sábado, maio 28, 2005

O que eu também não entendo

Avise, se puder, nossos amigos que eu não vou mudar.
Em todos os lugares que você estiver eu vou estar.
Perto de você, eu não pude ficar, tente não me esquecer,
Vou tentar sempre te amar!


Bromélias
Bidê ou Balde


Demorou quase quatro anos, mas aconteceu novamente. Juro que pensei que isto era fato consumado, que nunca mais sentiria coisas parecidas. Que nunca mais tremeria ao falar pelo telefone. Aconteceu.

A dor está no tempo verbal, no passado. Assim, mais uma vez, acabou antes de começar e, acreditem, o que ficou sangra como uma multidão de pessoas abortadas. Cada sonho assassinado e interrompido é espinho rasgando a carne.

E sangra.

O certo, a única certeza, é que estou sozinho com todas as minhas qualidades e inseguranças. Aqui nada tem serventia ou validade. Só o esperar.

Nem time de futebol eu consigo ter, o que dirá do amor? É amargo, dói, humilha. Logo agora que eu me fazia gente, sem café, sem conhaque... Sem vergonha é esta vida medíocre que levo, no esquema cerveja-trabalho-televisão.

Restou um amigo que eu ligo no desespero e tento chorar.

Sobrou minha dissertação, paciente, aguardando cada palavra sofrida, parida e distante que vou colocar.

Ficaram meus manuais de histórias, minhas equações budistas, fórmulas mágicas, gosto de alma. Um resto de humanidade preso entre os dentes cansados de mastigar realidade. Cotidiano.

Comprei um Leminski, o primeiro da coleção. Taco fogo?

E, de repente, abandonei o cheiro bom; virei um fantasma assombrando a enorme casa, abrindo todas as portas, apagando as luzes. Capturando estrelas.

Foi.

(Aumento o som. É o bom e velho rock’n’roll. Isto fica. E eu lembro cada beijo que te dei.)

sexta-feira, maio 27, 2005

Camisa amarela

Ao final sempre ganha a morte, porque
tem menos pressa do que a vida e
também menos vergonha.

Camilo José Cela



Criou coragem, ligou e fez o convite. Era hora do almoço, sabia que iria encontrar com ela em casa. Mesmo assim, chamou pelo celular. Minutos de excitação, conversaram bem. Tudo acertado.

Passou um café novo e ficou fumando, um tempo, olhando o movimento da rua. Saiu com o carro, alugou dois filmes e enfrentou o supermercado. Odiava filas. Comprou vinho, frutas e sorvete de creme. Queria whisky, mas não tinha dinheiro para uma boa garrafa.

Tomou um demorado banho. Lavou bem o pau, os braços, as orelhas. Escovou os dentes muitas vezes e, vagarosamente, aparou a barba. Perfume sutil. Escolheu uma camisa alegre.

Descascou todas as frutas, fazendo uma salada fresca e colorida. Cozinhou a calda de caramelo, meteu suco de laranja, amassou baunilha. O vinho não precisava de geladeira. Esperou.

Ela não veio.

(De repente sentiu-se solidário aos restos e cascas de frutas entulhadas na pia.)

Acho que o remedinho está fazendo efeito

Te fiz um rock, Melissa
Pode crer que é sobre amor
Se não tiver como ir pra praia
Não precisa nem estalar os dedos
Se tu quiser que eu te leve
Eu aprendo a dirigir!

Melissa
Bidê ou Balde



Hoje fui dirigindo até o psiquiatra! Nunca tinha ido tão longe com o carro. Fui direitinho, estacionei na sombra, sai e entrei na garagem. Tudo sem muito medo e sem café no conhaque. Na verdade, sem café e sem conhaque.

Cortei o café, o conhaque e o charuto. Careta, né?

Acontece que fui até lá dirigindo, coisa que nunca tinha feito antes. Fiquei pensando e procurando nisto uma boa metáfora, como todo leitor assíduo de poesia. Acho que, com tempo, estou voltando a dirigir minha vida. Que gostoso.

Ainda tenho medo, medo de quase tudo. Tenho medo de conseguir a mulher e depois perdê-la. Medo de conseguir e perder. Tenho medo de dirigir, de estacionar, de sair da garagem. Tenho medo de ser esquecido. Tenho medo de ver minha ex-namorada e de seqüestro. Medo da minha dissertação. Medo do câncer, do revolver, da solidão. Também tenho medo de broxar.

O problema com o medo é que ele sempre estará conosco. Em qualquer decisão que eu tomar, estarei com ele, seja pra me fazer covarde ou prudente. Então não há um valor único nisto tudo, é entender que ter medo faz parte de um processo de escolha. O bom de saber disto é que não deixo mais só meus temores influenciarem nas opções e decisões; estão comigo, peso todos os receios, mas não deixo de utilizar outras coisas. Intuição, por exemplo.

Outra coisa: escutei, pelo site da MTV, as músicas acústicas do Bidê ou Balde. Fiquei emocionado e quase chorei. Quase mesmo. Mais um cd e dvd na lista do meu “consumo imediato”. OK. E vamos para uma temporada de flores, bromélias e Melissas.

sábado, maio 14, 2005

A vida moderna de TheGun

Io fei giubbetto a me delle mie case.
Dante


O carro é um Pálio. Camiseta Hering, tênis All-Star, cueca Zorba. Sorriso Colgate. O som é Panasonic. Vitamina C. Dores nas costas.

Pílula, sinapses, neuro-transmissores. Pensamento. A conta ultrapassa duzentos reais, e eu posso chorar, semanalmente, com acompanhamento médico. Cidade.

