sexta-feira, março 31, 2006

O Sultanato Selvagem


sorte no jogo
azar no amor
de que me serve
sorte no amor
se o amor é um jogo
e o jogo não é meu forte,
meu amor?
Paulo Leminski


O fato é que estou perdido nesta madrugada. Marina, Leminski, whisky. Perdido e um pouco perturbado.

Depois que passei uma noite em seus braços, subindo a temperatura, o silêncio se tornou muito mais mudo e a noite ainda mais escura. Nem o violão dedilhado, inspirado na atenção, consegue esconder o óbvio.

Está tão óbvio assim?

Leminski, não me toque nessa dor! O nosso trato, lembra? Você ensinou cantando que ela é tudo que me sobra.

Cinema mudo. Livro aberto. Cama vazia.

Eu penso e quero e sonho e luto e babo e choro e banho e cago e desejo você

Sultanato selvagem. Meu corpo é campo de batalha, guerra civil e martírio sem fé. No meu hálito ainda sinto o seu, quase como o cheiro de pólvora.

A chama lasciva, oscilando.

Seria mais fácil se não tivesse esta dor estranha que eu não sei dizer onde é que surge, que fisga e tomba. Tão somente dói. Simples.

É assim, Leminski? E agora? Qual loop da montanha-russa? Qual limão azedo transformado em limonada? Qual canção do Itamar Assumpção?

Não maldizer o amor, eu sei. Mesmo, assim, quanta imprudência em todos os meus toques.

Outra vez.

quarta-feira, março 29, 2006

Sonata

Viciado

Verdade


A verdade é uma só: saudades da Ana, da Bia e da Rita!

segunda-feira, março 27, 2006

Dom

Todo dia eu só penso em poder parar
Meio-dia eu só penso em dizer não
Depois penso na vida pra levar
E me calo com a boca de feijão

Cotidiano
Chico Buarque



Insone. Tive lá uns momentos de brilho, como uma vez, de passagem por Bauru. Apaixonado, sabe? Daí a gente faz cada coisa.

Atualmente tenho apenas isto: insônia.

Estava assistindo TV mergulhado numa grande irritação. Tem horas que nem eu me agüento... Mas não é bem isto. Estou confuso, pensando nas bobagens que faço com minha vida amorosa, cada dia mais abstrusa.

Não consigo me envolver profundamente com ninguém, só com livros, estradas e receitas. Fiz uma salada indiana ontem que me comoveu: tudo feito com esmero, atenção nos detalhes e na evolução dos ingredientes. Deixei os temperos conversando um bom tempo antes de finalizar.

Queria me dedicar assim aos sonhos, como no passado.

De tempos em tempos passo por uma temporada de torturas. Orkut serve para alguma coisa. Mexer em fotos de antigos amores tem lá sua poesia, mesmo doída. Queria fumar, mas não posso.

Fiquei ouvindo Chico. Mas só as músicas antigas.

E entre uma foto e outra deu uma saudade... Saudade mesmo! Nem tanto das mulheres ou das horas boas. Senti saudade de mim.

Saudade. Saudade. Saudade. Até o coração perder o fôlego...

Saudade.

Existem momentos que são assim mesmo, como letra de bolero. Não dá pra mudar, o que se há de fazer? Aprendi a respeitar isto e sentir, como respiração, cada fração. Até gosto tem.

Se esta noite tivesse mais três horas eu teria uma outra explicação. Mas não.

Não.

sexta-feira, março 24, 2006

Falando francamente

Essência musical dos meus versos inúteis,
Quem me dera encontrar-te como coisa que eu fizesse,
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
Calcando os pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que bêbado tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.

Tabacaria
Fernando Pessoa


Falando francamente, sinto um amargor que faz calar. Não é um soco no estômago ou uma pontada na alma – é um amargo gosto em tudo. Não basta saber no que fracassei, ultrapassa este entendimento.

Por vezes acho que vai ser sempre assim. Na verdade, acho sempre. Além da literatura e do cantil de whisky, está difícil desejar mais.

Teve a pesquisa e eu pensei que seria um bom pensador. Hoje tenho vergonha de meu orientador que penso ter desapontado. Logo eu que gosto tanto de refletir, tenho ponderado se sou qualificado para esta vida.

Quem sabe...

Numa tarde eu estava vestido de cores claras, com uma calça de linho e camisa de algodão. Um Sol na cabeça... Lembrei de algumas pessoas que acabei me afastando e do quanto sinto falta delas.

