domingo, fevereiro 27, 2005

Quero ser uma boa pessoa

Nas ondas da praia
Nas ondas do mar
Quero ser feliz
Quero me afogar.

Nas ondas da praia
Quem vem me beijar?
Quero a estrela-d’alva
Rainha do mar.

Quero ser feliz
Nas ondas do mar
Quero esquecer tudo
Quero descansar.

Cantiga
manuel bandeira

Não é exagero dizer que passo o dia entre as letras. Quando não estou lendo, estou escrevendo. Quando não me ocupo em desenhar esquemas de explicação histórica, estou na sala de aula. E o computador serve só pra elas, as palavras, no Word, no e-mail, nos blogs. Não é exagero dizer que, para o bem e para o mal, sou uma criatura das estantes, páginas riscadas, cadernos amontoados, teclado barulhento e coleção de dicionários. Uma criatura.

Navego na Internet muitas vezes por dia, sempre cumprindo o mesmo ritual: e-mail e meu itinerário de blogs! Como fico feliz e especialmente tocado quando vejo que novíssimos textos foram postados! Que lá posso desligar um pouco e esquecer do calendário de compromissos e da pilha acumulada de afazeres repousando na minha mesinha. Abandono tudo e começo a ler meus novos autores prediletos.

Alguns deles conheço pessoalmente, outros por fotos e mensagens. Alguns nem sei onde vivem, idades, cores dos olhos ou dos cabelos. Mas estou lá, diariamente, colhendo e reagindo aos seus escritos.

Engraçada esta solidão contemporânea. Não generalizo, falo apenas do meu caso, do meu cotidiano. As grandes novidades, revelações, incentivos ou desagrados ando recebendo através do meu velho monitor, que está apresentando uma série de problemas. Cada dia está mais escuro. Meu dia cresce com relações virtuais, com pessoas que nem me conhecem, que não sabem dos meus olhos verdes, dos meus cabelos cor de fogo. Não sabem que minha barba está enorme e que ganhei uns livros novos do Gutierrez. No entanto, tenho por eles um carinho, uma paciência e um interesse difícil de encontrar em outros tipos de relação que desenvolvo. Talvez seja a proteção digital. Talvez seja o anonimato. Talvez.

Prefiro pensar que são as letras.

A verdade é que sou incapaz de fazer e experimentar certas coisas. E nisto vejo que a fria relação digital me preserva e abriga. É estranho, eu sei. Fico incomodado com tanta coisa que se passa nas minhas idéias e sei que não deveria voltar, jamais, aos flertes com os sentimentos de rejeição. Não consigo. Já tentei acupuntura, beijo na boca, traja preta, meditação zen, cerveja de trigo, Palestra Itália, show da Bethânia e riso dos amigos. É bom, tem horas que esqueço e faço piadas. É ruim, pois sempre acabo comigo, batendo em meus intoleráveis limites, na minha fraca vontade, no meu medo de tudo. Daí, humildemente, peço para ir embora.

Ou leio os meus blog’s.

Esperança eu tenho em saber e reconhecer meus limites e pudores. Creio que conheço um pouco deles e sei em quais catacumbas e cumbucas posso despertá-los. Esperança de que um dia eu consiga deixá-los guardados, esquecidos, superados. Fazer poeira na velocidade, partindo para uma glória e paz tão merecidas. E quero ser uma boa pessoa.

Mas quando apoio a cabeça entre as mãos, me fecho com os joelhos e encolho meu peito, sinto-me tão frágil, tão vulnerável. Não posso com eles, com elas, com todos, comigo. Há dias de desespero, que são poucos. Dias de empolgação também nascem, maravilhosos e valentes. O diabo é que o que mais tenho são dias estéreis.

domingo, fevereiro 20, 2005

Pisada de Elefante

Todas as canções. Que delícia se nesta tarde eu tivesse todas as canções. Tantas lembranças carrego nestes momentos de intimidade e solidão; cada pensamento cantarola uma canção ou melodia, espécie de trilha sonora. Cada beijo, eu não esqueço, cada amizade rompida, cada sonho esvaziado. Sempre as canções, que continuam comigo.

