domingo, junho 26, 2005

Pelo menos isto

(Documentação inédita. Texto perdido entre os anos. Essas coisas que a gente quer dizer ou fazer sem pensar.)

Serei franco com você, deixando de ser tão hermético, falando pelas beiradas. O que acontece é amor, sempre amor, mesmo amor.

Acontece o bom e o ruim do amor.

Ontem você me procurou e atendi todas as chamadas escondendo as lágrimas. Fiz força e não chorei. Nem mesmo a voz alterada, trêmula. Fiz até piadas.

Hoje mandei algumas mensagens, três ou quatro. Pela primeira vez você não respondeu. Só me diga, o que a gente faz quando o amor decide nos deixar?

Lembra daquela garrafa de vinho tinto que estava em minha mesa, ancorando os dicionários? Não está mais lá. Faltava pouco vinho, é verdade, e ele já estava com um gosto ácido de vinagre. Não foi nem pra fazer tipo ou judiaria: apaguei a luz e coloquei aquele disco cubano que você odiava. Deitado, bebi o que restava na garrafa. Gargalo mesmo.

O que posso dizer? Hoje não tem Fernando Pessoa, nem Drummond, nem Lispector. Hoje a banda não vai passar, nem vou assistir ao gol, nem comprar sorvete. Hoje não vai passar.

(Pois tudo que existe só faz lembrar que o triste está em todo lugar.)

Gostaria que você soubesse o quanto sinto por ter lhe decepcionado, por me comportar de forma tão imatura. Não queria dizer todas aquelas palavras cortantes e rudes, tão pesadas e infelizes. Se eu pudesse faria tudo diferente, mas nada disto importa agora.

Dormi pensando em você. Acordei pensando em você. Tantas palavras que você adorava, assim como gostava de remexer em meus olhos úmidos. A dor da falta é comparável à discrição da dor. Um naufrago em meus sentimentos, que já não interessam nem mesmo pra você.

Agora que perdi você, estou certo que devo aprender com a dor. Pelo menos isto. E que meu silêncio dure o tempo necessário, assim como esta saudade medonha que deve se transformar em lembranças bonitas. E apesar da tristeza, não me arrependo de você.

Nem de nós.

quinta-feira, junho 23, 2005

Átila, o rei dos hunos

“Para os que chegavam, o mundo em que entravam era a arena dos seus ganhos, em ouro e glórias. Para os índios que ali estavam, nus na praia, o mundo era um luxo de se viver.
Este foi o efeito do encontro fatal que ali se dera.
Ao longo das praias brasileiras de 1500, se defrontaram, pasmos de se verem uns aos outros tal qual eram, a selvageria e a civilização.
Suas concepções, não só diferentes mas opostas, do mundo, da vida, da morte, do amor, se chocaram cruamente.
Os navegantes, barbudos, hirsutos, fedentos, escalavrados de feridas do escorbuto, olhavam o que parecia ser a inocência e a beleza encarnadas.
Os índios, esplêndidos de vigor e de beleza, viam, ainda pasmos, aqueles seres que saíam do mar”.

O Povo Brasileiro
Darcy Ribeiro

Nos deram espelhos e vimos um mundo doente
Tentei chorar e não consegui.
Índios
Legião Urbana

Privou-se a dor de sua inocência.
Nietzsche



Enquanto sentia seu corpo quente olhava para a estante de livros. Senti que nada ali tinha validade ou serventia agora, nenhum poema ou tratado de filosofia política. Nietzsche, Drummond, Kafka e Sócrates: todos perdidos em meu mundinho rompido.

“O que fazer?”, gritava Valeriano. Átila sitiava Roma, estava em suas portas, urrando sua língua bárbara e cozinhado as carnes dos legionários vencidos. Valeriano sabia que a cidade não agüentaria mais uma semana de cerco. Como estavam todos fatigados e judiados pela fome, sede, frio e loucura, ateou fogo na biblioteca. Não sentia mais frio. E todas as galerias de sábios clássicos, consumidos pelo fogo, serviam apenas como combustível. Perdeu-se. Ganhou-se.

Tocou seus lábios com ternura, pois queria sentir as rugas da boca e as direções da língua. Não consegui beijá-la como antes, apesar de seus pedidos. Não conseguia tocá-la sem sentir um certo constrangimento, uma pontada no coração, uma dor aguda e forte. Mexia em seu quadril com uma mão, com a outra tentava se masturbar. Imaginou estar deitado com putas e gozou muito pouco. Teve nojo do seu esperma melando seus corpos e, como estava escuro, aproveitou para chorar sem que ela percebesse.

