sexta-feira, novembro 25, 2005

Papai Noel

Entreguei as últimas provas hoje. Terça recebo os envelopes e tenho uns dois dias para corrigir uma batelada de questões e grafias incompreensíveis. Depois passo mais duas semanas com os gênios que ficaram para recuperação. Mais provas.

19 de dezembro acaba tudo. No dia seguinte é a formatura.

Ontem dei minha última aula no cursinho. Correria doida, menos de duas horas para voar por todo o conteúdo e apontar os assuntos que podem receber atenção dos vestibulares. Nem precisei de café.

Coloquei uma pequena lembrança, mensagem, nas provas dos alunos do terceiro colegial. Coisa simples, fiz mais para me agradar do que na intenção de despertar qualquer sentimento bacana neles. Mas nunca se sabe, aluno é um bicho doido, alguns ali se esforçam para parecer gente e, na maior parte do tempo, enganam bem.

Enfim, termino o ano com Henfil.


terça-feira, novembro 22, 2005

Dois passos do Paraíso

Um calor infernal e fico escrevendo de cuecas, com o quarto fechado, no escuro. Não que precise deste ambiente para trabalhar; na verdade, já estou acostumado com meu quarto fechado, abafado e entulhado de livros e papéis inúteis.

Gosto de pensar na minha próxima casa ou apartamento, enfim. Sei que quando arrumar um canto, novamente, vou tentar livrar o quarto de tantas quinquilharias. Só a cama, uma mesinha e um rádio. Só. Com tanta coisa pendurada nas paredes, arrumadas nas estantes, jogadas no chão e apontadas na escrivaninha, raramente consigo dormir bem. Estou sempre pensando nelas, nas palavras, coisa que, muitas vezes, me assusta.

Estava quente e decidi abrir a porta. A casa silenciosa pedia Debussy, bem baixinho. Escrevendo, com uma almofada entre as costas e a cadeira, premeditando a crise noturna. Tudo muito bom, isolado do mundo, esquecido, ali, escrevendo e derretendo, longe das preocupações e concentrado. A barba crescendo.

Despertei com uma discussão. Meus vizinhos vivem tornando suas querelas públicas, berrando e me obrigando a participar daquilo tudo. Pelo tom das vozes notei que era um quebra-pau entre pai e filha. Não posso afirmar, mas era.

O pai é um sujeito estranho. Na verdade, quero escrever a coisa exata: um sujeito escroto. Vive gritando e reclamando, um merda barrigudo e careca que me parece ser a infelicidade concreta. Sua mulher e ele fazem bem o estilo de casal capa da CARAS, freqüentadores de reuniões destas sociedades e confrarias da elite brasileira branca, destas com nomes estúpidos em inglês. Membro da maçonaria, com certeza. Vejo, apenas observando o casal, o quanto eles devem ser desgraçados na intimidade. Maridão que traí a mulher, mulher que participa do bazar beneficente de Natal. E, quem sabe, Miami no final do ano.

A filha. Esta eu observo bem. Uma gostosa, morena, alta, cabelos lisos castanhos, compridos mesmo. Seios grandes e bunda dura, magra, gostosa demais. Sempre que a vejo está usando top, calça jeans colada ao corpo (o que demonstra o tamanho e volume de suas pernas e coxas) e óculos escuros. Sempre de óculos escuros. Por um adesivo colado no vidro traseiro de seu carro, creio que estuda odontologia numa faculdade que nunca ouvi falar. Uma beleza. De tempos em tempos a vejo com seu namorado, um tipinho playboy musculoso, também com óculos escuros, dando uns malhos em frente ao seu portão. Deve ser fantástico e excitante assistir aos dois trepando. Tenho certeza que isto é bem melhor do que uma conversa com eles.

Nem sei por qual motivo pai e filha estavam discutindo, raramente presto atenção em situações que considero tolices. Tenho um ouvido seletivo. De qualquer forma, a agitação vizinha estava me enchendo o saco, a menina gritando e o pai bufando. Achei tudo aquilo uma fotografia da nossa trágica existência ou, sendo otimista, uma piada da melancolia burguesa. De cuecas, sofrendo com o calor, ouvia pai e filha discutindo sem prestar atenção em qualquer palavra. Era a aguda voz irritante e exageradamente alta que mais me irritava.

