segunda-feira, outubro 31, 2005

Veneno Antimonotonia


(Saiu do forno agora. Endurecendo, sem perder a ternura. Recomendo!)

Elegantemente

Ali fiquei duas horas, em meio à escuridão, olhando o céu e as estrelas, e os vultos escuros das grandes árvores. Havia uma brisa fresca boa. Um ar limpo levou embora os mosquitos e o fedor da merda dos porcos. Um cachorro latia. Me sinto bem na solidão e no silêncio. Olhava o céu e não sei se pensava em alguma coisa. Acho que sim. A gente sempre pensa.
O insaciável homem-aranha
Pedro Juan Gutiérrez


Tentativa e erro. Faço um esforço tremendo, que não é suficiente. De qualquer forma, sei que tenho alguma graça, seja pela longa barba ruiva ou pela coleção de músicas, sempre acabo engatando uma boa conversa ou me distraindo com a vida.

Até com a arrumação dos livros na estante.

Há muita coisa ainda por fazer, pra escrever, pra terminar. Estou com os prazos estourando, com pressões, com alunos... Cansado e desanimado, com o mestrado metido em encruzilhadas, cheio de dúvidas e lacunas. Também, quando é que deixei me convencer que poderia estudar coisas tão complexas. Maldito tucanês.

Cada dia mais simples. Fui assistir o Renato Teixeira e sua viola e sai de lá com algumas certezas. De certo, não posso me queixar de solidão, pois encontro até compositor pra cantar meus queixumes. Tampouco vou embarcar na espiral de culpas marxista-cristã, já que estou iniciado e mal-educado por Bukowski e Lupicínio Rodrigues. Não sei viver como yuppie, mesmo com a conta no vermelho e com as camisinhas vencendo. É nisto que eu paro, até aí eu permito. Além disto eu prefiro ouvir o violão do Teixeira e o cateretê do Rolando Boldrin.

Sinceridade, estou cansado desta merda toda. E tem momentos que dá uma vontade gigantesca de chorar, de meter um balaço na cabeça, de fugir de casa. Momentos que não quero conversar com ninguém, beber com ninguém, sorrir pra ninguém. Vontade de ficar em silêncio, whisky e cozinhando. Receita de molho pesto genovese, fácil e gostoso, sem pressa, sem agitação.

Não sei. O que mais posso dizer? Estou arrebentado, cheio de prazos e contas, com o saco na Lua e a cabeça latejando. Remedinho de depressão, sorvete de flocos e a gente vai tocando em frente. Mas até quando?

E agora José?

Não há graça nenhuma, e este é o ponto a ser discutido. Não tem graça, nem beleza, nem estética, nem estilo. Não tem forma, posse, estado ou perfeição. Tudo fudido ou mal feito, áspero e suado, latejando como uma forte ereção. É assim, ou mais ou menos assim.

Amanhã vou levantar com sono e vomitar dez aulas de história. Quando estiver sozinho, lembrarei do mestrado e seus prazos. Melhor pensar nisto do que na falta que a Cristiane está me fazendo. Na cama, sobretudo. No quarto tranco a porta e apago a luz. Sem frescuras e sem lágrimas. Elegantemente triste.

Veja bem meu bem


Quando quero lembrar da nossa profunda e angustiante tragédia social, penso na revista Veja. Triste o país que está com uma publicação como esta entre seus principais representantes de uma imprensa "livre".

País ignorante, classe média estúpida e elite usurpadora: que triste história.

Sem retórica e discurso, no que eu puder, vou desmascarar e me rebelar contra este folhetim primário. Nem a CARAS é tão vendida e conservadora assim!

quarta-feira, outubro 19, 2005

A Hora da Estrela

Sexo também é bom negócio
O melhor da vida é isso e ócio
Meu amor, minha flor, minha menina
zeca baleiro

Dor de cabeça. Um pouco mais forte do que a normal, mas tudo bem. Já me acostumei com elas. Procurei aspirinas ou tylenol e não encontrei nada. Estas coisas somem aqui em casa! Dor de cabeça. Talvez seja por culpa do café em excesso.