Sala de aula multimídia. Busco o Cristo bizantino no Google. Pornografia. Religião. Hitler. Quanta vontade de viver, quanta vontade de querer, quanta vontade de poder. Vontade de sentir algo que seja diferente desta maldita culpa moribunda, putrefata, corrupta. Esqueci como se faz.

Conhaque Napoleon, poemas do Drummond, disco do Chico. Literatura barata. Entretenimento. Nossa Caixa, conta azul, gasto controlado. Homem civilizado que não se desespera na frente da família. Assistindo novela.

Cortei o cabelo e aparei a barba. Minha vida moderna. Esperei o celular Siemens, operadora TIM, completar a chamada. Infelizmente não consegui me conter.

Pro inferno com tudo. Faço-me nu. Esqueço da luz, esqueço do tempo, esqueço da tarde. Mas não esqueço de tudo. Não há como.

Meu medo é o Domingo. Dia medieval, tenho com ele um pacto de diabos. Há ali uma falta de sentidos, um espaço perdido gigantesco. Território do Deus selvagem, do esperar tacanho, sem libido, sem fazer.

Eu passo a rezar para todos os santos.

domingo, maio 08, 2005

Serenata

Eu tenho o mundo inteiro pra salvar
E pensar em você é Kriptonita...

Kriptonita
ludov


A corda LA do meu violão estourou. Faz muito tempo que não troco o acordamento, estão velhas, desgastadas. Estava tocando Kriptonita, do Ludov. Só tocando, sem cantar. Cantando com a cabeça, cantando em pensamento.

A corda não agüentou a tensão. Partiu-se. E parei com a serenata.

Eu tenho o mundo inteiro pra salvar, mas hoje os sentimentos apareceram agressivos na minha janela. Vontade de andar de bicicleta até encontrar a casa de algum amigo, mas estou com medo de sair do meu quarto. Medo mesmo.

De tempos em tempos eu volto aos meus grandes temas e comportamentos. Não consigo ser inédito. Voltei ao estudo budista. Voltei aos comprimidos de felicidade. Voltei ao silêncio. Voltei ao esperar pra ver.

Perto de casa apareceu um circo. Papai e mamãe levaram minha sobrinha no espetáculo de Sexta. Gostei de vovô, vovó e netinha indo ao circo, gostei mesmo. E consegui chorar diante da beleza.

Perto de casa apareceu um campo de lembranças. Fui até lá vestido com as roupas e armas de Jorge. Voltei nu. Nada impulsivo, nada espetacular, nada estranho. Só não tive forças para reagir. E não consegui chorar diante da tristeza.

Um amigo querido disse que eu deveria acreditar nos meus olhos verdes e dar o grito de independência. Ele confidenciou que está cansado de procurar felicidades nos outros, que o melhor que pode fazer é ser ele mesmo. Disse que eu deveria fazer o mesmo. Óbvio. Está certo.

Acontece que sou um péssimo amigo. Queria deixar de apenas concordar com ele e praticar cada um dos seus acertados conselhos. Gostar um pouco mais dos meus olhos verdes. Deixar a leitura budista pra virar budista. Terminar a dissertação. Marcar um gol. Andar de bicicleta.

Queria fugir com o circo.

segunda-feira, maio 02, 2005

Walk on the wild side

Dia sim dia não
eles tocam a campainha de casa
vendendo sacos de lixo.
Eu compro.
Existe mesmo muita sujeira por aí.
Um dia
vou junto conhecer a fábrica deles.
Hoje eu sei como se fabrica a sujeira.
Quero saber como se fabricam
os sacos.

Sujeiras
alberto martins


Está fazendo frio aqui no sertão. Ao menos, desta vez, não é só no meu quarto. Manhã gelada de segunda-feira para quem escuta Bonnie Tyler e Ziggy Stardust. Ainda estou preparando aulas.

Tive um final de semana sem sobressaltos, sem grandes encontros. Mas foi bom.

Quase tão bom quanto I Will Survive com o Cake!

Conversei com uma pessoa especial que me fez lembrar do ano de 2002. Ela queria ouvir toda a história que eu, como bom estrategista, não contei. Só algumas partes. Bem, importa dizer que lembrei e avaliei coisas que tinha enterrado, que não mexia, que estoquei, numa caixa de papelão lacrada, encima do armário.

Pensei nos meses de depressão.

Como são as coisas de vida, não é mesmo? De repente passei a entender de neuro-transmissores e da importância destas coisinhas dentro da gente. Não foi siricutico de um ano.

O que deu para entender desta reflexão é que consegui sobreviver, mesmo com as baixas, com as marcas, com o exílio... E que bom ainda estar por aqui! Ótimo, na verdade.

Bacana foi no Sábado. Gnomo passou em casa, pedimos uma pizza e ficamos vendo TV. Mais tarde, bem mais tarde, ele voltou com o Giusti e fomos ao Blues beber. Fiquei na cachaça, eles na cerveja. Estou resfriado, é prudente não beber gelado.

Bateu pesado. Queria dizer isto a eles, mas tive medo de parecer piegas. Nós três, numa mesinha suja, bebendo e falando de sexo. Nenhuma novidade, quase um Coupling tupiniquim. O gostoso veio em sentir que estamos mais velhos, amadurecidos, mais íntimos e amigos. Os dois estavam com seus casacos escuros, reclamando do cheiro de pinga, contando do show de rock e incrivelmente seguros, completos, adultos. Sabe quando a gente se dá conta que o tempo está passando?

Fiquei emocionado e feliz em entender, como certeza matemática, que ainda estamos juntos. Apesar das idas e vindas, do Atlântico, dos neuro-transmissores, do tédio e do amor líquido pós-moderno, ainda encontramos espaço – sagrado – pra nossa cervejinha.

Bem melhor do que Elvis Costello, Zappa e Lou Reed!