Depois de cinco ou seis minutos escuto o estrondo de uma porta batendo, forte. Acabou o bate-boca e voltei e ouvir, cristalino, o som baixo de Debussy. Ótimo. Busquei café e fiquei pensando, imaginando, o que aconteceria se, no meio da discussão, eu gritasse algumas palavras de ordem. Nada comedido como “Vocês são parentes, parem com isto”. Gostaria de berrar, tal qual um doido humilhado e desacreditado, coisas como “Parem com esta merda toda, pois eu não consigo me masturbar” ou “Calem a boca e vamos mergulhar todos no silêncio saudável da nossa ignorância”. Fiquei assim durante um bom tempo, só imaginando frases que eu gritaria, de cuecas e com os calcanhares devorados por pernilongos.

Seria, de fato, engraçado.

quarta-feira, novembro 16, 2005

Jogo tenso

Somos finos como papel. Existimos por acaso entre as percentagens, temporariamente. E esta é a melhor e a pior parte, o fator temporal. E não há nada que se possa fazer sobre isso. Você pode sentar no topo de uma montanha e meditar por décadas e nada vai mudar. Você pode mudar a si mesmo para ser aceitável, mas talvez isso também esteja errado. Talvez pensemos demais. Sinta mais, pense menos.
O capitão saiu para o almoço e os marinheiros tomaram conta do navio
Charles Bukowski


Resolvi cuidar um pouco da saúde. Fico pastando alfaces de segunda até sexta. Sem o pastel de quinta-feira, sem o whisky da noite, sem sorvete de flocos. E a intenção não está em aumentar a expectativa de vida. Quero mesmo é ficar um pouco mais agradável e resistente fisicamente, ou melhor, não tão acabado. Bicicleta e caminhada. Bom pra pensar enquanto ando.

É cansativo. Ontem recebi uma mensagem de uma moça que eu estava flertando. Agradeceu pelo encontro que tivemos, pelas bebidas e pela conversa. Agradeceu muito como uma grande amiga. Pois é. Tem horas que eu consigo ser simpático.

Este é o ponto. Não sei bem onde começo a me atrapalhar, mas todas as mulheres que tento seduzir terminam como amigas. É estranho, não posso me queixar destes sentimentos, mas cada vez que sou castrado enquanto macho e recebo os louros da amizade, termino meu dia absolutamente frustrado e chateado.

No trabalho vejo que as coisas estão perto do fim. Últimas aulas, últimas páginas. Ruim é ficar sem dinheiro para viajar, mas sei que vou arrumar alguma coisa. É que não consigo passar semanas de férias no esquema miojo-água. Francamente, quero descansar, e isto me é sinônimo de ficar num lugar diferente, vendo coisas diferentes, com meia-dúzia de livros e algum boteco fresco. Não desejo outras coisas, passeios ou grandes hotéis: quero um lugar tranqüilo, longe desta merda, em que eu possa ler e beber sem ter que lembrar de quem eu estou tendo que ser.

Não paro de mexer no meu currículo, meio que numa esperança de conseguir um bom emprego em 2006 por causa das palavras exatas que coloco nele. Talvez seja o meu texto mais ambicioso. Já entreguei muitos e até janeiro espero despejar umas três dezenas por aí. Realmente gostaria de voltar para São Paulo, mas andei fazendo contas e entendo que só devo voltar se conseguir juntar algum dinheiro. Até hoje foram oito anos na Paulicéia praticamente ganhando para viver por lá, pagando caro por isto. Preciso de uma quantia para viajar, ir de carro até Porto Alegre, enfim...

Tampouco me contenta a possibilidade de ficar por aqui. A impressão que tenho é a de que já conheço todas as mulheres interessantes da cidade, e que, na visão delas, eu não sou tão interessante para ser conhecido. No boteco, conservando com o Moisés enquanto ele me serve cerveja, tenho a impressão que já estou sendo visto como uma figura natural do lugar, tal qual aqueles tios bêbados que residem em certos balcões de bares. Um inferno. De tempos em tempos encontro com um destes tipos que resolve puxar um papo. Banalidades engraçadinhas que costumam girar em torno da tríade masculina bunda de mulher – futebol – bebedeiras. Odeio isto. Odeio com força, com raiva, com desespero. Odeio quando um deles chega e, tentando ser simpático, diz alguma coisa sobre o Corinthians ou São Paulo, gargalhando com umas risadas falsas. É um desconhecido. Vou ao bar para fugir de casa, para beber e para encontrar dois ou três amigos. E só.