Hoje, na tarde que se arrebenta em provocações na minha janela, só penso em correr, fugir e desaparecer. Vontade de cantar um “Deu pra ti baixo astral, vou pra Porto Alegre, tchau!”. Vontade mesmo de ir por aí, levando um violão debaixo do braço. Vontade de cruzar as trilhas e estradas de terra que eu conheço dos tempos de moleque e ir, levando, saindo, passando.

Pés no chão
E os olhos vão procurar onde foi
Que eu me perdi
(Carro de Boi. Cacaso e Maurício Tapajós)

Não posso ser muito claro, pois o que tenho são reticências. Tudo por fechar; tudo por fazer. Olho no espelho, nas roupas penduradas em cabides, nos livros riscados e na coleção de discos: eu quero encontrar a antiga referência, gana, força ou gosto que me tomava pela mão e tornava tudo mais simples. Vasculho em meu cheiro e nos detalhes do meu corpo, contando cabelos brancos, dores nas costas e pontadas de saudades. Procuro nas cartas de amor, bilhetes suicidas, sambas da tarde, agendas de telefone. Em cada papel e toda assinatura, talão de cheques, retrato 3x4, resto de café e lâmina de barbear. Procuro um rastro, vestígio ou testemunho de um sentimento que não me lembro bem.

Tudo o que podia ser. Mas calma, rapaz, ainda há o caminho conhecido da humildade. Quantas vezes eu voltei pra casa, em silêncio, sem fazer absolutamente nada além de cuidar da respiração. Quietinho. E não se trata de uma ausência de amor próprio, coragem ou coração; na verdade eu reconheço o meu valor, o meu lugar diante dos acontecimentos. E, humildemente, aceito quando não tenho mais nada pra fazer, olhar, escutar ou amar. Sem invejar os rostos corados, penso apenas como devo agir e volto pra casa chorando um espaço de paz.

Com você na cabeça, tal qual este Sol de meio-dia, não sei encontrar muitas respostas. A única certeza é que preciso ocupar meu lugar, reservado ou não, e lá relaxar das tensões, da falta de orgasmos, do conjunto de incertezas. É a prioridade sair daqui.

Juntando dinheiro, tenho ocupado as horas com muito trabalho. Com o mestrado sonho todas as noites, e seguindo os conselhos de uma amiga terapeuta, anotado os devaneios. São muitos e estou inseguro. Na escola funciono sem grandes ideais, pensando no quanto vou receber quando chegar o dia 10. Risco os dias no calendário, apressando os feriados, as férias, o adeus. E na visita ao Barão de Montesquieu e seu O Espírito das Leis, só consegui retomar a antiga Azia Moral. A criação de três poderes harmônicos e independentes não abriga a eleição do ilustre conservador Severino Cavalcanti com os votos de 300 nobres deputados federais.

Luis Inácio falou, Luis Inácio avisou
São trezentos picaretas com anel de doutor
(Luis Inácio. Herbert Vianna)

Passa o tempo, escorre a nuvem, muda o céu. Quem sabe eu tivesse um pouco mais de coragem ou de outra virtude guerreira? Mas este tempo abafado, estas paredes lisas e esta tarde vazia não ajudam ninguém a se tornar um herói de cinema. Ou um amigo sorridente. Ou um marajá de elefante.

sexta-feira, fevereiro 11, 2005

Coisas do Brasil


Quero um milhão de amigos
Quero irmãos e irmãs
Deve de ser cisma minha
Mas a única maneira ainda
De imaginar a minha vida
É vê-la como um musical dos anos trinta
E no meio de uma depressão
Te ver e ter beleza e fantasia
Vamos Fazer Um Filme
renato russo


Rabiscando os bloquinhos, folheando os livros, anotando pequenas observações. Tudo bem. Só é ruim quando tenho que preparar uma aula sobre algo que realmente não acredito mais. Mas o que posso fazer? Está na apostila, com questão da FUVEST e tudo.