Ou da falta de sono.

Como um representante da raça esquerdista brasileira, recentemente amaldiçoada pelo banqueiro e senador Bornhausen, também gosto de bater o meu tambor. Las brujas, compreende chico? E com a maré tão turva e brava, procurei algum tipo de macumba profissional daqui do sertão, só pra dar um refresco. Tempos bicudos estes. Encontrei um banho de descarrego e energização, composto de ervas e sal grosso. Cheira bem e paguei barato. Estréio nesta noite.

Pois é. Ontem me ligaram do banco. “Sua conta estourou em R$12,00”. Porra, doze reais é quantia pra estourar conta? É! Fui lá e depositei um dinheiro, cobrindo o prejuízo. Na saída meu carro não pegava. Bateria. E toco pro mecânico.

Vamos lá. Terça-feira corrida, com aulas da sete da matina até as dez da noite. Uma aluna do cursinho estava toda gracinha, perguntando e sorrindo de canto na aula toda. Delícia. Uma blusa curta marrom, de alças, sem sutiã. Calça larga e corpinho de bailarina. Vai tentar cênicas na Unicamp e adora Clarisse Lispector. Queria agarrar a mocinha, mas com tanto trabalho e estresse, não tenho encontrado energia nem para tocar uma punheta.

De certo, dormi pesado.

Hoje, no colégio, o patrão me chamou. Chamou também o professor de Geografia e a de Biologia, meus comparsas em nossa comuna educacional. Queria bater um papo, abrir o jogo para nós, o que me surpreendeu, pois não sabia que estava bem cotado a este ponto. A situação financeira do ensino médio está muito deficitária e se as matrículas não atingirem um patamar mínimo ele vai manter só as turmas do fundamental, que estão cheias. Veio conversar com a gente, pedir opinião, algum tipo de sugestão. Li o papo como um aviso indireto de “vocês que são meus professores, desculpe, mas não posso continuar e comecem a procurar novos empregos”. Chateou pensar que posso não estar mais com estes colegas em 2006 e sem o dinheiro de lá também. O salário é curto, mas paga meus livros e biritas...

Já em casa comecei a trabalhar com o computador, escrevendo o texto da dissertação. Mouse não funcionava bem e, quando abri para limpá-lo, caíram uns pedacinhos de dentro. Porcaria descartável que me fez correr até o supermercado e entrar, mais uma vez, no cheque especial.

Uns pedacinhos de loucura.

Na correria percebi que por onde ando só esbarro em livros. Contei uns oito espalhados pelo carro, uns trinta no chão do quarto e três na cadeira de estudo. Isto fora os das estantes e da escrivaninha. Tudo empilhado, com papéis riscados e esquemas de aulas, amontoados. Deu uma depressão ver tudo isto desorganizado, silencioso, empoeirado... Pintou um desespero, pois senti isto como uma metáfora da minha vida: uma confusão entulhada, cheia de pó, solidão e sem sentido. Eita metáfora perigosa!

Ainda assim, tenho calma. Quando consigo, durmo pesado sem sonhos e pesadelos. Durmo. Escutando George Gershwin, bebendo café com conhaque e assistindo pouca TV. A cada dia me torno um sujeito mais desinteressante e lacônico. Tenho calma e sei que tudo o que posso fazer agora é preparar uma excelente aula para o terceiro colegial.

E durante quase duas horas serei um bom professor de história geral.

terça-feira, outubro 18, 2005

Lupicidiano


(A Fuga, de Rui Dias Monteiro)

Não consigo dormir, simplesmente. Um calor sufocante que não cessa com toda a água gelada que consegui beber. Simplesmente não consigo dormir.

Nem trabalhar. Falta o mínimo de concentração. Preciso me concentrar, terminar o texto do mestrado, traduzir um texto, acabar um artigo. Ainda tenho as aulas. Deus e sua época: e o mundo está perdido.

