Foi uma noite boa, entre amigos, com longas conversas.
Acordei quebrado, com a cabeça rodando e ruim do estômago. Ressaca brava, sem dúvida. Comecei no meio da tarde, entornando whisky com gelo enquanto lia. Pensei em chamar alguém ou alugar uma comédia. Não. Creio que antigamente eu ria muito mais. Atualmente eu só leio.
E bebo.
Noite de Sábado imersa num calor fodido. Após o banho, perfumado, continuo melado e encharcado de suor. Camisa aberta até a metade do peito e molhada, sem pressa, dirijo com as janelas abertas até a casa do Luisão.
Reunião bacana, com cadeiras no quintal, petiscos caseiros e barril de chope. Fui com calma e tomei até o barril secar, só aí lembrei das cervejas. Conversamos muito sobre eutanásia, PT, sertão e bunda de mulher. Incrível como evitamos falar sobre trabalho.
Em casa eu não conseguia dormir. Calor, náusea e solidão. Existem momentos que a gente começa a observar tudo que fizemos na vida e não gostamos muito do que encontramos. Pelo menos assim é comigo, já que não sou bonito e nem otimista. Ranheta e obscuro, cada dia mais fechado na própria descrença, fico imaginado como escapar de tanta merda. E nesta noite quente eu fiquei pensando nisto tudo.
Não dá pra levar tudo ao pé da letra, com tanta seriedade, mas também não consigo relaxar e fingir que as coisas não acontecem. A pergunta é manjada, eu sei, mas realmente gostaria de saber o que faço para minhas mulheres correrem após quatro meses. Também estaria mais tranqüilo encontrando algum trabalho um pouco estável.
Engraçado, mas tenho a impressão que já perdi boas oportunidades. Estava pensando numa tarde vazia e lembrei de um livro fundamental. C
açadas de Pedrinho, de Monteiro Lobato. Desconfio que se não tivesse lido este livro as coisas seriam bem diferentes. Não teria inoculado o vírus do amor pelas histórias e livros, tampouco seria um escravo da imaginação, do gozo pelas idéias. Sem a ação das letras talvez secasse em mim a contemplação pelo improvável, espírito inquieto e flerte com o sonho. A vida seria monocromática, sem grandes aventuras, mas muito mais segura. E quem pode dizer que seria pior?
Ou melhor?
Estou enrolando. O que preciso admitir, e sofro com isto, é que não estou contente com minha existência. E faz tempo. Acomodado, cada vez mais gordo, beberrão e careca, estou me transformando naquilo que me horrorizava nos tempos teóricos. Com a conta no vermelho, sem beijo de namorada e desempregado novamente. A vida que não saiu de 1789, não ultrapassou as barricadas do desejo e nem ardeu como a periferia da grande Paris. Lúgubre e soturno, tal qual um Nosferatu caipira, eu peço aos deuses gélidos que me salvem do meu próprio lobo.
O lobo do homem...
Estou sendo sincero em dizer o que sinto. Como uma estaca fincada na areia, parada e afundando, meu horror dilacera os sonhos de futuro. Medo da mesquinhez, da solidão, da ignorância, cada dia mais eu não sinto nada além deste incômodo enjoativo e sujo. Um constante e obsessivo olho crítico, aterrorizado com minha autoflagelação.
Talvez seja o momento de deixar os antigos desejos de lado, tombar em algumas lutas, iniciar outras. Dizer adeus aos meus botecos de samba, encravados na Paulicéia, com suas minas gostosas que estudam francês. Esquecer do
aburguesamento cultural que tatuou Bruñel, Tati, Fellini e Pasolini nas minhas retinas, assim como afinou ouvidos na música impressionista. Cada vez mais consciente das minhas cruas limitações.
Domingo. Ressaca e a impotência das ações, minhas ações. Arrumei o quarto e enfeitei com flores. Narguilé preparado, começo a fumar esticado na rede, tentando esvaziar dos pensamentos qualquer coisa que não fosse o espreguiçar na tarde quente. Lembro de Pedrinho com suas caçadas, do saci, da mula-sem-cabeça. E do sabugo de milho que usava cartola, digno da cultura bacharelesca mais sedutora e vazia que este Brasil teve a honra de parir.
Embolorado e carcomido, sem Sampa e nem verniz, é da espiga falante que hoje sinto mais saudade. E ódio.