O carnaval foi, sim senhor, bem divertido. Teve cerveja, cachorrinhos, picles, Cristina Buarque (muito melhor do que qualquer cantora do gênero da Marisa Monte), Ana Rita, guia de Porto Alegre, banho gelado, gelatina de morango, Maria Beatriz, travesti loira, Elizeth Cardoso (a divina!), Alex Giusti e batida de limão. De quebra, rolou um rock básico do Bidê na sonatinha, um pouco de trabalho durante as tardes e vontade de beijar uma ex-namorada. Coisas do Brasil.

Ando lendo muitos textos que encontro em blog’s brasileiros. Tenho colhido coisas ótimas, engraçadas ou tristes, mas todas fortes e bem escritas. Mas o que gostaria mesmo de refletir é que estou assustado com o avanço yuppie no pessoal que produz estas narrativas. Geralmente são muitos bons, repito, mas de um conservadorismo camuflado em inquietações e ironias. Não sei, mas acho tão fácil seguir nesta linha, uma tradição tão próxima da caricatura que podemos fazer dos pensadores latinos que odeiam a América Latina e que, no Brasil contemporâneo, encontram sua expressão no Diogo Mainardi. Isto é tão ruim, pois vejo um grande número de jovens adultos que escrevem praticamente a mesma coisa, no mesmo esquema com o mesmíssimo fim didático: esculhambar qualquer projeto coletivo e coroar a invenção do indivíduo. Fica ruim dar o contraponto, recebendo uma maquiagem de exagerado ou trágico. Fica ruim ter que escrever retido na “imparcialidade” da Folha de São Paulo e na incumbência de ser bem resolvido e discretamente feliz o tempo todo.

A Ana e a Maria estiveram aqui no exílio por toda uma tarde. Presentes, notícias da Cuca, música latina, cervejinha, cigarros e macarrão com molho de tomate e manjericão. Bom demais! Conversamos e só fiquei triste quando vi que era o único dos confidentes que não estava apaixonado. É horrível não sentir as palpitações, ereções, desafios, promessas, incertezas e excitações próprias deste estado. O mundo não surgiu da explosão cósmica só pra ser racionalizado, enfim. E antes voltar a tocar Maysa no violão do que permanecer sentado nos botecos, com minha camiseta Hering azul, achando que tudo está médio. O bom é que os olhos das minhas duas amigas estavam quentes, úmidos e iluminados quando falavam de seus sonhos. E vi tudo aquilo com tanto carinho que não consegui dizer nada, e nem poderia. Calei pra não estragar os belos brilhantes.

Com os prazos da dissertação estourando, estou nervoso e ansioso como não ficava há tempos. As estratégias e terapias para ajudar a cabeça funcionar continuam fazendo bem e fico tranqüilo com isto. Engraçado que não penso em terminar o mestrado para descansar ou sumir, de vez, da Babel que é o mundo acadêmico. Desejo mesmo é começar uma nova pesquisa, com outras questões, caminhos e angústias que estou convencido de suas importâncias. E é neste ponto que, hoje, eu me assento: fechando pontas para desatar outras. É difícil, não há mesmo como viver tanta mudança e pressão sem sentir o peito amarrado em muitas incertezas. Só que agora eu tenho algumas músicas para cantar, uma pesquisa pra concluir, um dinheiro pra bebida e uma ninhada de cachorrinhos pra cuidar.

quarta-feira, fevereiro 09, 2005

Sociologia de caderneta

Sabia
Que ia acontecer você, um dia
E claro que já não me valeria nada
Tudo o que eu sabia
Um dia

Lola
chico buarque
Ano novo e retomo o hábito de organizar novíssimas anotações. Além da agenda bacana que ganhei do Luis Rosa (ecologicamente correta, com papel reciclado e linda), descolei um calendário de parede e uma caderneta de índice telefônico, que se tornou o meu xodó da estação. Pequenina, com capa azul forte, estampa uma exclamação precedida da palavra PAZ. Grafadas em branco.

Final de tarde e me ocupo passando os números de telefone da caderneta antiga para a nova, azul e branca de 2005. Assim aproveito para limpar minha mesa e gavetas com dezenas de papéis com números, direções e endereços anotados. Tudo vai pra caderneta azul.