Estou estressado, muito. Bacana sentir que ele é democrático: meu estresse passeia pelo corpo. Há pouco tempo doía as costas, depois ele migrou para as pernas. Batata da perna. No meio da semana passada ardia o cu, depois costas novamente, braços (tendinite) e cabeça. Dois ou três dias com suaves dores de cabeça.

Falta concentração e o cu arde.

Sair de casa então... Gosto de ir ao bar na quarta-feira ou terça. Pouco movimento e posso pedir para o Moisés colocar o cd de jazz que tenho em mãos. Duas garrafas e um pouco de queijo. Começo a ler Gogol e tenho muita vontade de sumir. Sumir daquela cidade, daquele país. Sem ninguém nas mesas ao lado falando alto das vidas alheias ou de suas atitudes sempre acertadas. Quietinho eu fico ali, olhando o movimento.

- Pra quê tanto carro?, perguntaria se estivesse lendo Drummond.

Quero ir pra casa e tentar chorar. Nem isto eu consigo mais.

Vislumbrar minha barbárie interna eu faço no escuro, esparramado na cama e ouvindo Debussy. Maldito francês que, como todo bom latino, toca tão fundo em minha incapacidade de amar. Amor impossível ou, no português lupicidiano, dor-de-cotovelo.

A quietude da música me faz lembrar do trabalho e da mulher. Incapaz de relaxar? Quanto ao trabalho, fico perdido na dor latejante, e o deixo em minhas preocupações cotidianas, manejáveis, que vão se arrastando comigo, dia a dia. E a mulher?

Penso em todas elas em detalhes. Gosto de lembrar dos bicos dos seios e da cor interna daquilo. Únicas como digitais. Com as lembranças das que foram me dou conta que estou irremediavelmente livre. E isto está longe de ser maravilhoso.

Tarde demais para mudar de país, para enxugar meia garrafa de whisky, para desistir do mestrado. Tarde demais para enviar flores. Sei que nem isto mais me dá tesão ou medo; o jeito é continuar até pintar algum dinheiro para um novo livro e a penúltima bebedeira.

Bebedeira das boas.

Se eu estivesse lendo Drummond falaria do anjo torto, aquele intrometido. Nem isto. Sem ranço, sei que é melhor assim. Anjos dão trabalhos com todas aquelas penas e não tenho tempo para baralhos ciganos. Hoje entendo que não houve um momento em que a estrada entortou ou que caí do paraíso.

Nasci assim.

Ouvindo Debussy, insone, fodido de tanto trabalho, sem sexo, cafuné e sem dinheiro, reconheço a minha barbárie. E ela tem os mesmos olhos verdes, a mesma barba ruiva e o mesmo sangue quente que eu. Olha-me com interesse, sem medo, curiosa, sabendo que estou tomado por insegurança e confusão.

Realmente, estou precisando dormir.

quarta-feira, outubro 12, 2005

Pau e problema

Vejo fulana a festejar na revista
Vejo beltrana a bordejar no pedaço
Divinas garotas
Belas donzelas no salão de beleza
Altas gazelas nos jardins do palácio
Eu sou mais as putas
Cambaio
edu lobo e chico buarque


De todas as garotas e mulheres do lugar, Cassiana era a mais jovem e bela. Linda com seu vestido preto, minúsculo, e sentada ali, no canto escuro, distraída, mexendo no celular. Mestiça de índio com branco, produto da colônia tropical, tinha o corpo pequeno, mas bem formado, com enormes seios dourados que pareciam explodir no decote. Seus longos cabelos negros, nem ondulado e nem escorridos, repousavam em suas costas até a metade. Um olhar despreocupado, mas estranho e sinuoso como uma serpente que cospe fogo, pois brilhava e ardia. Docemente ardia. Quieta e serena, se não fosse pelo aparelho celular eu poderia jurar que estava olhando para uma deusa inca ou asteca.

Cassiana era a puta mais bonita da boate.

Casa com pouco movimento e ficamos ali, na mesa escura, conversando e bebendo Martini. A deusa asteca tinha 20 anos e desde os 17 trabalhava como prostituta. Era de Belém, o que clareou minhas idéias sobre seus riscos indígenas.