Hoje acordei confuso. Não tive vontade de viver, mas tampouco desejei a morte. Levantei sem lavar o rosto, sem tomar café, sem mudar a roupa. Dirigi até o posto, abasteci e fui até uma outra cidade. Não tinha fome, nem choro, nem desejo. Não senti saudade e nem sonho. Quando achei que já estava longe, fiz o retorno e voltei pra casa. Almocei e bebi um cálice de vinho tinto. O sangue de Cristo.

Como foi possível? Como me entreguei tanto? Será que eu não aprendo com tudo o que passei na vida? A impressão é que não. Novamente os mesmos erros, as mesmas armadilhas e medos. Não dá pra esquecer e nem pra ficar lembrando. Não dá.

Desta vez vi de perto a barbárie. Fui invadido e não quero mais saber da civilização. Chega dos tratados de filosofia políticas, das obras de Gustav Mahler, do texto de Benedetti ou da TV sem som. Basta de amar e esperar e desejar e possuir e perder e chorar. Cansei das palavras escritas, faladas, cantadas, ditas, lidas ou sentidas. Quero balbuciar.

Barbarói. Barbarói.

segunda-feira, junho 20, 2005

Batuta Musical

Eu sabia que seria difícil, mas não imaginava tanto. Quando li no Garatujas meu nome escalado para a “Batuta Musical”, juro, tremi. Quem me conhece bem sabe que não vivo sem música. Escuto, canto, toco e até arrisco umas composições.

Difícil escolher vinte músicas ou álbuns... Sei que a lista está incompleta, amanhã faria outra. Mas agora, neste exato momento, estas são as canções que embalam meus sonhos e desencantos.

Música sempre!


TOP 20 TheGun – A Missão:

1) Recuerdos de Ypacaraí – com meu pai cantando e tocando violão. É impressionante como coisas que acontecem na nossa infância marcam nossa personalidade pro resto da vida. Desconfio que se papai escutasse Led Zeppelin, e não estes boleros maravilhosos, eu não seria uma pessoa tão melancólica. Desconfio apenas. Gosto muito desta música e das lembranças que ela me trás. Devolve uma paz, uma inocência... É gostoso como era gostoso escutar papai no violão. Ainda bem que ele não escutava Led.

2) Tatuagem – Chico Buarque. Esta canção é matadora. É a única da lista que eu coloco sem hesitar, sem medo algum. Adoro esta música, a interpretação do Chico, o órgão, a bateria de bolero. E a letra! Ainda não encontrei algo tão preciso em definir o cativeiro do amor. Chico, sempre Chico.

3) Tarde Vazia – Ira!. Esta comporta tudo o que eu sinto quando começo a gostar de alguém. Essas bobagens que só o amor permite, coisas estranhas como um telefonema que vale por toda uma semana. Legal é que a letra é bem simples, fala do banzo que a gente sente quando está apaixonado, de ficar olhando pro vazio... Até que o telefone toca. E um sorriso explode no rosto!

4) Não vou me adaptar – Titãs (mas prefiro a versão nova do Nando Reis). Rock bem imagético, quase roteiro de cinema. Coisa do Arnaldo Antunes mesmo. Talvez pelo lance da barba deste tamanho, eu não sei, mas sempre senti esta música como uma autobiografia não autorizada (hehe). Sei que tenho um espírito inconformado, que uma ex-namorada chamava de exagero trágico. Não era nada disto. Era, e ainda é, uma vontade de não se adaptar ao que vai corroer alguns sonhos que gosto de preservar.

5) Fullgás – Marina Lima. A versão original, com o baixo pautando a música, conduzindo tudo. Bateria eletrônica e happiness de teclados. Marina é foda. Tem tanta coisa que gosto, Grávida, A não ser você, Charme do Mundo... Mas Fullgás é especial. “Você me abre seus braços / E a gente faz um país” merece um prêmio por honrar a língua de Camões. Bom demais.

6) Viaduto Santa Ifigênia – Adoniran Barbosa. Melancólica e bela, como quase todas as canções do Adoniran. Gosto da marcação do surdão, das linhas de flauta e da levada do cavaquinho. Uma das primeiras músicas que tentei tirar no instrumento e que, quando quero me imaginar sambista, canto. Em 2004, no meu último ano de Sampa, fugia para o centro pelo menos uma vez por semana. Olha que eu morava no Jabaquara! Ia sempre arrumado, de terno, camisa e chapéu. Bonito pampas. Passava no mercado pra comprar queijo pras meninas que moravam comigo. Entrava nos sebos, café com conhaque. Quando me animava corria até o Viaduto, encostava no parapeito e ficava olhando o movimento. Cantava baixinho a música do Adoniran. Bem baixinho mesmo.