Comprei uns livros bacanas, mas não quero escrever sobre eles. Estão no meu lado, eu fico folheando, rondando. Delícias para dezembro. E até lá me arrasto.

segunda-feira, novembro 14, 2005

Bolerão

Comprei um cd da Angela Ro Ro. Rock, blues e samba-canção. O que gostei mesmo foram os boleros, dos marcados por bongô, bem no estilo de fazer musical em zona. Zonas que não existem mais.

Antes de encontrar o cd, numa banca de promoções do supermercado, parei no banco. Tinha que acertar burocracias e pagar uma conta. Na fila, duas pessoas na minha frente, avistei um fulano. O homem de uma antiga namorada que amei muito, demais. Esperta. Até eu achei o cara bonitão.

Madness

Sentimental eu fico
Quando pouso na mesa de um bar
Eu sou um lobo cansado carente
De cerveja e velhos amigos
Na costura da minha vida
Mais um ponto
No arremate do sorriso mais um nó
Aqui pra nós cantar não tá pra peixe
Tem coisa transformando a água em pó
E apesar de estar no bar caçando amores
Eu nego tudo e invento explicações
Amigo velho amar não me compete
Eu quero é destilar as emoções
Sentimental eu fico . . .
E os projetos todos tolos combinados
Perecerão nas margens da manhã
Uma tontura solta na cabeça
Um olho em Deus e outro com Satã
E quando o sol raiar desentendido
Eu vou ferir a vista no amanhã
E olharei para quem vai pro trabalho
Com os olhos feito os olhos de uma rã.
Sentimental eu fico
Renato Teixeira


Despertei com a cara amassada e judiada pela ressaca. Ontem foi fogo. Reunimos os professores do colégio para uma botecada bem animada. O Márcio, colega da tesouraria, já foi cozinheiro e ficou responsável pelos quitutes. Fez croquete, torresmo, esfiha, quibe, lingüiça recheada com queijo e costela bovina com mandioca. Orgia gastronômica total!

Fiquei por conta das batidas. Fiz caipirinha, batida de maracujá, de carambola, cuba libre... Mas o carro chefe foi o mojito cubano, este sim, feito no capricho e com todo o ritual necessário. Limão, rum, açúcar, água com gás, hortelã e gelo picado, Muito hortelã em tudo. Pessoal gostou e aplaudiu; secaram minha garrafa de Bacardi.

Hoje tenho coisas tolas pra fazer. Banco, barbeiro, mercado, locadora de vídeos... Vida besta. No final da tarde vou ver se arrasto um amigo querido pro cinema. Ou pro bar.

Impressionante a vida. Estava, na noite de Sexta, embalado no whisky. Tinha combinado com uns amigos, mas como ninguém apareceu, fiquei sozinho mesmo. Noite fresca e bar lotado. No balcão, conversei um bom tempo com o Moisés enquanto ele me arrumava uma mesa. 'Mesa na varanda, por favor'.

O céu estava cravejado de estrelas, sem nenhuma nuvem passageira e vadia. O problema era as pessoas ao lado, todas falando muito alto e rindo de qualquer besteira. Nas minhas costas estava sentado um japonês de franja tingida e óculos moderninho. O rapaz não parava quieto, ficava gritando, rindo alto e gesticulando. De tempos em tempos batia seu cotovelo na minha cadeira. Estavam falando alguma merda sobre bandas que eu nunca ouvi falar. Deveriam ser grupos britânicos ou qualquer outro pastiche do gênero. Merda. Se eu pudesse mandava este japonês e suas amiguinhas de Melissinha pra casa do caralho. Fui pra cama.

Estava entretido numas idéias. O que é realmente importante na vida? Pergunta chavão, mas forte para um homem idiota. E eu sou um homem idiota. Caramba... Assustei ao perceber que muitos dos meus desejos são vazios e que minha vidinha está cada vez mais próxima de se tornar uma piada perigosa que nunca me fez nenhuma graça. Pro inferno.

Ainda nesta manhã fui golpeado sem dó. Tinha preparado uma aula ambiciosa sobre ditadura militar brasileira. De 1964 até 1985, com cores, sons e palavras. Aula de militante, esquerda mesmo, deixo claro. Bom, fiquei por conta disto a tarde toda de quinta-feira, buscando arquivos de sons na Internet e imagens importantes. Montei uma apresentação multimídia que começava com o áudio de uma rádio mineira anunciando o início das movimentações dos milicos e terminava com Inútil, no clima das Diretas Já. Não funcionou. Os alunos da oitava só sabiam rir do meu esforço.