- Pará! Um bocado longe, não é?

Nem pensar em se apaixonar. Dois homens da cidade já lhe ofereceram boas fortunas para conseguir exclusividade, um deles, inclusive, ofereceu um carro e um apartamento.

- Não quero saber. Já tive um homem que me valeu pra vida toda de tanto problema que ele me causou. Pra mim homem é só pau e problema.

Estava estudando num supletivo, pois queria se formar em enfermagem. Batalhava muito para juntar dinheiro, pagar os estudos e, de tempos em tempos, passar dois meses em Belém.

- Quero ser enfermeira, cuidar das pessoas que precisam. Gosto disto e, de certa forma, já estou na atividade. Quanta dor de corno eu já tive que agüentar...

Não gosta do pai. Aos 15 anos ele a negociou com um engenheiro, de 34 anos. O pai estava cheio de dívidas com a jogatina e o engenheiro, rico, se ofereceu para quitá-las. O acordo foi a filha única em casamento. Bodas.

- O engenheiro era rico, até piscina tinha na nossa casa! Mas eu não gostava daquele homem e, para minha sorte, ele passava mais tempo viajando do que em Belém. Daí fui levando um pouco mais. Casei forçada, entende...

A situação piorou quando ele e seu pai colocaram na cabeça a idéia que uma criança salvaria o casamento. Cassiana ficou tomando anticoncepcional escondida por alguns meses, até que seu marido descobriu. Engravidou na marra. Depois do nascimento do Fabiano, o engenheiro viajava menos e bebia mais. Quase proporcionalmente. Dizia que era preciso ficar mais tempo em casa pra cuidar da família.

- Aquele filho da puta... Bebia quase todo dia! Até que teve um dia que o lazarento me deu um empurrão...

O empurrão virou tapa. O tapa virou puxada de cabelo. A puxada virou murro “de mão fechada”. Um dia ele a espancou tanto que a deixou desmaiada, na beira da piscina. Teve até fratura exposta, num osso perto do pescoço.

- Dá tua mão. Passa aqui, perto do seio. Tá vendo? Cicatriz. Não ficou feia, mas é uma cicatriz... Aquele filho da puta!

Se encheu do marido engenheiro rico e bêbado, do pai negociante e da mestiça Belém. Deixou o pequeno Fabiano com a mãe e fugiu para o Sul. São Paulo e depois interior do Estado. Gosta daqui porque o clima é bom e tem muito estrangeiro.

- Gringo é bom. Paga bem, goza uma vez e dorme a noite toda. Não enche o saco. Americanos são mais complicados, pois querem fazer de tudo. Mas pagam em dólar. Japonês eu gosto: pinto pequeno, dólar e rapidez. Vira pro lado e dorme a noite toda. Mas o japonês original!

Todo mês manda uma boa quantia para o Fabiano. Não se arrepende e crê em Jesus Cristo. Está bem segura da própria vida e sorte, juntando bastante dinheiro. Este é o seu trabalho e pronto, sem crises morais. É prática.

- Todo mês vou ao meu ginecologista, que sabe que sou puta. Contei logo na primeira consulta. Só faço com camisinha e com lubrificante. Foi ele quem me ensinou: sem lubrificante a camisinha dá irritação e eu só agüento uns três clientes; com o lubrificante eu consigo com uns sete, oito...

- Oito por noite?

- É, tem dias que sim. Principalmente de sexta-feira. Saio do supletivo, passo numa lanchonete pra comer algo e já começo. A casa fica cheia, nem dá pra andar.

Lá em Belém sua família pensa que ela trabalha numa lanchonete. A separação está em andamento e ela já conseguiu que a casa do engenheiro fosse transferida para o nome do filho deles. Nem pensa em se apaixonar, pois homem é só pau e problema. E quer ser enfermeira para cuidar das pessoas.

- Gosto de cuidar dos outros, sou boa nisto.