7) Atrás da Porta – Elis Regina. Outra das músicas matadoras do Chico. Com a interpretação da Elis então... Lembro de uma dor-de-cotovelo que amarguei uns três anos atrás. Escutava esta canção com a Pimentinha e chorava todas as mágoas que eu tinha que chorar. Foi que foi.

8) Microondas – Bidê ou Balde. Devo ser o único dentre meus amigos que gosta desta banda gaúcha. Gosto mesmo, muito. Funcionam como uma espécie de bálsamo, pois quando estou triste, dobro o volume do Bidê ou Balde. Canto alto, acompanho no violão, danço. Queria dizer isto pra eles um dia, mas acho muito piegas.

9) Mulher Sem Alma – Nelson Cavaquinho. Difícil. Quem me conhece sabe o quanto sou obsessivo com os artistas que gosto. É assim com o Chico Buarque, com o Ira!, com o Bidê ou Balde e com o Nelson Cavaquinho. Estas personalidades acabam figurando no meu universo do sagrado, pois conseguem me tirar da mesmice, me salvam da mediocridade. Então é difícil escolher algo do Adoniran ou do Nelson. Esta música me consolou diversas vezes das injustiças reveladas pelo desamor. Amarrava um porre lascado e cantava. Parece caricatura? Não é não.

10) Eu não consigo ser alegre o tempo inteiro – Wander Wildner. Punk Brega, yeah! Violão rachado e voz rasgada. Brega porque não dá pra ser filho do Sérgio Buarque de Holanda o tempo inteiro. Tem horas que a gente quer ser mais cru, mais pulsante, mais tosco. Tem horas que a gente precisa de baladas sangrentas. E o Wander consegue fazer isto com tanta perfeição! Decorei meia-dúzia de canções suas que pretendo colocar num cd que estou gravando. Meu violão e eu. Esta está na linha de frente.

11) Aquellos Ojos Verdes – Ibrahim Ferrer. É a música que eu gostaria de apresentar para meu próximo amor. Suave, belíssima, apaixonante. Ideal pra dançar sussurrando besteirinhas aos ouvidos, pra beber vinho esticado na cama e pra transar. Pérola. E não dá pra dizer mais nada além de imperfeições.

12) Esses Moços – Jamelão. Gosto de Lupicínio Rodrigues por influência de meu pai, que invadia a casa nas manhãs de Domingo com os bolachões das orquestras que tocavam samba-canção. Engraçado, pois tenho saudade da época que as rádios e os clubes tinham suas orquestras, com naipe completo de metais, sem nunca ter experimentando e vivido em tal tempo. Acho que é a tal de herança psicológica, pois dizem que meu avó materno era um tremendo pé-de-valsa. Lembro, especialmente, desta música num show do Jamelão, no SESC Vila Mariana. Du e eu estávamos lá, cercados de aposentados por todos os lados. “Jamelão canta Lupicínio – piano e voz”. Ele dedicou este samba pra nós dois. Acertou em cheio.

13) Augusta, Angélica e Consolação – Tom Zé. Teve um tempo que fiquei deprimido e vários amigos se afastaram. Estava precisando de carinho e cuidados. O que me deu muita força foi a incrível cidade caótica de São Paulo. Andava pelas ruas de Cerqueira César e Vila Buarque, tomava café, enfrentava prateleiras de sebos, observava os pontos de ônibus e conversava com as putas. Esta música do Tom Zé dizia exatamente o que gostaria de cantar pra cidade que tanto me ajudou. E eu esquecia e ia, descendo a Augusta, comprar bombas de chocolate no Bexiga.

14) Assim falava Zaratustra – Richard Strauss. Pirei quando vi esta peça inteira executada pela Osesp na Sala São Paulo. Pirei mesmo. Na saída não conseguia falar direito, estava em choque. A introdução é bem conhecida pela seqüência espantosa do 2001 de Stanley Kubrick. Mas assistir isto ao vivo, com uma grande orquestra trabalhando, assusta. Nunca me senti tão pequenino e, ao mesmo tempo, confortado. Sensação de percepção das nossas fraquezas, maravilhas e finitudes humanas.

