Punk Rosa
Olhei a vida e me espantei
E eu tenho mais de vinte anos
Eu tenho mais de mil perguntas sem respostas
Estou ligada num futuro blue.
Os meus pais nas minhas costas
As raízes na marquise.
Eu tenho mais de vinte muros
O sangue jorra pelos furos
Pelas veias de um jornal
Eu não te quero, eu te quero mal.
20 Anos Blue
sueli costa e vitor martins
Segunda cruel, ainda mais com o barulho repetitivo do despertador. Com alguma força consigo ligar a TV para assistir ao Bom Dia São Paulo. O mesmo desfile de desgraças matinais nas manchetes, café, xixi, gol do Corinthians. O jornal termina sempre com umas imagens de Sampa amanhecendo, o que me deixa com saudades. Afoguei tudo com um longo suspiro, pois não há tempo para melancolias: preciso trabalhar.
O excesso de café está me fazendo mal e fico vivendo “revoluções” na barriga por um bom tempo. Tento acalmar com água, acumulando em minha mesa muitas garrafinhas. Elas acabam disputando espaço com anotações e livros amassados. Mais café, mais água. No som, Miles solando, bem baixinho.
O reflexo no espelho está estranho: meus olhos estão inchados e úmidos, duas espinhas explodiram e meus cabelos insistem em me deixar. Com a barba por fazer e a grossa armação escura dos óculos consigo alcançar uma imagem próxima do Elvis Costello. Gosto disto.
Na manhã preguiçosa de Segunda tento me recompor. É inevitável, eu não consigo sentir diferente. Gostaria de ter feito outras escolhas, de ter viajado mais, trepado mais, estudado mais, pirado mais. Gostaria de saber se não desperdicei um tempo precioso de minha vida com pessoas erradas. Só me acalmo aceitando que pensar assim é loucura, pois não tenho como racionalizar meus passos perdidos. Foi, valeu, gozei. Sei que consegui cativar algumas almas, corromper poucas e detestar muitas. Nada muito valoroso, mas tudo muito humano, muito contraditório, muito imprudente. Gosto disto.
Volto ao cover do Costello no espelho e vibro. Naturalmente fiquei assim, naturalmente encontrei este lugar. Cada fio suicida, cada marca da acne, os olhos verdes, a barba ruiva, a armação escura dos óculos, parece que nasci assim, feito assim, geneticamente determinado assim. Talhado no exagero entre o bolero e o punk, a harpa paraguaia e a guitarra ácida. De uma imperfeição gigantesca.
Preciso de espaço e de uma idéia brilhante para seduzir um pouco da vida que meu coração bombeia. Está tudo muito difícil e não consigo traçar planos para além desta tarde. Quando sinto que vou desabar, corro para Pixinguinha. Até quando ele vai me salvar? Um rabisco aqui, uma anotação acolá. Por hoje chega de café! Meu esforço irá trazer um fruto bom, um novo tempo, um outro samba?
Observo as ranhuras na capa de um livro que repousa na mesa e lembro que estou com os prazos estourando. Tenho dois ou três pensamentos bons, procuro com os olhos umas fotos penduradas de amigos e começo a ler inspirado por uma vontade bonita de escrever um trabalho bacana. Um pouco de calma e água. Letras, letras, letras...