Não sei se era mais fácil, mas quando eu amava a Carolina tinha um gosto melhor pela humanidade. Tolo, não? É que gasto toda a minha verte social em sala de aula, que é uma aventura. Subir num palanque e encarar 30 rostinhos mais interessados em comer Danoninho do que em 1789. Se bem que no terceiro colegial eu consegui alguma coisa... De qualquer forma, saio exausto de lá, exausto de vozes, de comportamentos, de “eus”. No restante do dia não quero escutar uma pergunta ou lamento, só o meu acolhedor e confortável silêncio.

Vou pro boteco. Serra Malte trincando, azeitona no azeite e queijo fresco. Estou realmente preocupado com a barriga, o que me condiciona a pastar alface a semana toda. Não ali. Pondero se era mais fácil com a Carolina a tiracolo. Penso em pular da ponte, jogar na loteria, pedir outra cerveja. É bem mais gostoso quando leio Bukowski.

E o japonês não pára de falar.

quarta-feira, novembro 09, 2005

Chamas Lascivas

A Rita levou meu sorriso
No sorriso dela, meu assunto
Levou junto com ela o que me é de direito
Arrancou-me do peito e tem mais
(...)
Levou os meus planos, meus pobres enganos
Os meu vinte anos, o meu coração
E além de tudo
Me deixou mudo um violão
A Rita
Chico Buarque

A Rita em questão se chama Cristiane.

Engraçada esta vidinha nossa. Um dia está tudo caminhando, o nosso cotidiano de merda, trabalhando pra quitar prestações e reservando a grana da bebedeira. Toda Sexta era sagrada! Assim vamos tocando em frente, em alguns momentos até com relativa graça e charme. Mandando ver.

Daí pintou uma morena. Baixinha, cabelos lisos compridos, bunda arrebitada e olhos castanhos. Os seios não eram nem grandes e em pequenos, mas daquele tamanho que bastava preu me divertir uma noite toda, beijando seus bicos escuros, pretos, afiados. O quadril era uma coisa especial, o melhor de seu corpo. Ali eu metia as mãos, contornava com um abraço e ficava só sentindo sua respiração e o cheiro de seus cabelos. Porra... Não é que eu me apaixonei!

O que mais me prendia na Cristiane era a sua mania de discutir em cima de tudo que eu falava. Ficava me perguntando e ouvia, atenta, abraçada. Quando eu dava uma pausa, concentrado no que dizia, ela me apertava forte e fazia um dengo, uma coisa com a boca, uma voz bem baixinha, um sussurro... Eu pirava, esquecia de toda a estante de filosofias. Exatamente neste ponto ela retomava meus raciocínios e fazia perguntas capciosas. Prestava atenção com um charme que me deixava de pau duro.

De vez em quando ela se cansava e ficava me repetindo, imitando meus jeitos, minha excitação. Outras vezes vinha com frases prontas, lidas ou vistas não sei onde, e afirmava em gargalhadas que intelectual só fala e fala. Era o ponto, nosso acordo secreto ou passe mágico, que me libertava de qualquer estupidez ou convenção. Dali pra frente era sexo com cheiros, suores, gostos, líquidos, chupadas e apertões.

O melhor era depois. Ela me enlaçava e passava os dedos em alguns ossos, nas palmas das mãos, nádegas e boca. Depois apenas repousava seu corpo moreno no meu, branco de alemão escandinavo. A gente ria disto. O resto era silêncio sem nenhum constrangimento, apenas a delícia rara de estar completamente nu e natural com alguém sem ter que dizer ou fazer absolutamente nada.

Brigamos e ela foi do jeito que chegou: segura. ‘Pro caralho com esta saudade!’, penso quando a falta aperta. Não sei. Os amigos dizem que ela não me servia, que não me amava e nem bastava, que a moça só sabia pensar em si e que me fazia de besta. Quem sabe?

Porra... Daí foi um desencanto só. Só. Deu um tempo e fugia do espelho pra não ter que me olhar nos olhos. Podia ser besteira, mas assim era. Entretanto, quase não chorei, pois não entendia bem no que isto poderia me ajudar. Sem sobressaltos, esperei o andamento natural das coisas. Homem que tinha responsabilidades e uma montanha de livros para abrir. Foi.

Pois é. Cotidiano de merda novamente, metido até o pescoço. Mais e mais lembro da Cris. A morena me seqüestrou da vida de repartição, educou os meus sentidos com deliciosos vícios e ascendeu toda a chama lasciva e libidinosa.

Será que ela está com alguém? Ainda faz os dengos com a voz? Contorna os ossos? Escuta com atenção quando ele fala? Será que ela pensa em mim?