15) Opinião – Zé Kéti. Prefiro a versão com o próprio Zé Kéti, que tenho no cd do programa Ensaio. Além de toda a história da música e de suas inúmeras regravações (de cabeça, Nara Leão, Maria Bethânia e Elza Soares), esta é uma prova de que é possível fazer uma música engajada sem parecer militância disfarçada. Conheço este samba faz tanto tempo, desde minha infância. E quando vou glorificar meu passado, gosto de pensar que um pouco da minha consciência política se deve a este sambinha.

16) Assentamento – Chico Buarque. Outra maravilha que me arrepia. Gosto de ouvi-la com os olhos fechados, imaginado cada estrofe. As linhas harmônicas eu vejo como vôos de aves caipiras, das que povoaram a minha infância. Lembro que quando a escutei pela primeira vez e vi a evocação de Manuel e Miguilim, fiquei muito emocionado.

17) Cordas de Aço – Cartola. Como arranho um pouco de violão, costumo usar o instrumento como um grande confidente. Geralmente, quando estou chateado e triste, fico tocando, cantando com o pensamento. Esta música do Cartola me passa esta fidelidade entre alma e violão, um encontro notável, não importando a minha falta de técnica. Não se trata disto, pois é algo muito mais sutil e profundo. Como um samba do Cartola.

18) Vamos para uma excursão – Bidê ou Balde. Quando escutei pela primeira vez, achei tão bobinha. Bem rock pop do Bidê, sem nenhuma pretensão que escape da diversão. Mas a repetição do delicioso refrão me conquistou. Assim, vez ou outra eu me pego cantarolando: – agora eu só sei que tudo que eu quero é te abraçar / hoje de noite, em qualquer lugar.

19) Começaria tudo outra vez – Gonzaguinha ou Maria Bethânia. Realmente eu tenho dos dois pés fincados nos boleros e samba-canções. Esta música é belíssima e preciosa. Também parece um roteiro de cinema ou conto do Raduan Nassar. Fala destas intimidas e lembranças que só os casais apaixonados sabem ter.

20) Pérola Negra – Luiz Melodia. Os metais em brasa metralham qualquer peito desavisado. Quando estou estressado, apago as luzes e deixo esta música me invadir. Vejo a linha dos metais rasgando o ar e, como se isto fosse possível, apagando as lembranças ruins da cabeça.


Puxa... Escrevi muito. Também, isto é lá coisa para pedir a um neurótico! Como já alertei, a lista está incompleta e imperfeita. Agora mesmo, publicando este post, lembrei de algumas que poderiam estar aí. Mesmo assim, foi divertido.

Escutei cada uma delas enquanto escrevia.

domingo, junho 12, 2005

Contra a invasão bárbara

A solidão do amante não é uma solidão de pessoa,
é uma solidão de sistema: estou sozinho para erigi-lo
em sistema. Paradoxo difícil: posso ser ouvido por todos,
mas não posso ser escutado senão pelos sujeitos
que têm exatamente e presentemente a mesma
linguagem que eu. Os amantes, diz Alcibíades, são
como aqueles que foram mordidos por uma víbora:
“Não querem, dizem, falar com ninguém de seu acidente,
exceto com aqueles que também foram suas vítimas, por serem eles os
únicos em condições de conceber e desculpar tudo
o que ousaram dizer e fazer quando tomados por suas dores”:
mirando bando dos “Defuntos famélicos”, dos
Suicidas de amor (quantas vezes um mesmo amante não
se suicida?), aos quais nenhuma grande linguagem
empresta a sua voz.

Fragmentos de um discurso amoroso
Roland Barthes


Fim de tarde. Chinelos, bermudas, TV sem som. Café frio, passado pela manhã.

Rabisco um poema e desisto logo. Dói como um pedaço de carne arrancada. Dói pesado e profundo. Dói sem medo.

Pego o carro e dirijo mais de uma hora. Não estaciono em nenhum lugar; dirijo cantando, devagar, me escondendo do Sol. Nenhuma pessoa conhecida.

O fim da inocência petista. Fluminense empatando com o Santos. Contos de bordel. Telefone mudo. Elis Regina. Meu rosto está horrível; barba e cabelos compridos. Queria chorar até afundar os olhos, mas não consigo.

Fragmentos de um discurso amoroso.

Mais uma volta de carro. Vou discutindo alto comigo mesmo. Meu carro não tem rádio. Paro pra ver vovó, paro pra ver sobrinha. Preciso de esperança para arranhar tanta culpa.