Parei. Fui pensar na sombra.

As pás do ventilador misturam o ambiente. É o único som da madrugada. Bom pra esticar as pernas e desabar no chão frio. Bom pra deixar a cabeça aberta, pedindo para as idéias saírem e o tempo dormir. Bom pra sentir o pulso e a respiração, saber que aqui algumas coisas ainda funcionam e importam.

Aos meus amigos que sentem a minha falta. Ao meu mestre que tinha expectativas. Aos meus livros que desejam serem lidos. Ao meu fracasso frio e insosso.

Dedico várias madrugadas de silêncio.

quinta-feira, março 16, 2006

Caminha assim de lado

Um homem com uma dor
É muito mais elegante
Caminha assim de lado
Como se chegando atrasado
Andasse mais adiante
Carrega o peso da dor
Como se portasse medalhas
Uma coroa, um milhão de dólares
Ou coisa que os valha

Ópios, édens, analgésicos
Não me toquem nessa dor
Ela é tudo que me sobra
Sofrer vai ser a minha última obra

Ela é tudo que me sobra
Viver vai ser a nossa última obra

Dor Elegante
Itamar Assumpção / Paulo Leminski

Insônia. No canto da cama, misturado entre roupas sujas, espero. Barulho do ventilador. Insosso.

Abrindo lugar na mesa, bebendo whisky para livrar a língua do gosto de alho, procuro escrever uns versos. Coisas pequenas, mas dá vontade de torrar papel e caneta até passarem todas as saudades ou secar a garrafa.

Memórias de carnaval. Olhando pro mar, com Lua e calor, cansei de sentir as mãos atadas. Não tinha ação, sem saber muito que fazer. Temperando a boca com cigarrilhas, era olhar o mar e deixar o pensamento solto, buscando atenção.

E o seu resgate não veio.

S.O.S. e sinais de fumaça. Deve haver uma árvore, um mocinho, um bandido? Um país? A vida não está certa nem errada, mas indecisa.

Luzes apagadas e Zélia Duncan baixinho. O que a gente faz quando começa a esquecer o gosto bom de ter pra quem telefonar nas vezes em que as horas não passam?

sexta-feira, março 10, 2006

Coração de estudante


(Arrumando as gavetas. Vestígios do tempo do sonho.)

Meu catálogo de erros

Os olhos cansados e um copo sujo que torno a completar com whisky. Um vazio tremendo, sem pressa, encosto a cabeça na cama e tento imaginar alguma coisa, qualquer coisa. Vazio.

Lupicínio em voz bem baixinha, branda e vagarosa, como um tempo esticado, vela por minhas lembranças e curtas ilusões que movimentaram minha vida. Não tenho chegada, estico o corpo e fico olhando as sombras do ventilador girando, movimentando o quarto.

Os livros entulhados. Minha vida entulhada.

Lupicínio. Entro no carro e vou até a estrada vazia. Ninguém nas outras faixas. As luzes dos faróis iluminam a rodovia que passa zunindo quase como um rio. E o céu estrelado inspira minha respiração pausada em suspiros atrás de suspiros.

Vontade de ir até a estrada que leva até a outra estrada, e depois outra, e outra, e outra...

Madrugada. Estico o lençol e ligo o ventilador. Um silêncio de enlutar espíritos. Lembro do grande amor e quero pensar alguma coisa; não consigo. Os olhos pesados desabam, mas eu não pretendo dormir.

segunda-feira, março 06, 2006

Páginas amareladas

É preciso estar atento e forte
Não temos tempo de temer a morte

Divino Maravilhoso
Caetano Veloso

Metido entre os livros, rabiscando. Copo de cólera. Judeus.

No quadro de cortiça penduro o postal. Mário de Andrade me pulveriza numa queixa soturna, mas lírica. Repetente. Não permita Deus que eu morra sem...

Uma lágrima: pode ser Miles. É só saudade? Eu não sei. Nem há como saber na correria das estradas, com as janelas abertas e o carro acelerado. Ultrapassagem rápida. Saudade longa.

Saudade.

As ruas da cidade se vão, perdendo-se entre as pedras do calçamento, luzes dos apartamentos e sons da poesia concreta. Despencou a memória do andaime, desesperada e farta, gritando em paranóia como se fosse possível remediar o salto.

As luzes.

Na sacada há um tempo para um cigarro. Olhos fixos, inebriados com a fumaça que desliza na noite, fresca, despreocupada em suas vergonhas. A noite esconde tudo.