Engraçado. Nesta simples atividade de organizar um índice telefônico pessoal, notei três mudanças interessantes. Praticamente todos os meus amigos e colegas agora estão com celular. Todos eles com o aparelho que, realmente, está substituindo o telefone fixo de alguns. A revolução do pré-pago!

Novos números fixos também apareceram nesta passagem de ano, assim como outros sumiram. O do meu antigo apartamento de Sampa foi um dos que tive que deixar nas páginas antigas, não sem manifestar uma grande frustração. Já os telefones que apareceram são motivo de orgulho, pois refletem coisas muito boas. Pessoas que conheci e amigos que estão tocando suas casas, seus negócios e, que surpresa, seus casamentos. Deixo na agenda passada os números de novas sogras e sogros; anoto agora o nome de alguns casais e de seus inéditos lares com promessas de muita alegria e noites de carteado com cerveja e pizza.

Por fim, existem também os telefones que me deixam mudo. Gente que já gostei muito e que hoje não consigo mais oferecer (e nem receber) amizade, paixão ou cumplicidade. Poucos nomes, poucos números, mas que colocaram na vitrine as feridas, os tropeços, os fracassos e os incômodos que colecionei nos últimos meses. Anos de enterrar pra abandonar qualquer rastro de tristeza. Acontece que eu não esqueci.

(E como poderia?)

terça-feira, fevereiro 01, 2005

Fui num show do Guilherme Arantes!

Meu bem, não pergunta porque eu gosto de ti
Eu sei que eu já disse, mas é bom repetir
Meu bem, não pergunta porque eu falo de amor
Mas é que dá grana, o Fábio Junior falou!
(E o Fábio Junior é um bom sujeito!)

Agora eu só sei que tudo que eu quero é te abraçar
Hoje de noite em qualquer lugar!
Agora eu só sei que tudo que eu quero é te abraçar
Hoje de noite em qualquer lugar!

Vamos para uma excursão
bidê ou balde
Sabe quando você lê ou escuta alguém dizendo que vive por um ou dois sonhos? Sabe quando você enxerga sinceridade nestas palavras, muita força, e tem vontade de mergulhar também num sonho?

Pois é.

Seguinte: os últimos dez meses forma complicados. Além da descoberta do sertão, vieram bordoadas, pancadarias e violências íntimas de várias categorias. Levando porrada fui seguindo, mais empurrado do que com consciência. Mas fui.
Foram muitos dias de resistência e cabeçadas com a barbárie da civilização dando suas estocadas na minha coragem. O que tive pra segurar nas barricadas foram muitas músicas bacanas, dois ou três jogos de futebol e raras pessoas que colecionei no caminho. As sacudidas, seguidas dos gritos da loucura, foram de amargar e tive medo muitas vezes. Ainda agora, com um frio na barriga quando penso na tonelada de desafios que tenho pra enfrentar, fico encolhido, retorcido e cinza de medo.
Só que bateu um vento...

A moça jogou as cartas e não deu outra: este é o ano do sonho! Vou repetir pra ninguém se arrepender ou me acusar de negligência – Este é o ano do sonho! E como sabemos que as cartas não mentem jamais, a grande estratégia é organizar, gerar, nutrir e limpar a cabeça para as novas idéias que estão por vir.

Daí eu comecei a cometer loucuras.

A verdade é que fiz um trato comigo. Passei uns dias de frente pro mar, bebendo cerveja e catando conchas na areia. Não vi Deus, não encontrei luz, não entrei em igreja. Só olhei o mar, quietinho.

Os próximos meses serão de muito trabalho, solidão e medo. Aprendi que para tocar bem a vida aqui no sertão durante este período, tenho que organizar a cachola, respirar fundo e, duas vezes por semana, correr com a bicicleta até as pernas cederem.

E os sonhos? Coloquei três no meu horizonte e decidi viver um tempinho por eles. Nada muito complicado ou impossível de realizar, apenas coisas que entraram nas minhas idéias pra me dar vontade de planejar e conquistar. Quem sabe reverto o cerco portando as cores e as armar de Jorge?
Agora só sei que tudo o que eu quero é te abraçar!