Nietzsche na cabeça: “Privou-se a dor da sua inocência”. Dói grande. Dói fedido. Dói fechado e culposo.

Dói a certeza do “nunca mais”.

(Aguardo o fim do medievo. Quem sabe um novo corte de cabelo? Não posso mais me assassinar.)

Pela toca do coelho

Alice estava começando a ficar muito cansada de estar sentada ao lado de sua irmã e não ter nada para fazer: uma vez ou duas ela dava uma olhadinha no livro que a irmã lia, mas não havia figuras ou diálogos nele e “para que serve um livro”, pensou Alice, “sem figuras nem diálogos?”

Lewis Carrol

Chegou Alice.

Não tenho como oferecer um país das maravilhas, mas posso transformar seu tio num chapeleiro louco perdidamente apaixonado.

quinta-feira, junho 09, 2005

Idéias

Li em algum lugar alguma coisa interessante. Ultimamente vivo assim, esquecendo o que não é pra esquecer. Das coisas que me lembro, muito pouco adianta.

Sabe quando a gente só quer trabalhar e dormir? Pois é...

Penso que se tivesse alguma crença ou carinho, enfim, alguma coisa para encontrar apoio... Penso que seria mais fácil. Mas será? No fim estamos sempre sozinhos com nossas idéias.

Idéias. É o que mais tenho.

Idéias de tudo. Penso na defesa do socialismo, no aquecimento global, no mito da mestiçagem. Eu gosto disto. Penso em cinema, futebol e em noites de botequins. Bacana! Idéias de quase tudo.

Só não tenho o que pensar quando lembro da falta que ela me faz.

Hoje tive minha hora no divã. Foi foda. Finalmente parei de falar “pelas beiradas” e me olhei, profundamente. Tenho tanta coisa para arrumar, tanta coisa pra fazer... Juro que estava melhorando.

Por ora ainda continuo uma espécie de Wander Wildner caipira. Tenho dentes tortos, olhos claros, voz de ganso e nariz batatão. Toco rock e baladas com um pessoal legal.

Faz tempo que estou perdido. A diferença é que agora eu não tenho a menor idéia do que fazer e nem do que sonhar.

sexta-feira, junho 03, 2005

Historinhas envergonhadas

Queria ter um jardinzinho japonês, desses com lago de carpas e bonzai, para cometer harakiri.

*

Acordou na manhã de Sábado, lavou o rosto e escovou os dentes. Quando olhou no espelho, não soube reconhecer o rosto refletido. Gargalhou de prazer.

*

Um beijo de cinema, respiração ofegante, mão deslizando nas costas. Coisas de Hollywood. Ficção científica.

*

Tudo que sei é que ele atendeu ao telefone e quase nada falou. Monossílabas, negativas e pigarros. Depois pegou as chaves do carro e dirigiu até a Argentina.

*

Fez uma fogueira com seus livros, queimando todos os gêneros, títulos, encadernações e coletâneas. Só preservou uma gramática, pois gostaria de aprender a usar a crase.

*

Cansado de olhar a fotografia dela, repousando no canto triste da estante, não teve dúvidas. Buscou um garfo e vazou os dois olhos.

*

Jogou o celular contra o muro, perdeu os documentos e matou uma garrafa de cachaça. Comeu feijão com as mãos e adormeceu na rua da Mooca. Cansou da civilização e sonhou com a doce barbárie. Acordou de ressaca e de pau duro.

*

Insaciável, conhecia bem todas as putas da Capitão Bernardes. Não pelos nomes, mas pelos bicos dos seios. E adorava quando elas apertavam sua bunda.

*

Escutava Strauss no escuro, entulhado em sua cama com os travesseiros. Quando finalmente conseguia dormir, engoliu um cabelo. Ficou impressionado em sentir que aquela mulher, mesmo longe, ainda o incomodava.

*

Decidiu ir embora de Porto Alegre. O Guaíba está podre! Na verdade, queria mudar de país, de continente. Queria mudar de humanidade.

*

Suas orelhas estavam aquecidas. Cheiro e gosto ácidos. Sua língua lambiscava toda a superfície quente. Dali ele não conseguia escutar nenhum dos estremecidos gemidos dela.

*

Ela atravessou a pracinha olhando para a banca de revistas. O jornaleiro era um lindo jovem de cabelos crespos e boca carnuda. Barba por fazer. Sentiu um choque de tesão varrer toda sua coluna e ensaiou pedir, com a maior naturalidade, um jornal e uma chupada.