraíso.

Desapareceu todo o cansaço, culpa ou lembrança amarga: somos nós e o rio. E, num momento, entendo que esta é a vida que movimenta meu sangue, alimenta os sonhos e cauteriza feridas. Uma força que nunca cessa marcada em nossas histórias, nossas lacunas, nossas tardes, nossas distâncias. Estamos ali juntos, passando.

Perto delas não sou nem grande, nem pequeno, mas de uma humilde imensidão. Carrego um vazio gigantesco e, nesta tarde, sinto que posso preenchê-lo com carinho, saudade, admiração e amor. O rio fluindo manso e as doces presenças aquietam minha alma, justo ela, tão cansada, tão vilipendiada, e sinto grande emoção em estar solidário, presente, vivo.

O mundo não mudou e os senões ainda são muitos. E, mesmo sem a declaração de guerra, sofro com a minha derrota pessoal, íntima. Mas ali, como se nada mais importasse, somos todos generais. E de nossa força conquistamos um saboroso devaneio, um poderoso sonho capaz de redimir nossos corações vazados.

O tempo firma, a neblina se dissipa. E a pintura finalmente é descoberta. Revela-se o paraíso.

Tanta coisa passa na cabeça, tantas idéias, tantos planos. Como é bom amar alguém. Como é bom dizer para uma pessoa que você gosta muito dela. Como é importante ter os olhos de faróis quando tudo parece cinza, quando o entusiasmo estanca ou quando a chama cessa, cansada de tremular.

E eu, sem porto, partida, deus ou fuga, tenho de volta um brilho e quero, apenas, amar com todo o sentimento do mundo.