Ken Parker X Charles Bronson (da série "post's que eu gostaria de ter escrito")


(Este post eu garfei do escabeau. Um achado!)

Fica doravante registrado: sou a favor do uso de armas nos gibis do Ken Parker; em todo o resto sou contra e voto um sonoro SIM no referendo da lei que proíbe o cidadão comum de imitar o Charles Bronson.

Meu querido Weber


No Terceiro Colegial, após uma aula sobre Segunda Guerra, recolhendo o Mapa da Europa:


- Professor, quem você acha que vai ganhar no referendo sobre o desarmamento?

- País católico dá sim; País protestante dá não.

domingo, outubro 02, 2005

Doce


(Foto de Alair Gomes)

Manhã de domingo, preguiçoso, devagar. Sono gostoso e um silêncio tão intenso. Vontade de não ver ninguém e nem de falar qualquer palavra ou som. Ouvindo Mozart.

Ontem fiquei até alta madrugada lendo. Terminei meu segundo Leminski e uma pequena novela do Wilson Bueno. Fiquei com vontade de beber um drinque, mas só tinha conhaque e um pouco de rum branco em casa. Saí e fui até um posto, destes com lojas de conveniência. Busquei uma garrafinha de água com gás. Em casa preparei duas doses de mojito cubano. Hortelã peguei na minha horta. Sem música, sem nada. Silêncio.

A cabeça estava cheia. Lotada das provas por corrigir, do prazo do mestrado, dos romances lidos. Cheia de cansaço, o que, nesta madruga, foi muito bom. Cansado não me permiti a nenhuma reflexão, marota ou infeliz. Silêncio, mexendo o drinque com o canudo e sem pensar em nada. Um doce vazio sem nenhuma culpa. Apenas eu.

De fato, estamos todos encerrados em nossas pequenas solidões. Sem exceções. E é da forma que lidamos com isto que nascem os encontros, os exílios, as paixões ou desencantos.

Atualmente não tenho muita paciência para multidões ou lugares lotados. Gosto mesmo é de entrar e sair dos lugares sem ser notado, invisível. Peço minha bebida e procuro uma mesa tranqüila, arejada e discreta. Um ou dois amigos numa conversa íntima, sem presa. Ou um bom livro, um petisco, uma noite fresca. Por vezes o turbilhão de vozes altas e distorcidas me assusta.

Engraçada esta vida. Sou professor e falo por horas seguidas. No entanto, tudo o que gostaria era de ensinar em silêncio. Os próprios textos que escrevo, ou para o blog, ou para a vida acadêmica, são, até certo ponto, falsos. Desejo dizer tudo o que penso e sinto em uma ou duas palavras. Nunca consigo e tampouco tento. Mas seria um êxtase encontrar a palavra certa, perfeita, utópica e bela. Repleta.

Até dos espelhos ando fugindo. Meio que cansei da minha cara, da barba por fazer, do nariz grande e dos cabelos confusos. Um rosto entediado e com pequenos traços de caos, como ensina o cotidiano.

Um pouquinho ali, uma fuga acolá: vou me arrastando até a hora de dormir.

Como bom neurótico, sou um homem de rituais. O ritual de despertar, mergulhado no mais profundo e fechado silêncio. O ritual do café, com as dez gotas de adoçante. O ritual de preparar uma bebida, ligar o computador e trabalhar na penumbra. Os rituais que me fazem existir, me levam, soando em seus ritmos.

De tempos em tempos me toca alguma lembrança. Quase sempre são mulheres. Uma tortura lembrar de cada corpo, dos bicos de seios, do veludo nos quadris. Tortura maior é recordar de todas as viagens, tardes e descansos que prometemos um ao outro e que nunca aconteceram. Nunca mais.

Um gole. Espumante italiano em promoção. Sem pedantismo, aumento o volume de Mozart. Esticado na cama, não quero mais ler. Nada na cabeça – só o som. Sem pedantismo: esqueço que estou vivo apenas para deixar a música destravar a alma, esticando os nervos, tinindo nos ouvidos.

Silêncio.