Ah... Pro caralho com esta saudade!

terça-feira, novembro 08, 2005

Lugares Comuns

Foi uma noite boa, entre amigos, com longas conversas.

Acordei quebrado, com a cabeça rodando e ruim do estômago. Ressaca brava, sem dúvida. Comecei no meio da tarde, entornando whisky com gelo enquanto lia. Pensei em chamar alguém ou alugar uma comédia. Não. Creio que antigamente eu ria muito mais. Atualmente eu só leio.

E bebo.

Noite de Sábado imersa num calor fodido. Após o banho, perfumado, continuo melado e encharcado de suor. Camisa aberta até a metade do peito e molhada, sem pressa, dirijo com as janelas abertas até a casa do Luisão.

Reunião bacana, com cadeiras no quintal, petiscos caseiros e barril de chope. Fui com calma e tomei até o barril secar, só aí lembrei das cervejas. Conversamos muito sobre eutanásia, PT, sertão e bunda de mulher. Incrível como evitamos falar sobre trabalho.

Em casa eu não conseguia dormir. Calor, náusea e solidão. Existem momentos que a gente começa a observar tudo que fizemos na vida e não gostamos muito do que encontramos. Pelo menos assim é comigo, já que não sou bonito e nem otimista. Ranheta e obscuro, cada dia mais fechado na própria descrença, fico imaginado como escapar de tanta merda. E nesta noite quente eu fiquei pensando nisto tudo.

Não dá pra levar tudo ao pé da letra, com tanta seriedade, mas também não consigo relaxar e fingir que as coisas não acontecem. A pergunta é manjada, eu sei, mas realmente gostaria de saber o que faço para minhas mulheres correrem após quatro meses. Também estaria mais tranqüilo encontrando algum trabalho um pouco estável.

Engraçado, mas tenho a impressão que já perdi boas oportunidades. Estava pensando numa tarde vazia e lembrei de um livro fundamental. Caçadas de Pedrinho, de Monteiro Lobato. Desconfio que se não tivesse lido este livro as coisas seriam bem diferentes. Não teria inoculado o vírus do amor pelas histórias e livros, tampouco seria um escravo da imaginação, do gozo pelas idéias. Sem a ação das letras talvez secasse em mim a contemplação pelo improvável, espírito inquieto e flerte com o sonho. A vida seria monocromática, sem grandes aventuras, mas muito mais segura. E quem pode dizer que seria pior?

Ou melhor?

Estou enrolando. O que preciso admitir, e sofro com isto, é que não estou contente com minha existência. E faz tempo. Acomodado, cada vez mais gordo, beberrão e careca, estou me transformando naquilo que me horrorizava nos tempos teóricos. Com a conta no vermelho, sem beijo de namorada e desempregado novamente. A vida que não saiu de 1789, não ultrapassou as barricadas do desejo e nem ardeu como a periferia da grande Paris. Lúgubre e soturno, tal qual um Nosferatu caipira, eu peço aos deuses gélidos que me salvem do meu próprio lobo.

O lobo do homem...

Estou sendo sincero em dizer o que sinto. Como uma estaca fincada na areia, parada e afundando, meu horror dilacera os sonhos de futuro. Medo da mesquinhez, da solidão, da ignorância, cada dia mais eu não sinto nada além deste incômodo enjoativo e sujo. Um constante e obsessivo olho crítico, aterrorizado com minha autoflagelação.

Talvez seja o momento de deixar os antigos desejos de lado, tombar em algumas lutas, iniciar outras. Dizer adeus aos meus botecos de samba, encravados na Paulicéia, com suas minas gostosas que estudam francês. Esquecer do aburguesamento cultural que tatuou Bruñel, Tati, Fellini e Pasolini nas minhas retinas, assim como afinou ouvidos na música impressionista. Cada vez mais consciente das minhas cruas limitações.

Domingo. Ressaca e a impotência das ações, minhas ações. Arrumei o quarto e enfeitei com flores. Narguilé preparado, começo a fumar esticado na rede, tentando esvaziar dos pensamentos qualquer coisa que não fosse o espreguiçar na tarde quente. Lembro de Pedrinho com suas caçadas, do saci, da mula-sem-cabeça. E do sabugo de milho que usava cartola, digno da cultura bacharelesca mais sedutora e vazia que este Brasil teve a honra de parir.

Embolorado e carcomido, sem Sampa e nem verniz, é da espiga falante que hoje sinto mais saudade. E ódio.